Desde setembro, que já entrei em vigílias na minha cidade, participei numa manifestação frente à Assembleia da República, várias outras manifestações em Lisboa, participei e organizei várias manifestações à porta da minha escola e noutras escolas, no cimo de pontes e em praças, desfiles pelas ruas da minha cidade e noutros concelhos do Norte, plenários na minha escola e outras, escrevi comunicados, fiz centenas de euros de greve, dei entrevistas e depoimentos e escrevi centenas de textos sobre a luta e problemas da escola e dos professores.
Já tive direito a uma visita da Inspeção na minha escola, decidida por um membro de gabinete do Governo, para questionar a minha ação profissional.
“Desapareci em combate” e desleixei a atenção a pessoas que gosto e criei problemas pessoais desnecessários e que deixarão marcas perenes.
O ganho tem sido pouco.
O balanço é que, contra toda a lógica da Democracia, o governo não quer saber e não quer reagir acolhendo soluções, ouvindo a opinião dos professores e resolvendo os problemas.
A estratégia dos Costas é um misto de “eles vão cansar-se” e “arregacemos as calças e que passe a enxurrada.”
O que estamos a viver está a aproximar-se da tirania, que é uma forma de governo em que os governantes violam as leis existentes, utilizando-se de práticas moralmente condenáveis para se manterem no poder.
Mas, mesmo isto começando a aproximar-se disso, a luta não pode esmorecer.
Os assuntos de concursos ainda não estão resolvidos e há muitos outros para resolver nas escolas e na educação nacional.
ESTAMOS A APROXIMAR-NOS DA TIRANIA….
O Governo tem uma maioria absoluta, obtida graças às distorções de um sistema eleitoral pouco representativo, porque já não é proporcional (disse-o o próprio António Costa, quando, como ministro dos assuntos parlamentares de Guterres propôs a reforma dos círculos – vide https://as.ps.pt/html/1998/968_02_04_1998/politica.htm )
Com 41,6% dos votos, o PS conseguiu, graças ao sistema de círculos manhosos não realmente proporcionais, que ainda mantemos, 51% dos deputados (117).
Os 41,6% dos votos expressos de forma proporcional davam só 96 deputados (isto é, se o sistema fosse realmente proporcional como a Constituição diz). Dizer que o sistema é proporcional e ele não ser é uma prática moralmente condenável.
Há manifestações de professores que têm mais gente presente que votos tiveram alguns deputados, que vêm falar da sua legitimidade eleitoral indiscutível para fazer o que lhes apetece na governação antieducação.
E saliente-se que a abstenção no total do país foi de 48,6 %.
Metade dos eleitores nem votaram e não foi sequer metade dos outros que votou que votou PS.
Mas, muitos videirinhos do PS acham que resultados desses fundamentam as suas posições radicais contra o povo e os interesses da escola pública. E o “mau governo” que nos estão a disponibilizar.
A LUTA NAS ESCOLAS É UMA LUTA POR DIREITOS CONSTITUCIONAIS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Defendo um sistema político baseado na moderação, no voto e nos partidos.
Mas proporcional e representativo e não um, em que, com falta de humildade democrática, se ache que uma maioria absoluta, mais que imperfeita, permite validar tudo e não ouvir os justos protestos, que duram há meses, com graves custos para quem protesta e quem os sofre.
O direito à greve é um direito materialmente democrático. A maioria absoluta só formalmente o é.
Hoje a notícia é que João Costa nem a Provedora de Justiça respeita.
Parece que só os Tribunais são aceites como travões, por um governo que acha que a “sua” maioria absoluta legitima tudo o que lhe apetece fazer nos intervalos da “caridadezinha” face à crise.
LUTAMOS PORQUÊ?
Nós, professores, estamos a lutar por uma ideia Constitucional fundamental: uma escola pública de qualidade, bem organizada, bem financiada, bem dotada de recursos e com profissionais bem pagos e seguros, respeitados, bem enquadrados e apoiados.
Estamos a lutar por salários, mas também por mais qualidade no trabalho e menos burocracia, menos centralismos e mais democracia de decisão, pela nossa autonomia pedagógica, por segurança e combate à violência e indisciplina, pelos direitos fundamentais de acesso a funções públicas com equidade, à vida familiar, à saúde, segurança e justa remuneração.
Pelo direito ao respeito das nossas expetativas (há leis sobre carreira, vigentes há décadas e negociadas, que não são cumpridas e cujo incumprimento continuado e futuro ainda se tenta negociar outra vez e leis sobre concursos, em que direitos de todos e até de gente especialmente desprotegida, vide direitos das pessoas com incapacidade, vão ser desrespeitados).
Lutamos também pelo direito à greve, à proteção contra o abuso de poder e pela liberdade de manifestação. E até de expressão, em algumas escolas com dirigentes mais rosados.
E estamos a lutar, em última análise, pelos alunos e por Portugal.
Que mais podemos fazer para que o PS e o seu Governo percebam que estão a trair a sua declaração de princípios e o seu programa e, pior, a sua própria História e a Constituição?
Fui militante do PS entre os anos 90 e 2005. Tive a honra de conhecer e trabalhar com fundadores do Partido, gente que lutou antes do 25 de abril e que participou na Assembleia Constituinte.
Para mim, traição à memória dessas pessoas, por quem tive amizade, companheiros de Salgado Zenha e Fernando Valle era concordar com o PS de hoje e suas políticas, com a sua arrogância política, indiferença pelo povo e falta de respeito pela Democracia.
Sócrates pode ter feito do PS um partido parecido com PRI mexicano. Mas isso não pode continuar a reflectir-se nas escolas.
Os professores não estão a lutar só por si, não só pela Escola Pública, mas também pela Democracia e Liberdade.
E isso justifica moral e politicamente que continuemos.
Com greves, com outras ações e com aquilo que pudermos para os objetivos elevados que estamos a frisar com essa luta.
E isso justifica o que se tem feito e até mais.
Aliás, é preciso que se faça mais: protesto que afete realmente o trabalho e tenha o alcance real do problema que estamos a enfrentar.
Não podemos continuar a fazer visitas de estudo e entregar ordeiramente avaliações e depois ir para a porta da escola acenar os cartazes.
Muita gente fala de desobediência civil. Thoreau postulou o conceito num sentido pacífico contra um Estado formalmente democrático (os EUA).
Acho que, no caso dos professores, se justifica pensarmos em caminhos desses.
E lamento constatar a falta de consciência da disciplina coletiva que essas práticas exigem.
Mas não paramos, mesmo!