A interrogação é esta, para a qual não há resposta num futuro que se apresenta incerto.
Reconheço ser natural que nós, professores, tenhamos preocupação com os alunos, com a sua avaliação, com os exames, com o seu futuro académico… Porém, não deixo de ficar surpreendido com tantos professores a demonstrarem espanto, tristeza e, até, alguma revolta com a informação veiculada sobre a probabilidade de não haver aulas presenciais nas escolas no 3º período, situação que não era difícil de imaginar que viesse a acontecer.
Anoto que já fora noticiado que “Cientistas alertavam para nova vaga do vírus até final do ano”.
Não posso deixar de dizer que me é difícil entender o motivo de tanto espanto na classe docente perante esta realidade, quando as entidades internacionais apontaram para a 2ª semana de maio como pico da pandemia em Portugal e o primeiro-ministro já adiantou esperar que seja para final de abril, com incidência até final de maio, e ainda ontem na comunicação ao país frisou que daqui por 3 meses (finais de junho) terá de ser feito um balanço. [para bem da verdade se diga que estas datas vão mudando de dia para dia e há pouco fiquei a saber que no dia catorze do mês vindouro iremos todos assistir ao pico da coisa que, vejam só, ninguém controla]
Referiu que ainda teremos de enfrentar esta pandemia no próximo inverno, uma vez que é previsível a vacina só estar disponível dentro de, sensivelmente, um ano devido ao período de testes e de espera para verificação da inexistência de efeitos secundários.
A princípio, víamos pela televisão diante dos nossos olhos o nosso futuro e continuámos adormecidos a agir como se não fosse nada connosco, confiando que o vírus nada iria querer de nós por sermos um pequeno país esquecido no extremo da europa. E ninguém foi capaz de dizer isso a um vírus com manifesta atitude predatória!
Somos um povo habituado a ver as coisas a acontecerem à distância confiando que, oxalá, não chegue até nós e, neste caso, mais uma vez assim aconteceu, visível no comportamento das pessoas que se manteve inalterável. Acontece que, com sinais inequívocos que há muito se evidenciavam nos milhares de seres humanos a perecerem na China e noutros países do oriente, a alastrar-se para a europa, e o nosso povo – no seu infinito provincianismo e imaturidade – andou durante semanas a sentar-se no sofá a comentar o caso do português infetado num navio de cruzeiro no outro lado do mundo, incapazes de se consciencializar do que estava para acontecer.
Os nossos governantes, longe de estarem isentos de responsabilidades, para um vírus que andava a matar há 3 meses (desde dezembro) não foi capaz de criar atempadamente um plano de contingência que envolvesse medidas de prevenção, de controlo de fronteiras e de procedimentos que chegassem às escolas antes de as terem fechado (tardiamente), nem a outros locais, nem o apetrechamento com desinfetantes, máscaras, luvas e de ventiladores para os hospitais.
Escavei no passado e redescobri o que já todos sabemos: somos um povo ímpar; não somos organizados nem precavidos; por qualquer razão somos os peritos do remedeio e do desenrascanço, pelo que, não é surpreendente o que se assistiu até aqui.Ninguém, em delírio, poderá dizer que nada fazia prever o que por aí vinha.
Mais um pormenor. A isto soma-se um risco económico difícil de calcular por economistas que garantem vir a refletir-se numa crise financeira pior do que a de 2008.
“Num gesto inédito a comissão europeia retira limitação de 3% de défice orçamental dos estados”. Equaciona igualmente a compra de dívida soberana para evitar que países como o nosso entrem em bancarrota e tenham de pedir ajuda internacional, como aconteceu em 2011.
“Carlos Costa [governador do Banco de Portugal] defende emissão de eurobonds para enfrentar crise europeia”. E os “Economistas admitem queda até 8,5% do PIB”. Toda esta situação é demasiado séria para incompetência, negligência e experimentalismos.
Sendo o país do mundo com maior percentagem de população emigrada, tendo vindo a verificar-se o regresso de muitos portugueses por falta de emprego devido à pandemia, os quais, na sua maioria, não foram examinados pelas entidades de saúde, isso deve inspirar-nos preocupações acrescidas.
E os números têm essa coisa terrível – não mentem.
Segundo os últimos dados, devido ao COVID-19, em 24 horas lamentam-se:
627 mortes em Itália num número superior a 4.000 e com uma taxa de infeção que poderá de 5 a 10 vezes superior ao oficial se se tivessem feito mais testes;
em Espanha com cerca de 300 falecimentos e mais de 4.000 novos casos nas últimas 24 horas;
e o nosso país registou mais 260 casos acrescidos de 6 óbitos.
Ora, vejamos, perante toda esta situação, continuam a considerar que o mais importante é a avaliação dos alunos?
Perdoem-me, mas não me consigo comover com alguma lacuna que venha a haver nas aprendizagens dos alunos e estar mais preocupado com a sua saúde e a de todos nós.
E não faltam coisas que me preocupam muito mais, como os excessivos comportamentos de risco para poderem ser aceitáveis: a falta de hábitos de higiene do nosso povo; a falta de civismo, de sentido coletivo e de cidadania; os ajuntamentos nas praias, pubs e noutros locais de portugueses mandados para casa para cumprir isolamento quando a morte inundava a europa, estava a invadir Espanha e o vírus já morava entre nós; os porcos que cospem, atiram lixo e beatas para o chão, ou deitam as luvas descartáveis para a rua contribuindo para a propagação do vírus; as pessoas que não cumprem a distância de segurança, os procedimentos de higiene e higienização.
As pessoas estão angustiadas com a falta de máscaras, mas o meu desassossego está mais voltado para a máscara de indiferença perante a situação que muitos ainda têm colocada na cara, revelador da nossa ignorância coletiva.
Haverá, pois, algo mais assustador do que a irresponsabilidade do homem?
E diante de tudo isto, não é aceitável haver colegas de profissão a afirmarem publicamente que não estamos a trabalhar, denotando uma falta de bom-senso que poderá prejudicar toda uma classe que – ao contrário dessas insinuações – se está a desdobrar para que o sistema ainda vá funcionando e os alunos não saiam demasiado prejudicados.
Farão, também, parte do conjunto de população que acha que os professores só trabalham na escola e nada fazem em casa?!
Neste momento estamos a trabalhar tanto como se estivéssemos na escola. Todo o dia a elaborar fichas, materiais didáticos, criar procedimentos para, à distância, chegar até aos alunos, articular com os colegas, e começamos já a acusar dores nas costas pela exigência deste trabalho que está longe de significar estarmos de férias, pelo que não se precipitem a dizer despautérios antes de abrirem a boca.
Mas ainda não há verdadeira consciência de que este inimigo invisível não escolhe as suas vítimas; de que ninguém está a salvo, independentemente da sua condição económica ou social, da sua cor de pele ou género, da sua raça, etnia, idade ou religião; de que não há nenhum sítio seguro se não cumprirmos as normas de higiene e segurança. Há muito que esta deixou de ser uma situação do “eu” para ser uma situação do “eu e os outros”. Cada um de nós deixou de ser responsável apenas pela sua vida, mas por todas as outras vidas.
Inquieta-me muito mais toda esta falta de consciência que coloca em risco a vida de todos nós. A negligência e a irresponsabilidade tão habituais na natureza humana dos latinos deixaram de ser apenas um incómodo, pois agora implicam doença e morte. Ninguém está dispensado desta guerra que só poderá ser vencida se formos mais inteligentes do que este inimigo silencioso. Nada é insignificante num tempo em que tudo importa.
A luta pela sobrevivência está aí e pode tocar a qualquer um de nós ou daqueles que nos são próximos. Na China as pessoas cumprem e estão a conseguir erradicar a doença. Por cá, isso só será possível se deixarmos de pensar tanto nos nossos umbigos e começarmos a atuar como um formigueiro, como um coletivo.
A irresponsabilidade é uma arma entre nós que respira morte, pelo que, cabe a todos e a cada um de nós o dever de cumprir e fazer cumprir o plano nacional de contingência.
Se pudéssemos não deixar entrar o vírus pelo simples ato de fecharmos a porta, era bem mais simples. Mas, a verdade é que irá requerer muito mais de nós.
Precisamente por isto e muito mais, sinto-me algo incomodado pela enorme preocupação de muitos professores pelo facto de provavelmente as escolas não abrirem no 3º período. Querem o quê? Que no pico da pandemia – momento em que é expectável que o número de infetados e de mortes esteja no auge – mandar as crianças para a escola e irmos felizes e inconscientes conviver em harmonia colocando ainda mais em risco a vida de toda a gente?
Então, façam o favor de cumprir as indicações e conselhos das autoridades e o isolamento social contribuindo assim, não só para a preservação da vossa própria saúde, mas também para a salvaguarda da saúde de todos nós.
A nós, professores, cumpre continuarmos a trabalhar à distância com os nossos alunos, mas, sobretudo, sensibilizar pais e alunos para não saírem de casa desnecessariamente e cumprirem as medidas de prevenção do coronavírus.
Não sei como dizer isto de outra forma, mas ninguém está de fora, pois todos nós nos tornámos parte do acontecimento, parte do problema, mas também parte da solução.
Aos nossos concidadãos ligados à saúde uma palavra de apreço pelo risco que estão a correr para salvar vidas na luta contra a pandemia e a todos os que diariamente, nos mais diversificados locais, estão a contribuir para o bem comum.
Se há coisa que este vírus nos ensinou foi que a nossa vida é precária e não devemos dar nada por garantido, pelo que todos vamos aprender a dar mais valor à vida e aos direitos conquistados, nem que sejam os mais simples, como poder sair à rua e andarmos em liberdade sem constrangimentos.
Eu sei que tudo isto é assustador, mas seria impossível terminar sem deixar uma palavra de esperança. Se outros estão a conseguir vencer este inimigo terrível, também está ao nosso alcance fazermos com que isso aconteça no nosso seio. Numa situação em que tudo é incomum, que em comum todo e cada um de nós tenhamos a vontade e a atitude de fazer com que a superação desta situação nos espreite de um futuro muito próximo.
Juntos vamos conseguir!
Desejo a continuação do bom trabalho a todos e, em particular, aos colegas de profissão.
Carlos Santos