Porque é que eles continuam a vir à escola?

 

Apesar do confinamento geral e por causa do confinamento geral, a minha escola continua aberta. Trabalhando num estabelecimento de ensino dedicado única e exclusivamente a alunos excluídos da Escola Secundária, a nossa população estudantil é composta a 100% por alunos de risco.

Alunos de risco? Alunos que apresentam um risco para quem com eles trabalha?

Não, antes fosse e deixem-me reformular: alunos em risco. Em risco de chegar a casa e não encontrar um pai ou mãe para lhes perguntar se está tudo bem, como foi o dia, se têm fome, claro que têm fome, as crianças têm sempre fome ainda para mais quando chegam à escola no dia seguinte para finalmente comer. Alunos em risco de não querer voltar para uma casa cheia de irmãos, irmãs, primos, tios e avós a dormirem aos quatro e cinco na mesma cama entre pais e filhos, avós e netos, isto quando há uma cama, isto quando não se dorme na sala, num colchão quando há um colchão ou então directamente no chão. Em risco de não poder voltar para casa quando a mãe não tem trabalho e a mãe não tem apoios, apenas insultos, lágrimas, impotência e frustração. E três filhos com necessidades especiais, ou assim nos dizem e talvez não houvesse necessidades nem muito menos especiais quando o problema se resolve com uma fonte de rendimento e uma habitação que responda pelo nome ao invés de rótulos irresolúveis enquanto a miséria durar. Os nossos alunos não podem nem querem voltar para casa, mas também não podem ficar na rua. Entre o frio, o vento e a chuva das noites de Inverno, os bairros de Londres estão repletos de gangues alicerçados na ausência de futuro para milhares de jovens. Com o fim progressivo dos apoios governamentais, Centros Comunitários não tiveram outra solução senão fechar portas, já não há incentivos para estágios em empresas e menos dinheiro para as escolas significa menos inclusão, menos sentido, menos educação e interesse, menos amanhã, criando uma legião de meninos perdidos e, por conseguinte, presas fáceis para o dinheiro fácil num país onde milhares de crianças, da Primária ao Secundário, vivem diariamente como correios de droga. Não vou continuar. Se continuasse, teria de falar dos casos de violação de menores, prostituição infantil, agressões de pais a filhos e de filhos a pais, famílias e vidas desmembradas e sem solução à vista quando a solução é a separação para bem de todos.

E porque os exemplos acima falam por si, acabo por responder à questão inicial: porque é que eles continuam a vir à escola? Porque sim, porque apesar de chegarem tarde, chegam à hora de almoço e mesmo a tempo. Porque à entrada têm sempre um sorriso. Porque entre professores e auxiliares há sempre uma palavra de encorajamento, uma celebração, a alegria, alguém com quem falar, tempo e espaço para brincar mas também tempo e espaço para aprender ao ritmo de cada um. E a escola inteira é pautada pelo ritmo de cada um, do Inglês à Educação Física, da Matemática à Culinária, passando pela Educação Cívica, Ciências, Arte, cursos vocacionais, visitas a politécnicos e empresas, dando a cada aluno e aluna tempo para compreender uma outra realidade onde ter uma vida é possível. Por isso é que eles continuam a vir à escola todos os dias. Apesar do confinamento e por causa do confinamento. E consigo, também nós vimos todos os dias, do Director aos professores, dos auxiliares à secretaria. Porque não basta dizer termos a paixão pela educação, é preciso viver a educação e, tal como dizia Neruda, viver para contá-la.

 

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2 comentários

    • João on 18 de Janeiro de 2021 at 17:36
    • Responder

    Quando as crianças estão em risco deve ser feita denúncia à CPCJ. E não tentar resolver o problema na escola, colocando a saúde pública de toda a comunidade em risco. Nota-se neste texto muita negligência de quem quer fazer… fazendo errado.

    • Falcão on 18 de Janeiro de 2021 at 20:51
    • Responder

    Por acaso até discordo do João neste caso concreto. Acho que estas escolas e estes professores e assistentes são uns heróis e fazem mesmo a diferença na vida destes alunos. Merecem todos os elogios, respeito e, sobretudo, apoios e meios para poderem fazer melhor.
    A minha vénia!
    Bem hajam!

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