Existe um tipo de linguagem a que chamo o Dgestês.
Há vários séculos havia uns textos jurídicos e normativos chamados Digesto.
Foram essenciais na história do Direito e eram coisa mais clara e objetiva.
O Dgestês é, por seu lado, uma prosa redonda, às vezes confusa, até criptica, cheia de conceitos gerais e indeterminados e muitos gerúndios e particípios (marcas de uma linguagem de passividade).
Muitas vezes, transcreve a lei, na esperança de que o ato de a exibir e fazer ler transcrita ilumine por infusão, mas sem hermenêutica, os consulentes.
O Dgestês interpreta mal e quase sempre adianta pouco a quem conheça o artigo 9º do Código Civil e tenha umas luzes dos princípios do CPA.
Há 15 anos, ganhei um processo contra o Ministério no Supremo, por causa destes tiques de escrita pouco criativa de quem faz estas “orientações”.
Da minha prática de 28 anos de servidor do Estado, dirigente em 2 ministérios, 2 cursos de administração escolar bem tirados, um CADAP e uma passagem fugaz, mas estudiosa e com sucesso escolar, de um par de anos, numa faculdade de Direito, concluí, há muito, que o Dgestês é um dos ramos mais paradoxais do chamado “Direito circulatório”.
UM EXEMPLO DE DGESTÊS NA GREVE
Nestas “orientações” não desilude as minhas expetativas.
Afirma o que já sabemos porque lemos bem a lei: NÃO PODE HAVER SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADORES EM GREVE.
A abertura dos estabelecimentos escolares
IMPLICA A SEGURANÇA E BEM ESTAR DOS ALUNOS NO INTERIOR DAS INSTALAÇÕES.
Como disse nos últimos dias: se não houver garantia de segurança e bem estar, as escolas fecham.
Porque, se um aluno rachar a cabeça e se magoar a sério, por estarem 500 alunos com 1 assistente operacional, a responsabilidade é de quem o permitiu e não acautelou os superiores interesses dos jovens e crianças.
Quem não faz greve trabalha e fica na escola (é a outra orientação….). Brilhante iluminação.
NA DGESTE NADA DE NOVO
Para mim, nada de novo, face ao que sabia e considerava e praticava antes destas orientações, há muitos anos e com muitas greves de experiência (muitas delas vividas do lado do MAI).
Fico à espera do texto de orientações em DGestês para a manifestação de 14 de Janeiro.
Tirando o tom dúbio e de meias palavras da redação, em típico estilo Dgestês, que pode servir para dar falsa energia a alguns que querem manter escolas abertas como “cercados com alunos deixados sozinhos à sua sorte”, não vejo para que servem estas orientações que não trazem novidade.
Novidade seria dizer: “abram as escolas seja como for….o governo precisa para parecer que não se passa nada”. Um jurista, como o que assina o papel, não se arriscava a tal coisa.
Mas há diretores, que preferem o Dgestês, a beber diretamente das fontes da lei, que vão achar que diz isso. Mas não diz.
Aos que pensam que diz, poupo-os ao adjetivo que me ocorre. Andamos todos com problemas para tratar e não vale a pena destratar ninguém.