Além das questões de carreira e salariais, o mal-estar docente resulta também da burocracia com que os professores se confrontam nas escolas e de ser uma profissão muito desgastante, pelo que a paz social só voltará às escolas quando os governos satisfizerem de forma plena e completa as reivindicações de todo o corpo docente
Burocracia nas escolas também ajudou ao “tsunânime” dos professores
A perspetiva de uma parte dos professores deixar de ser recrutada por meio de concursos a nível central e poder vir a ser selecionada e contratada através de concursos locais (não autárquicos, mas por um conselho local de diretores de agrupamentos escolares) constituiu a gota de água que, qual tsunami, gerou a revolta docente a que se tem assistido por todo o país.
De facto, o profundo descontentamento de que os professores ora dão mostras é devido a questões de carreira “stricto sensu” (a não recuperação da totalidade do tempo de serviço congelado na época da troika, mas não só; a existência de quotas nas avaliação de desempenho; a necessidade de obtenção de vaga para acesso ao 5.º e ao 7.º escalões; o aumento da idade para a aposentação, mesmo para quem já tenha mais de 40 anos de serviço docente), mas também devido a um conjunto de situações que de forma larvar têm vindo a contribuir para agravar o mal-estar docente.
No âmbito desse conjunto de situações, queixam-se os professores da excessiva carga burocrática com que são confrontados nas escolas. Também António Sampaio da Nóvoa, anteriormente embaixador de Portugal na UNESCO, com o prestígio académico que lhe é reconhecido, em artigo no “Público”, dia 6 do corrente, no qual procede a uma avaliação, v.g., dos “últimos sete anos” de João Costa no ministério, e no qual reduz a política educativa deste a um conjunto de sete “nadas”, coloca a seguinte questão: “Disposições para facilitar e desburocratizar o dia a dia dos professores?”. À qual responde: “Nada”!
Em artigo de resposta ao reitor honorário da universidade de Lisboa (no mesmo jornal, dia 10) sobre esta matéria, João Costa limita-se a responder que “está em curso (…) um levantamento da atividade burocrática dos professores, com vista à sua redução”… Até pode estar em curso há vários anos, pois há vários anos que nós e outros sindicatos reivindicamos uma solução para este desiderato – o problema é que os anos passam e ela teima em não chegar.
Sistematicamente, os professores são obrigados à elaboração e preenchimento de múltiplas grelhas, a que se junta a resposta a inquéritos e plataformas digitais, quantas vezes fora da escola e em prejuízo do tempo que deveria ser para usufruto pessoal ou familiar.
Não raro são levados a frequentar e a investir em ações de formação contínua para além do seu horário de trabalho, situação atípica em outras profissões especializadas e com idênticos graus académicos.
Por vezes, os professores são convocados pelos dirigentes escolares para um número excessivo e demorado de reuniões, das quais importa elaborar atas quase sempre longas, não vá algum órgão da tutela fazer esta e mais aquela exigência. Outras vezes, são levados a preencher toda uma série de papelada cujo préstimo se desconhece, mas que retira tempo e disponibilidade intelectual para aquilo que deve ser a função nobre do professor: o ensino, o ato pedagógico, a interação com os respetivos alunos. Tarefa assaz difícil quando um único professor tem centenas de alunos.
Acresce a elaboração e preenchimento de múltiplas grelhas, a que se junta a resposta a inquéritos e a submissão daquilo que deveria ser a sua autonomia pedagógica a plataformas digitais, no tempo que poderia ser aproveitado para a sua valorização cultural “lato senso”.
E como se tudo isto não fosse já de mais, as escolas têm vindo a ser confrontadas com sucessivas alterações curriculares de âmbito nacional, mas introduzidas de forma mais ou menos dissimulada, pois, ao contrário do que seria normal, nem todasforam plasmadas em letra de lei, facto que facilitaria o seu escrutínio pela cidadania e pelo Parlamento. Redundaram quase sempre em criação de nomenclatura e na imposição de novas siglas pedagógicas, perfis, com carradas de textos/materiais afinal normativos que só uma boa preparação em hermenêutica por parte do corpo docente permite que se tornem inteligíveis.
No fundo, a sobrecarga burocrática emana de uma pré-compreensão da tutela sobre os professores que os obriga a proceder a registos despiciendos e a enviar uma multiplicidade de documentos redundantes para os órgãos das escolas e agrupamentos, desviando os professores do foco nos alunos.
A par do sobretrabalho, da desvalorização da profissão e da carreira, do desrespeito pelos professores, é também toda esta parafernália burocrática, agravada pela crescente indisciplina discente, que contribui para o “burnout” de muitos docentes, principalmente os mais velhos, mas não só, e que tem dissuadido os jovens universitários de se matricularem nos mestrados em ensino, provocando a atual enorme falta de candidatos com qualificação profissional para o ingresso na carreira docente.
Mais do que pedir pareceres à PGR, indiscutivelmente legítimos e porventura necessários, sobre a onda de contestação que se instalou no seio da profissão docente, importa que os governantes atentem que ela só é suscetível de ser estancada com o seu pleno e completo reconhecimento material e simbólico.
19 comentários
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Toda a gente se esquece da indisciplina que reina na salas de aula! Que tem que ser resolvida para bem da saúde fisica e psicológica dos professores! Já para não falar da falta de respeito da maioria dos encarregados de educação pelos professores.
Apoiado!!!
Muito bem!
E não devemos esquecer o Dominguitos Fernanditos, um abécula pedante, um artista patife, um criminoso pedagógico, o maíta, que conseguiu levar na boa o Sonso e este pôs em prática o crime.
E queremos ser nós, os profissionais da educação, a eleger a direção das escolas, pois somos nós que pisamos diariamente o chão das escolas e das salas de aula!
Afinal esses diretores são elegidos por quem?!!!
Pelo que me foi dado a saber, os diretores são eleitos numa primeira fase pelos profs da escola, após se terem candidatado ao cargo.
Ao fim de 4 anos, são reconduzidos pelo conselho de professores do pedagógico, geral, etc e pelo vereador da camara e presidente da junta, que fazem parte do conselho geral. No entanto, tb já vi recentemente uma Diretora cessante para fazer carreira numa Câmara, ser substituída por um amigo….
Pelo que penso que as reconducoes deveriam ser aprovadas por todos os profs para ser um processo mais democrático e transparente.
O Diretor é eleito pelo Conselho Geral que, por sua vez, é discretamente escolhido pelo Diretor…
E pelas Câmeras Municipais
Apoiado
(…) são eleitos.
Muito bem! A indisciplina é um dos principais responsáveis pelo nosso desgaste e pouco ou nada se diz sobre isto.
Há salas aulas que mais parecem um manicómio, é só gritaria a ecoar pelos corredores da escola, coisa de doidos mesmo!
https://duilios.wordpress.com/2023/01/17/do-jogo-do-empata-ate-ao-jogo-do-vai-ou-racha/
A questão da formação que nos obrigam a fazer em horário pós-laboral é mais um abuso a que estamos sujeitos se quisermos progredir na mísera carreira que nos resta. Mais grave é que este abuso conta com a conivência dos nossos sindicatos que usam esta fonte para se financiarem
Se a Tutela ou a Direção de uma escola ou agrupamento entende que é pertinente uma determinada formação, então que a financie e que a mesma decorra no nosso horário de trabalho. Dispor do trabalhador (professor) fora do seu horário de trabalho é mais uma barbaridade a que nos sujeitam.
Até quando?
E a Direção inscrever os docentes em formação?
Formação de projetos/ formações…devem ser do ME e dizem que tem de haver 2 docentes do grupo disciplinar X …sobre aprendizagens essenciais(???) e outras tretas….
Hoje soube desta novidade!
A minha resposta foi …eu não ía, no fim do dia e fora do meu horário!!!!!!!!!
repito o que já disse no Blog do Paulo Guinote:
Where’s Marcelo??!!
Já alguém reparou que o Presidente da República simplesmente ‘desaparece’ quando o assunto é professores?
Um homem que fala pelos cotovelos de tudo e de todos?
Da chuva, do futebol, do ténis, etc, etc
Mas que nada tem a dizer sobre uma classe ( não foram 300 não…!) que encheu a Av. da Liberdade há dois dias??!!
Onde andais Marcelo??!!
Eis a resposta: esse senhor anda a papaguear sobre tudo o que for insignificante, como, aliás, é seu apanágio.
https://duilios.wordpress.com/2023/01/17/andre-pestana-em-portimao/
Se é bem certo que a burocracia farsante, que agride diária e inutilmente os docentes é uma consequência das medidas que a Tutela lhes impõe, também é certo que as Direções, os Conselhos Pedagógicos e os Coordenadores de Departamento devem tirar as devidas ilações da presente e justíssima revolta perante este sistema de trabalho “anti-simplex”.
A redundância e a pormenorização surge, muitas vezes, no seio do próprio corpo docente, fruto dos “medos” e da facilidade com que todos se arvoram em tipógrafos dos tempos modernos, se comparados com os anos 80 e início dos 90, em que “não havia” computadores nas mãos dos professores mas apenas livros de atas e impressos da Imprensa Nacional Casa da Moeda. Nesses tempos, para além de algum normal trabalho individual (testes, preparação de aulas…), voltava-se para casa com o sentimento de dever comprido em relação à jornada diária de trabalho. Hoje, principalmente enquanto Diretor de Turma, é-se escravo burocrático-digital no próprio lar. Foi para isto que serviu a autonomia da treta das escolas e a inovadora digitalização do ensino?
Em resumo: é necessário começar a dizer não ou, no mínimo, a evidenciar forte resistência a determinados “mais papistas que o próprio Papa” com que se vive diariamente nas escolas e a respeitar-se mais a nossa própria humanidade enquanto indivíduos. Ser professor NÃO É ser escriturário, caso contrário, dever-se-ia receber dois vencimentos em vez de um!
È isso mesmo!… Ser DT não é um cargo, mas sim uma carga de trabalhos! Não há noites nem fins de semana em que não se tenha que trabalhar (no geral, Testes, fichas, aulas, materiais…) mas sem pre para a Dt: faltas, comunicações aos EE… (então na pandemia foi um pandemónio!…).
E como é possível eu ter só 2h para o cargo, quando colegas vindos de outras escolas dizem ter 4? Então a lei não é igual para todas a escolas? !Mas ninguém se atreve a perguntar!…sabem porquê!…
Em algumas escolas são 4 H , 2 tempos no horário letivo e 2 no não letivo.
Noutras são 3 tempos no não letivo, com um total de 9 turmas= 18 Horas letivas
Há uma igualdade muito grande neste ME e em algumas direções de Agrupamentos – os créditos são para os amigos que só têm 3 turmas.