Professores, queremos regressar ao ensino presencial?
A partir da segunda metade do mês de fevereiro, começámos a ler e a ouvir mais sobre o possível regresso ao ensino presencial e a consequente reabertura das escolas. Uns contra outros a favor. O tema é de facto fraturante e tem sido difícil reunir consenso na forma de atuar em relação às escolas. No início desta semana, a comunicação social deu conta de uma carta aberta com mais de cem subscritores iniciais, com o intuito de fazer com que, quem de direito, priorize a reabertura das escolas e que seja por elas que se comece a desconfinar. Dizem os subscritores que é possível conciliar o direito à educação não descurando a saúde pública. Concordo, mas…
Na carta são expostos alguns argumentos que os autores consideram importantes para explicar que as escolas podem e devem ser reabertas. E consigo estar de acordo com alguns, como o que diz que “O sucesso de uma política não se mede apenas contando o número de infeções hoje, mas levando em consideração muitos outros fatores socioeconómicos e psicológicos, mas também consequências de saúde, física e mental, no presente e no futuro”. Não posso concordar com outros que demonstram sobretudo desconhecimento de causa, ou seja, é proferido por quem terá pouca noção da realidade global das escolas do país.
Logo no segundo ponto surge o seguinte: “Nas escolas são aplicados rígidos protocolos sanitários, que garantem o uso correto dos dispositivos de segurança individuais durante grande parte do dia e que evitam a formação de agrupamentos nesses espaços (ao contrário do que acontecia nas famílias, por exemplo).” Obviamente que quem por lá anda saberá que os rígidos protocolos sanitários esbarraram muitas vezes na falta de espaço físico num dia de chuva, por exemplo. Na literatura dos planos de contingência é provável que se possa ler e idealizar os rígidos, mas a realidade esteve distante.
De seguida, referem os autores que: “Durante o primeiro período, as medidas sanitárias nas escolas impediriam numerosos casos e clusters (só houve 800 turmas que tiveram que fechar em todo o país neste período).” Isto dito desta forma até pode iludir. Mas se referirmos que além dos números oficiais, que só foram divulgados pelo Ministério da Educação aqui há dias e só depois de serem intimados pelo tribunal, indicarem que mais de metade das escolas apresentaram casos de infeção, acrescentarmos que durante todo o primeiro período houve uma verdadeira imposição por parte de muitas direções de agrupamento, informal é certo, da lei da rolha, chegamos à conclusão que o cenário não é tão rosa como querem fazer parecer.
Sobre a correlação que as escolas abertas têm com o aumento de casos, parece-me imperativo que se esclareça que o que provoca esse aumento são as movimentações. Estima-se que será um quarto da população em movimento, diariamente, só pelo facto de as escolas estarem abertas. Claro que terá implicações!
O argumento de que há outras medidas igualmente eficazes ao fecho das escolas pode até ser verdadeiro. Mas relembro que foi esse argumento que manteve as escolas abertas até ao final de janeiro com os resultados que são conhecidos. Rastrear, dizem. Rastrear contacto funciona na Alemanha. Estive mais de 30 minutos numa sala com um caso positivo, com máscara, mas não foi sequer considerado para rastreio. Entende-se por que razão este argumento não serve.
Outros pontos com os quais concordo são aqueles que se referem à proteção da saúde mental dos mais novos, ao desenvolvimento harmonioso da criança/jovem, as desigualdades de acesso aos meios digitais, à eficácia do ensino à distância, às condições que a generalidade dos portugueses tem nas habitações. Sobre este assunto é importante que se esclareça cabalmente que não é pelo facto de as escolas abrirem que esses problemas desaparecem. Eles lá continuam, deixam é de ser notados e com isso deixa de haver necessidade de os resolver. Será? Não me recordo de ter visto nenhuma carta aberta para se acabar com a pobreza… Talvez tenha estado desatento.
Na segunda parte da carta, os autores partem para as propostas que, se cumpridas, poderão traduzir-se na reabertura das escolas.
Entre o conjunto de propostas apresentadas, poderemos dizer que temos dois grupos. Um em que as propostas não sendo novas são de elementar bom senso. Como por exemplo: manter e reforçar as medidas existentes; tornar a máscara cirúrgica obrigatória desde os seis anos; o uso de meios de transporte alternativos; o rastreio periódico da infeção em amostras da população escolar; incluir professores e auxiliares de ação educativa nos grupos prioritários de vacinação; professores de alto risco sejam substituídos por outros ou deem aulas remotamente.
O outro conjunto de propostas parece dependente de algo sobrenatural se não vejamos: espaço específico em cada escola ou agrupamento de escolas para aplicar testes rápidos de antigénio e iniciar os procedimentos de isolamento e quarentena – como se desde de novembro não tivessem sido disponibilizados 500 mil testes para se fazer precisamente isso. Só que não nada foi feito.
Outro: Fazer a vigilância de contágios nas escolas, publicitando regularmente a sua frequência e tomar atitudes com base nesses e outros dados – sobre o publicitando, acho que já disse tudo.
Em jeito de conclusão, referem os autores, que têm “a convicção de que essas medidas estão ao alcance do Governo e que o seu custo é infinitamente menor que o retorno no curto, médio, e, principalmente, no longo prazo”. Eu acrescento, essas medidas e muitas outras relativas à Educação e as escolas estarão bem ao alcance do Governo. Mas também sabemos que enquanto não houver vontade política nenhuma delas será cumprida.
Recordo que muitas vozes houve, daqueles que estão no terreno, a sugerir, por diversas vezes, variadíssimas medidas que poderiam ter mitigado muitos destes problemas. Desdobramento de turmas, regressos faseados, ensino à distância ou misto para 3.º ciclos e secundário entre outros, que careciam de vontade governativa e investimento. O mais fácil pois claro é reagir esperando sempre que nem isso seja preciso fazer!