A manete das mudanças na educação não parece querer sair do ponto morto. O problema não está na caixa. Está fora da caixa. Pode ter o motor engripado. Não se sabe ainda muito bem o que é mas os mecânicos da mudança escolar já têm o diagnóstico preliminar. Parece que o problema está no paradigma. Aquilo vai ter de levar uma peça nova. E não é barata.
Educação em Portugal – uma declaração amigável
A obra é avultada. O orçamento não é meigo e vai obrigar a bastante tempo de imobilização da viatura, o que nunca é bom. O pior é que não há direito a veículo de substituição. A apólice não prevê. O seguro é daqueles baratinhos. Não abrange cobertura a terceiros. Os mecânicos, esfregando as mãos em desperdício, também já nos avisaram que isto não vai lá com peças da concorrência. Têm de ser de origem. De marca. É melhor não arriscar.
Muitas vezes o barato sai caro. Se não gastarmos agora algum, depois é que vão ser elas. Vai-nos sair da carteira. Desta vez, vai ser mesmo necessário investir. Se o não fizermos hoje, imediatamente, pode resultar em custos de reparação muito mais elevados, amanhã.
Sempre em frente de marcha atrás
Aliás, nota-se no roncar. Quando se mete a primeira, percebe-se logo que o motor sacode todo. Curiosamente, funciona bem quando se mete a marcha atrás. Há quem ache que é assim que os problemas se resolvem. Acham que, vistas as coisas, o melhor é seguir em frente de marcha atrás. Que também nos leva lá. O problema é que conduzir com uma mão, e sempre a olhar por cima do ombro é muito arriscado. Ainda batemos de frente contra uma parede qualquer. Já outros o tentaram. É melhor não. Já experimentámos tudo e as mudanças não entram. Já mandámos vir peças do estrangeiro e não resultou. Pusemos vários condutores ao volante e não mudou nada. Mudámos de oficina e de mecânico várias vezes, mas nada feito. Não anda para a frente, pronto.
Aqui há uns anos esteve envolvido num grave acidente muito sério. Bateram-lhe até com bastante força. Bateram e fugiram. Resignados e indignados, lá o levámos ao bate-chapas, levou betume, foi à pintura, saiu polidinho e lavadinho mas a verdade é que nunca mais ficou na mesma. Perdeu força. Perdeu garra. Não é o mesmo. Há quem diga que é da cabeça do motor. Mas a realidade é que isto parece mais uma panne generalizada.
Empanou, foi isso. Aliás, não é só o motor que está comprometido. O sistema eléctrico também apresenta falhas. Não passa sinal. Está sem energia. Parece que anda tudo de fusíveis queimados. Isto vai ter de se desmontar o motor, bloco e cabeça, mudar o óleo porque está velho e queimado, mudar os filtros todos; do ar, principalmente que está visivelmente saturado, estofos gastos, pneus carecas. É preciso mudar muita coisa.
Debaixo do capô
Mas, afinal, o que é que se percebe quando se abre o capô? Percebe-se, logo num primeiríssimo olhar, que se fala muito de mudar isto e aquilo e depois, vai-se a ver e ninguém muda verdadeiramente nada. Por todo lado só se vêem peças velhas a precisar de reforma, as borrachas todas gastas e as juntas secas. Muita ferrugem e corrosão nas tubagens que ligam umas coisas às outras. E isto já se sabe, com a idade, começa a meter água. Como há muito atrito dentro do motor, as peças enferrujadas podem triturar e causar danos no funcionamento geral da máquina. Há muito motor partido por causa disso. Entra-se rapidamente em sobreaquecimento. É preciso muito lubrificante para que as peças do motor não aqueçam. É preciso que se mantenham frias, pois há muito atrito interno.
Falta de peças
Para cúmulo, percebe-se que há mesmo falta de peças no mercado. Se houvesse, podíamos mandar as peças velhas para uma muito merecida reforma e pôr novas. Mas não há. Já não se fazem. Deve ser por causa das guerras lá fora. O mercado está em convulsão e vamos ter de esperar anos até que a indústria produza peças de substituição em quantidade suficiente.
O que é lamentável é que não substituímos nada a tempo e depois fica tudo à espera que as peças velhas funcionem como se fossem novas. É inútil. Não é assim que a coisa funciona. Podemos recauchutar um pneu vezes sem conta mas nunca vai ter a mesma aderência e estabilidade de um pneu novo. Isto não há nada como cuidar bem das peças para que durem o mais possível. Acontece que aqui houve muita negligência do proprietário do veículo. Deixou correr tudo desmazeladamente e desprezou a saúde do motor. As peças lá vão aguentando enquanto podem. Mas há um limite.
O dono achou que estas coisas se cuidam a si mesmas. Não cuidam. Tudo na vida precisa de atenção e de estima. É simples: se não estimamos a máquina, perdemo-la.
Manipular a quilometragem
A verdadeira mudança reside aqui: estimar a máquina. Mimá-la. Polir por fora e olear por dentro. Garantir que todas as peças estão em condições. E quando não estão, investir na sua reparação ou na sua substituição. A tempo e horas. Programar as revisões e não faltar a nenhuma inspecção periódica. Multar as infracções, pois claro, porque não pode pagar o justo pelo pecador.
Aquilo que não pode ser é fingir que o motor tem uma quilometragem menor do que aquela que tem. Mexer no conta-quilómetros e reduzir-lhe a quilometragem para dar a ideia de que não andou tanto quanto andou, isso é que não. A quilometragem do odómetro pode ser manipulada e adulterada no mostrador, mas qualquer concessionário oficial detecta facilmente a patranha. Afinal, qualquer mau estacionamento dá direito a multa. A verdade não é sucata para abate.
Novos e velhos motores
Agora com os novos motores eléctricos e a hidrogénio percebe-se que a coisa vai levar uma grande volta. É inevitável. Andam sem ruído e poluem pouquíssimo. Pelo menos assim argumentam. Mas também há quem diga que as baterias custam caríssimo e que em termos ambientais não trazem assim grande melhoria. Mas estão na moda e vieram para ficar. O futuro pertence-lhes. É o tal do paradigma.
Resta aos calhambeques tornarem-se artigos de colecção. Peças de museu. Mas teremos sempre aquele prazer de os rever, nostalgicamente, e de os escutar. Sentir os assentos de pele verdadeira. De rodar a chave de um motor com muita rodagem e muitos cavalos de potência e eriçar a pele com aquele bramido sólido, mecânico, de quem soube sempre levar alguém de um lugar para outro, com segurança, com vagar e com muita, muita classe.