12 de Novembro de 2023 archive

Eu já sou do quadro – João André Costa

 

 

Cabotagem é o termo quando o desemprego à vista findo Agosto dita a sina de quem ensina: as filas intermináveis na Segurança Social às 6 da manhã mesmo a tempo de chegar às filas intermináveis do Centro de Emprego do lado de lá do rio e todos os anos a mesma história e todos os anos o subsídio.
Conquanto se tenha trabalhado no ano anterior mais os respectivos descontos.
Acontecera ao Luís e à Rita nesse ano transacto a ausência de emprego, nenhuma gravidez para substituir, nenhum horário incompleto em Freixo de Espada à Cinta e fosse a primeira vez e talvez o alento fosse outro, talvez a esperança fosse outra.
Mas não era a primeira vez e o episódio era o mesmo de dois anos antes e ora trabalhas por uns meses e és o colega de passagem ou então nem isso e o nem isso é um ano inteiro e a família já não lhes pode valer outra vez.
Porque os anos passam e os irmãos e irmas dos dois lados enchem-se de filhos e as crianças vêm sempre primeiro.
Tivessem tido filhos e agora é tarde na ausência ou quando muito o sonho distante de um par de filhos sempre fora dos planos por não haver nem planos nem futuro e se calhar é isso, se calhar o melhor é não pensar, fazer filhos é o mais fácil e o pior é depois.
Porque o Luís e a Rita pensam e o mal é esse. São os dois professores e habituados ao contacto diário, próximo e constante com crianças e o mal é esse.
Nem crianças, nem casa ou com a casa às costas, e sem futuro.
E portanto nesse Verão distante deambulam o Luís e a Rita enquanto a vida lhes passa ao lado na berma da rua e sentados no passeio assistem ao espectáculo que não é o deles de ver o mundo girar um dia depois do outro.
Têm-se um ao outro, namoro da Faculdade e o amor jovem e intrépido é audaz e persistente. Não imortal, entenda-se, mas para já é como se fosse e o Luís e a Rita têm-se um ao outro.
E foi nessas deambulações deste Verão distante o bilhete de passagem por uma mesa de esplanada a contar os trocos para um café para dois, sim, por favor, um café para dois, por acaso ao lado do Paulo, professor de Português e colega da mãe da Rita, e respectiva amantíssima esposa, igualmente professora e não sei se também colega da mãe da Rita.
O Paulo não era apenas um simples Professor de Português. Não, o Paulo é um ensaísta com artigos e livros publicados, o último deles à data “A contractura da atroada” e o Paulo ainda estivera na dúvida se atroada ou bramido e lá se ficou pela primeira cacofonia e, não obstante o pedantismo de quem assina apenas “Paul”, o Paulo era mesmo um ensaísta, ou então apenas chato, mas ensaísta.
Ainda hoje ninguém sabe quem é o “Paul”.
E apesar de tudo cordial, já estivera prometido à irmã da Rita, ainda hoje, tantos anos depois, a bendizer a sorte da promessa por cumprir, e portanto alguém bastante próximo e, dada a proximidade e as regras da boa conduta, inevitavelmente cordial.
Perguntou pelo Luís e pela Rita, como estavam, e os paizinhos, estão bem, ainda bem, e a escola, ah, pois, este ano não houve escola ou emprego e por conseguinte o enfado e o olhar de lado, uma chatice, pois é e a amantíssima mulher do Paulo e igualmente colega mas sem culpa nenhuma merecedora do castigo das conversas de circunstância (“small talk” em inglês, sempre mais simples e mais curto) interrompe e irrompe as duas mesas e sai-se com um tonitruante e peremptório “Eu já sou do quadro!” e porque a Sôtora já é do quadro e o Luís e a Rita não são do quadro acaba-se com esta conversa já a cheirar mal, o empregado de bigode em riste a pedir o dinheiro do café para dois e o Luís e a Rita em apressadas desculpas por terem de se ir embora.
Para lado nenhum, entenda-se, mas longe daqui.
Só pararam em Hamburgo onde ainda hoje os encontramos e estabelecidos ou não fossem os dois professores de Inglês-Alemão e valha-nos a educação.
Já não voltam, em Portugal os professores, a escola e o ensino andam todos e tudo em polvorosa, anos congelados, ausência de progressão na carreira e agora há uns sindicatos novos ou assim lhes dizem as notícias cada vez com menos significado e nos sindicatos novos mais divisões, mais intrigas e mais quezílias a favor dos mesmos e os mesmos estão sempre por cima até se resolverem também e então acabam-se as greves e as reivindicações, e então todos os dias de trabalho perdidos, e então os protestos à chuva e ao sol, os nossos filhos também de cartazes na mão prontamente partilhados nas redes sociais e tudo em vão e quem vem a seguir que leve a bandeira porque alguém já tem poleiro e esse alguém é quem nos levou para a rua.
O mundo é dos espertos: a classe docente é sobejamente desunida e os governantes sabem-no ou não fosse a classe docente obra sua.
À distância dos olhos e dos anos do Luís e da Rita todos estes acontecimentos e reboliço são dignos de um filme italiano cheio de emoções, emoções essas inversamente proporcionais à sobriedade germânica e nas emoções a saudade de um berço longínquo mas apenas isso, um berço porque do resto o Luís e a Rita não querem saber: já são do quadro.

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84,1% dos professores não aconselham os jovens a seguir a docência, revela estudo da FNE

84,1% dos professores não aconselham os jovens a seguir a docência, revela estudo da FNE

 

Maioria dos professores inquiridos (82,9%) acredita que o reconhecimento, na sociedade portuguesa, da sua profissão é negativo. A maior parte também está descontente com o ordenado que recebe.

Sentem-se mal pagos, acreditam que a sociedade não reconhece o seu trabalho e estão descontente com o que recebem face às qualificações que têm. Esta é a opinião dos professores portugueses, segundo uma sondagem nacional realizada pela FNE, a segunda maior confederação portuguesa de sindicatos de docentes. De resto, os professores não aconselham os jovens a seguir esta carreira, mesmo num momento em que o país enfrenta uma enorme falta de profissionais na Educação.

A sondagem da FNE, liderada por Pedro Barreiros, questionou os professores sobre as perspetivas que têm sobre a carreira, o reconhecimento profissional e sobre as condições de abertura do novo ano letivo. A amostra foi de 2.138 docentes colocados nos vários níveis de ensino.

Ouça aqui: Resposta Pronta com a FNE. “Educação pode estagnar durante seis meses”, diz Pedro Barreiros

Segundo a sondagem, 97,1% dos inquiridos (no ano anterior eram 96,7%) defendem que o seu salário não está ao nível das qualificações que lhe são exigidas para o exercício profissional. Por outro lado, 84,1% não aconselhariam um jovem a ser professor. Número idêntico de professores (82,9%) consideram que o reconhecimento social da profissão docente é negativo.

A sondagem revela ainda que 91,9% dos docentes afirmam que as políticas educativas do governo são insuficientes ou muito insuficientes.

No que respeita àquilo que os professores consideram ser os problemas mais importantes a resolver, quando se fala de reivindicações sindicais, as prioridades apontadas foram: recuperação total do tempo de serviço não contabilizado (congelado e transições carreira); abolição de vagas no acesso aos 5.º e 7.º Escalões; alteração/eliminação do atual modelo de Avaliação de Desempenho Docente (ADD); valorização salarial; e estabilidade profissional, entre outras.

 

Leo o estudo da FNE aqui

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