A solução encontrada por muitas escolas, tanto públicas como privadas, foi transferir os horários semanais do ensino presencial para o online, fazendo aulas completas por videoconferência. A opção é “uma aberração” para Marco Bento , investigador da Universidade do Minho, que há seis anos coordena o projecto Supertabi, que colocou 28 turmas de escolas da Maia a trabalhar em regime de ensino híbrido. “Dá resposta às famílias, porque os filhos estão ocupados a olhar para um computador. Mas não dá resposta pedagógica. Estar cinco horas a olhar para um computador não significa que estou a aprender.”
O problema é tão mais grave quanto mais jovem é o aluno, defende António Dias de Figueiredo , professor catedrático aposentado da Universidade de Coimbra, que há mais de 40 anos trabalha sobre uso da tecnologia na educação. “A idade é uma questão incontornável. Numa criança pequena, nem o melhor ensino à distância é possível.”
Tempo de atenção limitado
Marco Bento e António Dias de Figueiredo citam o mesmo documento de recomendações que o Departamento de Educação do estado norte-americano do Illinois enviou às escolas em Março do ano passado para as ajudar na transição para o online. Com base em trabalhos de investigação anteriores, a publicação propõe um tempo “óptimo” para aulas remotas síncronas, consoante o nível de ensino.
A recomendação tem ainda em consideração a capacidade de “atenção sustentada” dos alunos, em função das respectivas idades. Os especialistas norte-americanos apontam que as crianças do 1.º e 2.º ano conseguem estar atentas entre cinco a dez minutos numa aula online. A capacidade de concentração pode chegar aos 15 minutos para alunos do 3.º ao 5.º ano. Só a partir do 6.º ano, os estudantes conseguem aguentar uma aula completa. Mas nunca uma sucessão de lições online.
Perante uma aula por videoconferência longa, as crianças “começam a ficar muito nervosas, começam a mexer-se, vão-se embora”, explica Dias de Figueiredo. “Isso obriga os pais, que muitas vezes estão a trabalhar em casa, a terem que acompanhar os filhos. É uma angústia para todos.”
O que devem, então, fazer os professores? Desde logo, trocar uma parte das aulas síncronas por trabalho assíncrono. Por exemplo, começar por falar em directo com os alunos, para “lançar desafios”, mas depois “deixá-los a trabalhar sozinhos”, expõe o especialista da Universidade de Coimbra. Duas questões são aqui essenciais. Primeiro, os docentes devem sempre dar “feedback ” aos alunos para que estes aprendam efectivamente com as tarefas. Depois, os desafios “devem começar pequeninos, para que a pessoa não se sinta logo derrotada. À medida que os for vencendo, pode ir aumentando a dificuldade.”
É preciso “adaptar a pedagogia”, reduzindo o peso da metodologia expositiva, que ainda é prevalente nas salas de aulas, por troca com pedagogias colaborativas, de projecto e de co-construção, defende José António Moreira, da Universidade Aberta.
Neuza Pedro, professora do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, acrescenta mais dois ingredientes: ser comedido no número de tecnologias mobilizadas – “Queremos que os alunos aprendam o que os currículos preconizam e não tanto a ferramenta a usar” –, que tem que passar por um trabalho colaborativo entre os professores da mesma turma. E uma comunicação “muito atenta e regular com os pais”. “Quando o ambiente escolar passa a ser vivido dentro de casa, a relação escola-família tem que ser atentamente considerada. Mesmo nos alunos mais velhos”, concretiza.
À espera de computadores
Seja na comunicação com os alunos, seja na comunicação com as famílias, a tecnologia tem um papel central. Os computadores “não vão resolver nada sozinhos”. “Mas são um requisito”, sintetiza a professora da Universidade de Lisboa. Esta é uma das incógnitas das próximas semanas. Depois de ter equipado todos os alunos carenciados do ensino secundário, no 1.º período, com 100 mil computadores, o Ministério da Educação tem mais 335 mil portáteis comprados . Os equipamentos começam a ser distribuídos até ao final de Março – ou seja, não chegam a tempo do reinício das aulas remotas.
Não se sabe ao certo quantos alunos do ensino obrigatório estão ainda “offline ”. Uma estimativa feita, no ano passado, por dois economistas para o site Iniciativa Educação apontava para cerca de 50 mil alunos do ensino básico sem acesso à Internet. As contas feitas, na mesma altura, pela Associação Nacional de Dirigentes Escolares, asseguravam que mais de 200 mil estudantes não tinham computador.
Qualquer que fosse o ponto de partida, o cenário será, neste momento, diferente. Logo na primeira vaga da pandemia, escolas, autarquias, empresas e associações ofereceram equipamentos a alunos que deles necessitavam. Muitas famílias fizeram também esse investimento nos últimos meses.
Todavia, não são só os computadores que preocupam os professores. A qualidade das ligações à Internet pode também ser uma dificuldade neste regresso ao ensino remoto. A escola de Fornos de Algodres onde Fernanda Cunha dá aulas esteve em ensino misto no início do 2.º período , face à evolução da pandemia na região. Essa experiência permitiu perceber que eram muitos os alunos a sofrer de problemas de conexão. “Há fibra óptica na sede do concelho, mas no resto do concelho não”, lembra a professora.
Fernanda Cunha dá aulas de Ciências e Biologia (8.º e 12.º anos) e foi uma das quase 3000 pessoas a receber formação para a docência digital pela Universidade Aberta, em colaboração com a Direcção-Geral da Educação. A primeira edição da formação decorreu ainda durante o primeiro confinamento (15 de Abril a 5 de Maio), e foi repetida em Junho. As duas entidades estão a estudar lançar agora uma nova edição.
Teresa Lacerda, professora de Biologia e Geologia no agrupamento de escolas de Póvoa de Lanhoso, fez a formação em Abril. Muitos dos seus colegas “iam à procura de uma receita”. “O que é que eu faço agora?”, perguntavam-se. O que encontraram foi um cardápio com “muitas metodologias de trabalho”: “Nós temos é que conhecer bem os nossos alunos e adaptar aquilo que conhecemos ao contexto que temos.”
Professores “aprenderam significativamente”
Além das formações oficiais, a resposta ao ensino à distância fez-se também pela auto-organização dos professores. O grupo “E-Learning – Apoio a professores” foi criado por um conjunto de docentes no Facebook no sábado seguinte ao anúncio do primeiro período de suspensão das aulas. No espaço de três dias, passou a reunir mais de 11 mil professores . Até ao final do ano lectivo eram já mais de 30 mil.
A iminência de uma nova suspensão das aulas fez com que o grupo tenha “voltado a crescer”. “Só na sexta-feira entraram 200 pessoas”, conta Jorge Braga, um dos professores que modera o fórum, que tem agora mais de 33 mil membros.
O ambiente “muito saudável”, muito centrado “na vontade de as pessoas aprenderem”, pode ser a chave do sucesso, acredita Braga. Do grupo do Facebook, nasceu também um canal no YouTube com vídeos tutoriais, e a associação Somos Solução, que tem organizado formações patrocinadas por empresas tecnológicas.
“O cenário não é tão assustador como possamos pensar”, avalia António Dias de Figueiredo, da Universidade de Coimbra. “Muitos milhares de professores aprenderam muito nestes meses e têm vindo a melhorar muito.”
Dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, só Marco Bento, da Universidade do Minho, não está optimista. “Não sei se aprendemos alguma coisa” desde Março. “As pessoas começam a ter alguma consciência de que realmente é preciso fazer de outras formas. O que eu acho é que não sabem como”, justifica.
A professora da Universidade de Lisboa Neuza Pedro discorda. Os professores “aprenderam significativamente” e agora “têm que rentabilizar esta aprendizagem”. Ou seja, mudar as suas práticas não só nas próximas semanas, mas também no futuro. Nesse aspecto, o facto de este regresso ao ensino remoto não ter um prazo para terminar pode ser “uma vantagem”. Pode dar ao sector da Educação “um sentido de responsabilidade”. “Investindo neste domínio, podemos estar a ganhar competências e um sistema de ensino mais inovador e responsivo para o século XXI”, acredita.
Público
2 comentários
Pelo que entendi, nesta conjuntura de confinamento, não haverá propriamente uma transição para o ensino à distância, mas sim uma suspensão das atividades letivas presenciais, sendo estas compensadas com ensino à distância de forma provisória….
Nem uma palavra sobre o RGPD, no momento em que o seu cumprimento é mais importante.