Que escola, e em que democracia, na sociedade que aí vem
É importante pensar para lá da pandemia, até porque se prevê a sobreposição do isolamento físico sobre o gregário na sociedade que aí vem; e dito assim para simplificar. E se no espaço do isolamento físico estão os que acreditam no absolutamente digital, no gregário não encontramos os que o rejeitam nem sequer os neoluditas (aqueles que se opõem às novas tecnologias e/ou às novas relações laborais que delas decorrem). É um debate centrado num “enxame digital” e nos “gigantes da web – os GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) – que nos querem controlar” (Naomi Klein) e que hierarquizam prioridades: “Ensino à distância, 5G, telemedicina, drones e comércio online generalizado”. Acima de tudo, há uma estratégia à procura da melhor posição global no “monopólio da inteligência artificial que governará o mundo” (Vladimir Putin).
A escola não escapará ao vórtice. Os milhões que se prevêem para o digital escolar em Portugal talvez melhorem o que existe, mas abrirão mais espaço ao isolamento físico que se impõe também por obra de países e organizações não democráticas.
Portanto, quando se pensa no futuro da democracia, e do bem público e comum numa sociedade mais justa e igualitária, defende-se o espaço gregário onde é imperativa a escola como instituição nuclear e estruturante dos princípios fundadores que consolidam a razão e a ciência. Digamos que é um espaço de segurança democrática dependente da nossa vontade. E como a escola portuguesa está consensualmente asfixiada num doentio emaranhado depois de quase duas décadas de políticas comuns de contracção, e radicalmente antagónicas nos conceitos, urge um reinício assente, desde logo, na simplificação organizacional.
Além da essencial redução de alunos por turma e por escola ou organização, há quem use a ideia de escola como abrangente sala de estudo (ou biblioteca: A. Nóvoa) em clima de conectivismo (tese de George Siemens que seria preciosa na pandemia) e currículo completo. Um espaço gregário onde os alunos estudam, pesquisam, socializam e aprendem, com os professores e com os pares, num ambiente em que os conteúdos digitais são construídos no interior da escola de modo a contrariar os massificados e homogeneizados.
Essa ideia de escola necessita de educar para detalhes decisivos e já testados: horários escolares sem campainhas e que instituam intervalos descentrados no tempo, e decididos pelos professores, de acordo com as exigências das diversas disciplinas e das idades dos alunos. Esses horários escolares, em escolas bem dimensionadas, permitirão diversas soluções de co-ensino. Uma vez que a combinação interdisciplinar permite todas as possibilidades, é necessário tempo e previsibilidade para a construção de projectos que considerem o perfil dos professores, as instalações e os respectivos horários; e essas variáveis não só não se definem por decreto, como oxigenam a inovação, a autonomia e a responsabilidade.
Estando aqui, importa precisar estilos de ensino sem engavetar teorias. O triângulo decisivo – alunos, professores e conhecimentos – é intemporal “como percebeu Hubert Hannoun”. A ultrapassagem dos conflitos e contradições da educação, e da tensão da relação pedagógica (professor/aluno), tem os conhecimentos como mediadores e data e reequilibra três propostas: pedocentrismo, magistercentrismo e rogerianismo.
Finalmente, se também urge, como a pandemia revelou, uma escola que não substitua a sociedade e que integre no currículo as sessões realizadas fora da escola desde que reconhecidas pelos professores, então estamos no domínio da consolidação democrática. Mas para tudo isto, é essencial que o professor volte a liderar a ideia de escola. Aliás, “um dos motivos pelos quais é tão difícil prever qual será o final da nossa história com a Inteligência Artificial prende-se com o facto de esta história não ser apenas sobre máquinas. Também é uma história sobre seres humanos.” (Kai-Fu Lee em As superpotências da inteligência artificial – a China, Silicon Valley e a nova ordem mundial).
1 comentário
Cada vez mais a escola está a transformar-se num depósito de crianças. Na generalidade dos Agrupamentos o 2º ciclo funciona de manhã, o terceiro de tarde, com as aulas a terminar às 19 h e 10m. O calendário escolar, no meu concelho, já que vamos funcionar em semestres, prevê que em Dezembro as aulas decorram até dia 22, com dois dias de interrupção em Novembro para avaliação qualitativa e descritiva. Quem aguenta ? As autarquias, ministério, Filintos e companhia estão nos gabinetes, fechados ao mundo, sem noção do que vai ser dar cinco, seis aulas durante uma manhã/tarde com uma máscara enfiada na cara-
Eu sou absolutamente a favor do ensino presencial, mas não nestas condições.