Uma urgência não justifica uma canalhice – Santana Castilho

 

Os governos do PS não foram os únicos a falhar na gestão dos professores. Mas foram os que mais mal infligiram à classe e os primeiros promotores das medidas que causaram a falta de docentes. O actual ministro age agora como se a situação o tivesse colhido de surpresa, como se não fosse por ela parcialmente responsável, há seis anos. Subliminarmente, tenta apresentá-la como algo não previsível, uma emergência a que é preciso acudir com medidas de excepção. 

Para salvar o fim de um ano marcado por milhares de alunos sem professores, João Costa anunciou que iria revogar as penalizações aplicadas a cerca de 5 mil docentes, que recusaram os lugares que lhes foram atribuídos em concurso, para que pudessem voltar a concorrer a horários incompletos, que seriam convertidos em horários completos e anuais. Por defensável e positiva que fosse, face aos milhares de alunos sem aulas nesta altura do ano, a medida em análise só colheria se acompanhada, em nome da justiça mínima, de outra que compensasse os professores que aceitaram contratos de poucas horas, para acumular tempo de serviço, sujeitando-se às regras antigas. E teria sempre que ser concretizada por alteração do quadro legal que rege os concursos, que não por proclamação ministerial, em ambiente de bagunça normativa. Com efeito, quando João Costa anunciou a medida, circunscreveu-a às regiões mais críticas. Quando a DGAE a transmitiu às escolas, já ia generalizada a todos os lugares postos a concurso. Com efeito, o e-mail dirigido aos docentes pela DGAE, par além de não ter qualquer valor legal, é uma missiva trapalhona, que cita passagens inexistentes de um decreto-lei, que só seria aplicável se tivesse sido alterado.
Esta medida discricionária veio deturpar completamente o concurso feito por milhares de professores contratados, que teriam concorrido com opções bem diferentes no momento da manifestação das suas preferências iniciais. Os professores colocados antes da RR32 ficaram, a partir de agora, inaceitavelmente prejudicados: em remuneração e em tempo de serviço. Um professor menos graduado, que tenha rejeitado um lugar antes da RR32, pode, a partir de agora, beneficiar de vantagens futuras, que não estão ao alcance de outro, mais graduado, que aceitou uma colocação miserável, para não ser penalizado.
Que dizer aos professores prisioneiros de horários de substituição, não transformáveis em horários anuais, que fizeram opções no âmbito de um quadro legal, que agora muda, ilegalmente, sem os compensar?
Que dizer a docentes colocados desde o início do ano lectivo em horários incompletos, e que assim continuarão, quando quem ontem aceitou um horário de seis horas o tem convertido em completo? Que sentirão estes docentes, cujo tempo de serviço não conta no quadro da “norma-travão”? Que dizer aos directores, proibidos de completarem os horários dos primeiros, agora coagidos a completarem os horários dos segundos? Que pensarão os detentores de horários inferiores a 16 horas, vítimas continuadas da anacrónica contabilização do tempo para a segurança social?
De início, só os detentores de colocações obtidas até ao começo das aulas, em horários completos, poderiam ver a sua colocação renovada no ano seguinte. Agora, o ministério está a preparar-se para permitir que os horários incompletos, convertidos em completos a partir da RR32, possam permitir a renovação da colocação dos seus titulares. Como dizer a um professor contratado com 19 horas, antes da RR32, que não poderá ter o seu contrato automaticamente renovado no próximo ano, quando um colega, que agora aceitou um horário de seis horas, administrativamente convertidas em 22, pode ver o seu contrato renovado automaticamente? Que conceito de justiça suporta os atropelos que daqui resultam?
Confrontado com tudo isto no Parlamento, João Costa respondeu: “Não nos preocupa que as regras sejam diferentes. O que interessa é que alunos tenham aulas”. Como se uma urgência justificasse uma canalhice.
O que a Reserva de Recrutamento 32 expôs é um padrão comportamental de trapalhice e iniquidade. O que o escuteiro/ministro promoveu é inaceitável: o céu para os ungidos da 32, o inferno para os colocados nos oito meses anteriores. Tivéssemos uma classe profissional com uma réstia de união e o dito voltaria, em breve, no dizer do próprio, à praia dele: os lobitos.

In “Público” de 11.5.22

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17 comentários

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    • zaratrusta on 11 de Maio de 2022 at 9:46
    • Responder

    Muito bem. Canalhice, é o termo certo.

    • Chororo_de_sindicato on 11 de Maio de 2022 at 12:22
    • Responder

    “Um professor menos graduado, que tenha rejeitado um lugar antes da RR32, pode, a partir de agora, beneficiar de vantagens futuras, que não estão ao alcance de outro, mais graduado, que aceitou uma colocação miserável, para não ser penalizado.”

    Se rejeitou um incompleto antes da RR32 provavelmente não será colocado depois num complet’anual, se os houver será muito residual.

    Ainda não vi que os colocados após a RR32 terão a possibilidade de renovar até porque o concurso já tinha sido lançado.

    Vir com o texto de pobres coitados, quando o ME tentou fazer alguma coisa para o problema de termos imensos alunos sem professor é no mínimo insensato. Para a circunstância creio que foi a melhor opção, que outras soluções vós visionários teriam optado?

    E parem de imaginar que pessoal que aceitou com a sua graduação horários incompletos temporários passem a complet’anual. Isso sim, seria uma injustiça para os outros que não foram colocados com uma melhor graduação.

      • Pasmado on 11 de Maio de 2022 at 13:20
      • Responder

      Boa tarde, Chororo!
      Você é anormal, tem consciência disso?

        • Chororo_de_sindicato on 11 de Maio de 2022 at 21:02
        • Responder

        Boa tarde, Pasmado.

        Quer justificar que parte do meu texto é incorreto? Ou prefere o insulto gratuito?

    • maior on 11 de Maio de 2022 at 13:16
    • Responder

    Depois de ler o seu comentário, consigo perceber que o PS tenha ganho as eleições com maioria.

      • maior on 11 de Maio de 2022 at 15:38
      • Responder

      Peço desculpa pelo engano , até fico maluco. este comentário é resposta a
      Chororo_de_sindicato on 11 de Maio de 2022 at 12:22

      • Chororo_de_sindicato on 11 de Maio de 2022 at 21:03
      • Responder

      Boa tarde Camarada,

      Se ganhou não foi com o meu voto seguramente.

        • maior on 11 de Maio de 2022 at 22:27
        • Responder

        Referia-me à ignorância, não estou interessado em saber em quem votou e não sou camarada.

          • Chororo_do_sindicato on 12 de Maio de 2022 at 8:39

          Qual ignorância?
          Você é que se pôs a tirar conclusões políticas da minha resposta ao texto. O facto de discordar comigo não lhe dá o direito de insultar a menos que…

          Continuo à espera de ouvir uma solução melhor para que os alunos no último período letivo não tenham tanta falta de professores, e que pelo vistos até com contrato completos anuais alguns docentes não aceitam a colocação.

          E já agora do número de professores que foi ‘ultrapassado’ da RR31 para a 32 em relação ao total das colocações.

          És o maior!

          • maior on 12 de Maio de 2022 at 9:27

          Maior número de horários completos e anuais na contratação inicial (vai ver que os tarefeiros aceitam). Contagem de tempo inteiro para a segurança social nos horários com menos de dezasseis horas. Nunca, mas mesmo nunca, mudar regras a meio do concurso!
          Os tarefeiros cansaram-se de ser gozados…

          • Chororo_do_sindicato on 12 de Maio de 2022 at 23:11

          Concordo com as propostas que enumerou mas a solução foi de recurso para este 3° período, alterar isso para o próximo ano não iria ajudar em nada neste ano letivo.

          Não mudou as regras per si, são as mesmas, criou foi horários anuais/completos fantasma. Entendo que alguns se possam sentir ‘enganados’ mas para 120 dias de tempo de serviço é muito chororo.

          Que apelem à ousadia do Ministro(já que o anterior não fez ***** nenhuma) para ajeitar de uma vez por todas o concurso/carreira para que seja mais atrativa sob pena de ficar sem professores qualificados.

          E vamos ver senão alteram ‘tudo’ em cima do joelho com o concurso a decorrer depois das prioridades, que o façam antes das mesmas ou a entrar em vigor só no seguinte ano.

          • maior on 13 de Maio de 2022 at 11:28

          Acaba por se contradizer, afinal esta solução de recurso não resolveu a falta de professores este ano, apenas serviu para que alguns se possam sentir ‘enganados’ e mostrar que vale tudo…

          • Chororo_do_sindicato on 13 de Maio de 2022 at 12:10

          Claro que resolveu/remediou neste período, não quer dizer que no próximo ano não volte a passar-se a mesma coisa se nada se alterar.

          Se o contrato não for aceite em RR acaba por ir para OE anual/completo ‘alguém’ acaba a ser colocado.

    • M. José on 11 de Maio de 2022 at 15:05
    • Responder

    Estou colocada desde o início do ano com 8h, anuais. Em outubro consegui acumular 13h noutro agrupamento, em horário temporário. Entretanto a docente que estava a faltar apresentou-se e está novamente de baixa. Este horário de 13h foi para reserva de recrutamento, agora com 22h, e foi recusado. O horário voltou a contratação de escola e acabei por ser selecionada novamente, sem ultrapassar ninguém, mas não posso aceitar porque 22h + 8h = 30h, quando na realidade são 13h+ 8h=21h. Isto é uma aberração.

    • Maria on 11 de Maio de 2022 at 21:28
    • Responder

    Uma vergonha, uma humilhação e uma injustiça se nada fizerem quanto aos professores que serão prejudicados com esta medida.

    • Lucas Castro on 12 de Maio de 2022 at 11:56
    • Responder

    Meus caros,
    Se até os professores dos quadros são prejudicados no seu tempo de serviço, com as ultrapassagens implementadas pelo Despacho 118/2019, permitindo a outros ultrapassarem os mais antigos de forma descarada, e prejudicando a evolução da carreira aos que já estavam de modo absolutamente louco, estavam à espera do quê?
    Eles fazem o que querem e prejudicam e beneficiam quem querem!!

    • Betmate on 16 de Maio de 2022 at 13:16
    • Responder

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