26 de Maio de 2022 archive

Carta aberta ao Ministro da Educação – Carlos Santos

Excelência, Sr. Ministro da Educação, João Costa

Em entrevista ao «Expresso» V. Ex.ª referiu que “Os professores foram formados para dar aulas só a bons alunos. Era como formar médicos para verem só pessoas saudáveis.”

Estas palavras vêm na índole dos seus antecessores que denotaram uma aversão visceral aos professores, com a novidade de esta conter um certo requinte calculista por se imiscuir entre outros dizeres lisonjeiros da sua pessoa para com a classe (da qual, orgulhosamente, faço parte), permitindo-lhe considerandos destes altamente perniciosos e que envergonhariam qualquer profissional, que faço questão de refutar. Uma frase que encerra em si mesma um atestado de incompetência à classe docente, conotando-a de impreparada e, sobretudo, de não estar à altura do que dela se espera.
Sem acrimónia, cabe-me esclarecer V. Ex.ª que, para quem tinha obrigação de saber muito sobre aquilo que se passa nas escolas, parece demonstrar estar muito longe do conhecimento de causa acerca da realidade vigente. Para sua informação, na escola pública, os professores não têm só “bons alunos” como, pelo contrário, recebem igualmente todo o género de estudantes, com diversificada ordem de problemas que a sociedade cria e não resolve. Uma escola com profissionais que se veem obrigados a lidar e a dar resposta a tudo e a todos. Contrariamente ao que afirma, as turmas são de dimensão exagerada, heterogéneas e, grande parte delas, problemáticas, obrigando os professores a trabalhar em sala de aula com diversas realidades em simultâneo e, frequentemente, sem adequadas condições materiais. Alunos de educação inclusiva, com problemas de saúde, de aprendizagem, de comportamento, de integração, de acompanhamento do currículo ou que não se reveem no currículo que é disponibilizado pelo sistema de ensino. Alunos com diferentes ritmos de aprendizagem, com motivações dispares, muitos deles vindos de famílias desestruturadas onde grassa o abandono familiar; crianças órfãs de pais vivos, sem acompanhamento, espancadas ou a presenciarem a violência doméstica, retiradas aos pais para serem afastadas de maus-tratos ou da prostituição (sei do que falo, pois cá em casa houve professora que teve de depor em tribunal para as “salvar”); crianças violadas, outras que percorrem quilómetros a pé entre casa e escola, outras, ainda, a quem temos, além de matar a fome do conhecimento, matar a fome do estômago. Os tais professores que, ao que se subentende, são incompetentes e impreparados, têm de ser professores, pais, companheiros, psicólogos, orientadores, terapeutas, animadores culturais e motivacionais, assistentes sociais e muito mais que não se deveria impor a um professor, mas que a escola de hoje exige e os docentes correspondem o melhor que sabem e podem. Mas, sobretudo, são obrigados a lidar com alunos cada vez mais difíceis devido à enorme falta de regras e de educação que deveria vir de casa, mas que falta por manifesto incumprimento de pais que se têm demitido das suas obrigações por falta de tempo ou por défice de responsabilidade.
Como se não bastasse o supracitado, os docentes ainda são obrigados a lidar com constantes alterações legislativas, algumas das quais contraditórias e de difícil implementação por excessiva burocracia de um sistema educativo que, desde há alguns anos, adotou o «compliquês».
Fica V. Ex.ª ciente de que, no meio de tantas dificuldades com alunos difíceis, encarregados de educação que se demitiram das suas obrigações parentais e de acompanhamento aos seus educandos e que, não raras vezes, empreendem um comportamento agressivo para com o corpo docente, os professores têm feito um trabalho extraordinário para colmatar as falhas que vêm de fora da escola, pelo que, devo dizer-lhe, Sr. ministro, essas suas palavras, além de as considerar um infeliz impropério, vieram aromatizadas de injustiça e ingratidão.

E os professores são obrigados a lidar com crescente indisciplina, ameaças e violência verbal e física por parte de pais e alunos graças a mensagens infelizes como estas e as dos seus antecessores que colocam os professores com uma imagem fragilizada perante a opinião pública e à mercê de pessoas malformadas.

Confesso que gostaria de me ficar por aqui, mas não me é possível embargar a voz perante uma outra sua frase ao «Expresso» onde verbalizou que “Metade dos professores sentem-se irritados”, a qual me parece conter em si uma adjetivação, no mínimo, afrontosa.

A um(a) professor(a) que tem de abandonar a sua casa, marido/esposa e os filhos lavados em lágrimas, sem ter forma de lhes explicar o motivo de ir embora e os deixar ficar para trás e só longe deles possa desaguar em lágrimas a sua tristeza numa longa viagem onde afoga o seu desgosto, vá lá dizer-lhe que aquilo que ele(a) sente é irritação.
Quando um professor tem de despender uma parte substancial do seu vencimento numa segunda renda ou em combustível (ambos cada vez mais caros), sofrendo o degaste de décadas amarrado ao volante para ir para a escola e a assistir ao crescimento dos filhos sem a sua presença, penalizado pela ausência de atualizações salariais, vá dizer-lhe que tudo isso só lhe causa irritação.
Quando um professor, perante o clima de extrema dificuldade e adversidade da profissão, faz um enorme esforço para cumprir com brio as suas obrigações profissionais, trabalhando uma média de 46 horas semanais (segundo estudo efetuado recentemente) e, administrativamente, os governos lhe roubam mais de seis anos e meio de serviço para efeitos de progressão numa carreira já de si com imensos entraves, considera que sentirá uma mera irritação?
Quando, segundo estudos de 2016, 2018 e 2019, mais 60% do corpo docente estava em burnout ou à beira da exaustão (valor que se deverá ter agravado consideravelmente com a exigência das aulas à distância e a quase ausência de períodos de interrupção letiva e de férias nos dois anos anteriores devido à pandemia), ter de escutar um ministro reduzir toda essa fadiga e desgaste, esforço acrescido e desilusão dos professores à adjetivação “irritação”, será aceitável?
Uma classe com média de idade superior a 50 anos devido a má gestão ministerial e prolongamento exagerado da carreira de uma profissão de desgaste rápido, que implicou a acentuada degradação da saúde de um corpo docente envelhecido que se vai arrastando e sacrificando mais do que pode, não estará um pouco mais do que irritado?
E o que poderá dizer a classe acerca do clima de suspeição que V. Ex.ª levantou publicamente sobre a honestidade dos professores em geral e dos que estão portadores de doenças incapacitantes ou que têm a seu cargo familiares diretos doentes e que se virão obrigados a fazerem-se à estrada, quando relatórios clínicos atestam a sua incapacidade para tal? Sabendo que a sua saúde irá piorar, estarão eles simplesmente irritados?

À esmagadora maioria dos professores entregues a um estado de desânimo e insatisfação, extenuados e doentes, devido à crescente exigência que o ensino impõe a um professor e à parca retribuição verbal e financeira que recebem, diga-lhes que isso não é nada de especial, que apenas estão irritados.
Não foi graças aos professores que temos a mais escolarizada geração de sempre?
Professores que, embora com todas estas dificuldades, não abandonaram os seus alunos e as suas obrigações e têm aguentado os reiterados ataques dos sucessivos Ministros da Educação, deveriam merecer outra consideração e, certamente, melhores ministros; ministros conhecedores da real situação das escolas e aquilo que é efetivamente importante para todos os agentes envolvidos no sistema de ensino, incluindo os mais ignorados, mas fundamentais, os professores.
Na realidade, se o Sr. ministro indicia ter dificuldade em respeitar os profissionais que tutela, como poderão esses profissionais esperar o devido respeito por parte da restante sociedade?
Se nos tempos que correm V. Ex.ª tiver a coragem de, durante um mês, calçar os sapatos de um dos muitos professores que passam por tantas dificuldades, talvez consiga entender o que realmente significa para os professores essa tal “irritação” de que fala, mas, certamente, desconhece.

Atentamente,
um de tantos outros professores supostamente «irritados», Carlos Santos
(enviada a quem de direito)

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Negociação Suplementar dia 30 de Maio

Para o próximo dia 30 de maio, segunda-feira, o Ministério da Educação convocou as organizações sindicais para a obrigatória negociação suplementar solicitada pelos sindicatos.

Esta será a última reunião de negociação do documento sobre a Mobilidade Por Doença e a Renovação de Contratos.

Não se esperam grandes alterações à proposta de 18 de maio, contudo a uma pergunta que o Diário de Notícias me fez sobre que medidas a meu ver não deveriam avançar, eu respondi “Não devem avançar medidas que impeçam um docente em Mobilidade por Doença comprovada, não continuar numa escola da sua proximidade, quando, porventura, for possível renovar o contrato nessa escola de um professor com horário anual e incompleto.

Aguardo com alguma expectativa esta reunião final.

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E o burro sou eu?

O governo pretende que em 2026 o salário mínimo atinja, pelo menos, 900 euros. Nada de mais justo para as pessoas poderem viver com o mínimo de dignidade… desde que houvesse o bom senso de atribuir iguais incentivos/atualizações salariais a todas as outras profissões com salários acima do mínimo, como acontece com os professores que não conhecem aumentos visíveis há quase década e meia. De lá para cá, com promessas a evaporarem-se no ar, o salário dos professores manteve-se inalterável, enquanto o salário mínimo duplicou e, com este aumento anunciado, em breve a diferença entre eles será apenas residual.
Creio que este género de políticas seletivas só contribuirá para afastar os jovens do interesse em prosseguir os seus estudos e investir nas suas qualificações para sua realização pessoal, mas também, convenhamos, para aspirarem a um emprego com melhor salário. Olhando para o custo-benefício, facilmente compreenderão que os jovens irão reconhecer que, financeiramente, será inútil investir na sua qualificação.
Veio-me à memória um ex-aluno aluno preguiçoso (como tantos outros que passaram pelas nossas aulas), que se baldava às aulas, moía o juízo e se estava nas tintas para os estudos, que pelo salário mínimo de 900€ poderá ficar a trabalhar perto de casa num emprego sem exigência de qualificações; o seu professor, que queimou as pestanas a formar-se, a tentar passar conhecimentos e a ajudar os alunos a se instruírem, com elevado grau de qualificações, formação contínua e grande responsabilidade em mãos, ganha os mesmos 900€, mas vai trabalhar para longe de casa e ainda se vê obrigado a gastar uma boa parte do salário em deslocações e/ou alojamento. Mesmo um professor que, ao fim de muitos anos de serviço, finalmente consiga entrar para o quadro, recebe pouco mais de 1.100€, mas descontando as tais despesas de contexto, ainda ficará umas centenas de euros abaixo do salário mínimo. E mesmo docentes a trabalhar há 30 ou mais anos, a deixar uma parte do salário nas estradas/hospedagem, dificilmente tirarão um rendimento superior ao salário mínimo.
A esta miséria salarial, ainda acresce o tempo despendido em deslocações, o enorme desgaste físico ao volante e psicológico provocado pelo afastamento da família e formação paga pelo próprio, fatores que o tal ex-aluno não tem de suportar.
Fazendo as contas à qualidade de vida e aos rendimentos, afinal quem é o esperto, o professor ou o ex-aluno que não quis estudar?
Será que, neste contexto, valerá assim tanto a pena um cidadão formar-se?
É este o incentivo que o governo encontrou para ter uma população mais qualificada que permita competir com outros países?
É esta a melhor maneira de atrair jovens para a profissão e colmatar a falta de professores?
Quando temos um país que não valoriza as habilitações e acha normal que os poucos jovens que tem qualificados vão trabalhar para as caixas de supermercado e call centers, nada há a acrescentar quanto à oratória hipócrita e populista dos nossos politiqueiros.
Quanto a esse tal ex-aluno preguiçoso a quem os professores insistiam para estudar para poder vir a ter um futuro melhor (não há pai ou professor que não o aconselhe) ao ver os desgraçados dos professores com vidas tão miseráveis e instáveis quanto os seus salários, suponho que pense “… e o burro sou eu?”

Carlos Santos

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Aceitem e aprendam a ser infelizes!

 O Estudo “Saúde psicológica e Bem-estar”, recentemente publicado, relativo a Alunos e Professores, mais não fez do que comprovar, estatisticamente, a existência de uma realidade gritante, empiricamente conhecida de todos há muito tempo…

 Entre outras conclusões, o referido Estudo atestou que: “o ambiente da escola e a qualidade da gestão dos agrupamentos escolares aparecem associados ao sofrimento psicológico dos docentes”…

 Face a tal conclusão, os respectivos autores, recomendam designadamente que, e com carácter de urgência, se proceda a uma “ação concertada com as direções dos agrupamentos de escolas, de modo a promover a sua sensibilização para a importância da sua ação no clima do agrupamento e no bem-estar e saúde psicológica dos alunos, do corpo docente e, em geral, do ecossistema escolar”…

A anterior recomendação, aparentemente bem intencionada, não deixa, contudo, de afigurar-se como incompatível e inconciliável com o disposto no Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril…

E aí é que estará o cerne do problema e, plausivelmente, a origem da maior parte do mal-estar identificado residirá também aí:

Quando se fala sobre a “qualidade da gestão dos agrupamentos” não poderá deixar de se considerar que esse atributo estará indubitável e irremediavelmente correlacionado com a vigência do Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril e dependente do mesmo…

Sabendo que esse normativo legal instituiu a Ditadura nas escolas, que perdura desde 2008, abolindo o pensamento crítico e independente e impondo uma Democracia “postiça” e “travestida”, sem credibilidade e pervertida pela manipulação, como se pode melhorar o clima de um Agrupamento sem que tal Decreto seja revogado?

Como se pode “sensibilizar” uma Democracia impostora para a importância de valores que ela própria ignora e não pratica?

Se a postura corrente e habitual de uma determinada Direcção de Agrupamento passar por ser tirânica e ditatorial, como se pode sensibilizá-la para a importância das consequências dessa sua acção “no clima do agrupamento e no bem-estar e saúde psicológica dos alunos, do corpo docente e, em geral, do ecossistema escolar”?

Nessas circunstâncias, quem assumirá o papel de “sensibilizador”?

De forma alegórica, nas condições do Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril, a “sensibilização” sugerida pelos autores do Estudo corresponderá ao mesmo que acreditar na possibilidade de um Tubarão-Branco deixar de ser um animal carnívoro ou um exímio predador…

Perante as principais conclusões deste Estudo, a primeira decisão daí decorrente, da competência do Ministro da Educação, deveria consumar-se pela revogação imediata do Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril, uma vez que parece comprovado que o efeito tóxico e perverso do actual modelo de administração e gestão estará na génese de um ambiente escolar patogénico e lesivo…

Mas, e pela obstinação que tem vindo a ser observada, certamente que isso não irá acontecer… Assim sendo, não fará qualquer sentido continuar a encomendar Estudos, dilapidando dinheiro do erário público, para posteriormente ignorar ou escamotear as respectivas conclusões…

Em função das recentes conclusões, virá, agora, por certo, o Ministro, através de todos os meios de Comunicação Social, mostrar a sua sentida e profunda preocupação com o sofrimento psicológico dos Alunos e dos Professores…

As soluções indicadas por si para o problema, passarão, expectavelmente, por continuar a entupir e a atulhar as escolas com mais projectos, e projectos, e projectos, perfeitamente ilusórios, irrelevantes e inconsequentes do ponto de vista da resolução do problema e que, em vez disso, significarão mais uma carga de trabalhos para os que já trabalham insanamente nas escolas…

Sem a revogação do referido Decreto, bem pode o Ministro da Educação perorar com todas as “ladainhas esotéricas” e ininteligíveis, camufladas de “inovação”, que nenhuma delas resolverá o problema de fundo… Aliás, duvida-se mesmo que exista um interesse genuíno em resolvê-lo…

As efectivas boas práticas em Saúde Psicológica não podem ignorar a origem ou as causas de um problema. Identificada a origem ou as causas, há que, em primeiro lugar, agir sobre as mesmas e, só posteriormente, sobre as suas consequências… Até porque dificilmente alguma consequência será eliminada se nada for feito na origem do problema, continuando-se num círculo vicioso, do qual não será possível sair…

No caso presente, prevê-se a manutenção de todas as consequências do problema, em particular a continuidade do sofrimento psicológico identificado em Alunos e Professores, em vez de se agir sobre a principal causa do problema que, dêem-se as voltas que derem, não deixará de ser esta:

– A acção perniciosa de muitas Direcções e o respectivo contributo negativo no clima sentido em grande parte dos Agrupamentos…

Em vez de se encontrarem estratégias ou medidas para eliminar o sofrimento psicológico, o Ministro parece mais apostado na implementação de estratégias que parecem ter como principal objectivo aprender a aceitar e a lidar com esse mal-estar…  

Tudo menos eliminar a principal causa do mal-estar…

“Aceitem e aprendam a ser infelizes!”, parece ser o lema…

Hipocrisia e utopia. Apenas isso…

 (Matilde)

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“Uma tristeza tão grande que parece que não aguentas”

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