Provas de Aferição 2º Ano | hipocrisias ou pretextos?
Na sequência das Provas de Aferição (PA) já aplicadas ( Educação Física + Educação Artística) para os alunos do 2º ano, do 1.º Ciclo, é possível, em função do que já é publicamente conhecido, gizar um um punhado despretensioso, mas esclarecido, de reflexões em forma de contributo pedagógico para um futuro mais sensato e compatível com a realidade.
PECADO ORIGINAL: As Provas de Aferição já aplicadas parecem derivar de um pecado original: nos últimos dois anos, o mundo e a vida terão passado por momentos marcados pela normalidade. Parece fingir-se que não houve pandemia. Aparenta-se exigir-se de crianças, que foram sujeitas a confinamentos em momentos cruciais do seu desenvolvimento, algo para além do expectável. Na verdade, a petizada foi obrigada a confinar-se, pelo menos, duas vezes: uma no último ano do ensino pré-escolar + outra no primeiro ano de escolaridade. Por bondade, já nem me socorro dos confinamentos ditados por determinação de Direção-Geral da Saúde, que se terá deixado engolir por um frenesim de consecutivas alterações, que também não terá conhecido limites, nem acréscimo de recursos para compensação dos infetados (de alunos ou docentes).
A Prova de Aferição de Educação Física.A primeira grande hipocrisia! – assinalaria o mais cáustico. Alunos matriculados em escolas sem infraestruturas ou equipamentos, são obrigadas a deslocarem-se para outra(s) escola(s), uma realidade integralmente inóspita, porque as suas escolas não reunirão as condições impostas pelo Ministério da Educação para a realização da Prova concebida pela (própria) tutela: espaço coberto, com área mínima de 80 metros quadrados, com uma parede lisa e livre de obstáculos numa área de 2,5 m de altura por 3 m de largura. Sem contemplação, essas crianças – para quem grande parte das aulas de Educação Física, durante o inverno, são asseguradas em salas de aula sem condições – estão a ser confrontadas com exercícios em espaldares e em plintos. Poder-se-á, em boa consciência, falar de igualdade e de justiça? Como se já não bastassem as assimetrias no modo como cada agregado familiar foi obrigado a viver os sucessivos confinamentos e isolamentos profiláticos, parece assomar-se, em 2022, a intenção de submeter os mais inocentes a humilhações tão cruéis quanto desnecessárias.
A Prova de Aferição de Educação Artística. Sobre guiões, por uma questão de higiene e sanidade intelectuais, faço questão de não os adjetivar. No entanto, urge apelar ao bom senso, exigindo, pelo menos, que as tarefas propostas sejam exequíveis no tempo inicialmente estipulado, evitando cair no cinismo de alertar que as provas só estarão concluídas quando todos os alunos forem avaliados. De resto, é premente devolver ao 1.º Ciclo o conhecimento e a sensibilidade quem sabe da poda. Especialistas de gabinete poderão não ser garante suficiente de equilíbrio e razoabilidade. Assim, de pouco valerá convidar os alunos a “farfalhar” ou a construir um boneco com “barriga de balão” até porque,neste último caso, haverá sempre quem pergunte: “um balão cheio ou vazio?!” Como nota de rodapé, chega-se ao ponto de pedir-se que os alunos estejam numerados, ressalvando-se que «o número deverá ter dimensão suficiente para possibilitar uma possibilitar uma boa leitura por parte dos professores classificadores.» Será que o Ministério da Educação não terá recursos e meios para normalizar, cedendo, esta identificação sem sobrecarregar os professorzecos titulares de turma a este grau de pormenor?
Sobre a Diferenciação Pedagógica.Matam-se os professores, recorrendo a ousados – mas pouco valorados – exercícios que garantam a diferenciação pedagógica para alunos com medidas universais, medidas seletivas e medidas adicionais e, no momento da Provas de Aferição, todos parecem metidos no mesmo saco, sem direito a adaptações dimensionadas e proporcionadas à especificidade inserta no seu RTP (Relatório Técnico-Pedagógico). Será que, no Ministério da Educação, o conceito de diferenciação pedagógica (só) foi criado para a (rasa) arraia-miúda implementar? Afinal, de quem deveria vir o exemplo? Ou a diferenciação pedagógica, para a tutela, resumir-se-á à leitura de enunciados e à concessão de tempo suplementar para a realização das provas?
A grande questão. Estas provas, concebidas nestes exatos termos, serão um excesso ocasional ou terão sido concebidas para terraplanar o terreno para ulteriores medidas draconianas? Se as Provas de Aferição de Educação Física e de Educação Artística se revelam esta …, as de Português e de Matemática, em junho próximo, adivinham-se um mimo!
Processo pesado e hiperburocratizado.Seria de esperar que, numa atmosfera de economia digital, o processo de preparação e de implementação destas PA não se revelasse esta desagradável e mui penosa surpresa. Pesado. Hiperburocratrizado. Extenuante. Um dia destes, será preciso ir a Coimbra cursar uma qualquer variante para estar habilitad@ a cumprir com todas as minudências requeridas.
Da revolta e da indignação. No exercício da minha Liberdade de pensamento e de expressão, confesso-me revoltado e indignado. Pelas crianças. Pelas famílias. Neste particular, não conto, infelizmente, ser acompanhado pelos sindicatos de professores e pelas associações representativas dos Pais e dos Encarregados de Educação. Mas é, com Liberdade, que entendo: várias linhas vermelhas foram, estranha e desnecessariamente, ultrapassadas.
José Manuel Alho