Carta dum professor ao Governo e ao PS
Dirijo-me hoje, em nome de muitas centenas que me acompanham nesta luta pela dignificação da profissão docente e em nome da verdade no ensino, a um governo do Partido Socialista, o qual deve, definitivamente, prestar atenção aos sinais da sociedade civil. País que se sente traído por sucessivos governos; país que, desde 2008 e depois da Troika e dos governos Sócrates-Passos Coelho, apenas conheceu estabilidade e alguma reposição de direitos com uma união das esquerdas. As palavras pesam. Isso foi dito por um poeta chamado Carlos de Oliveira (1921-1981). “Pesam mais do que as lajes ou a vida, tanto” que hoje, em 2023, os professores (mas não só os professores) levantam “a torre do seu canto” erguendo, nas escolas, um novo mundo, pedra a pedra. Um mundo novo que desejamos livre da carga burocrática. Um mundo escolar que todos desejamos mais saudável em tempo de violência crescente, potenciada pela ditadura digital, a nova hidra, a falsa Minerva.
Senhores Primeiro-Ministro e Ministro da Educação! Os senhores e o governo do PS têm a oportunidade única de, numa Europa refém da direita vingativa e ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos, serem verdadeiros socialistas. Não podem ser só executantes das políticas anti-democráticas que, no campo da educação têm sido úteis para se manterem os privilégios de classe de elites e de oligarquias de que os partidos são a plataforma de favores.
Este é o momento em que, a caminho dos 50 anos do 25 de Abril, ao Partido Socialista cabe abraçar um programa de acção humanista para Portugal, ancorado na educação e na cultura, cimento da acção política! Sim, Senhores Primeiro-Ministro e Senhor Ministro da Educação: não podem fechar os olhos às reivindicações dos professores, pois essas reivindicações são as mesmas de muitos sectores profissionais que reconhecem que sem uma educação pública de qualidade, onde as aprendizagens sejam, de facto, sólidas e exigentes, os nossos filhos mais não serão que assalariados acríticos à mercê dos mandos e desmandos do neo-liberalismo e da “economia que mata”, como referiu o Papa Francisco. É certo que os 400.000 estudantes que hoje frequentam a escolaridade obrigatória é uma vitória da democracia. É certo que houve vitórias importantes neste combate, de que sublinho a rede de bibliotecas escolares. Sucede, porém, que, fruto de uma visão economicista da Educação nos últimos 25 anos e de políticas educativas dependentes das indicações emanadas do FMI e dos seus braços burocráticos – a OCDE e o aferidor PISA – a escola em Portugal não é senão a escola-refeitório, o depósito onde impera a lógica do tudo-ao-molho-e-fé-em-Deus, comprovando o erro crasso da organização escolar por agrupamentos. Os episódios de violência somam-se, não há verdadeiro ambiente educativo que, do 1.º ciclo à Universidade, propicie o saber.
Vanguarda de uma revolta social que os políticos do PS insistem em não compreender, os males de que padece o país são consequência dos erros cometidos na educação. Aulas transformadas em sessões de tarefas, currículos estupidificantes que os Exames Nacionais legitimam; manuais escolares cada vez mais infantis, uso compulsivo e exclusivo dos suportes digitais em sala de aula, professores e alunos bovinamente olhando para os ecrãs alienante, quem verdadeiramente ensina e de quem verdadeiramente aprende? Há quem defenda — atenção!! — que o professor deve ser um “mediador”, um “gestor” de conflitos; um psicólogo, um assistente social, uma espécie de palhaço saltitão que está nas aulas para entreter os alunos. Proibidas avaliações sérias, nenhum estudante sabe hoje o valor real das suas aprendizagens, pois jamais se pode reprovar. Custa caro ao Estado o chumbo. Optou-se pela via facilitista: Todos iguais, todos alienados. É esse o socialismo do PS? Embrutecido por estas políticas do sucesso, do “rigor e da excelência”, mas só para alguns — os que podem pagar colégios privados –, que futuro será o das próprias elites quando perceberem que não há quadros médios de qualidade e que este rectângulo é só para quem tem dinheiro para viver na faixa litoral (e não em toda); elites rodeadas, no futuro próximo, de miséria por todos os lados?
A ideia de uma “escola inclusiva” é uma falácia absoluta, Senhores PM e ME! Falácia — sabeis bem que é assim — pois que inclusão social pode haver nas escolas quando alunos com deficiências, ou sem falarem português, imigrantes das mais diversas nacionalidades, são deixados em turmas de 25 alunos ou mais, nada aprendendo de facto porque a língua e a cultura portuguesas lhes são incompreensíveis? Com pais desempregados, entregues à alienação escolar, que cidadãos estamos a formar? Que País? Um país de precários a qualquer instante! Os alunos passam a escolaridade obrigatória entre Cila e Caríbdis: entre o “projecto educativo” e os “exames finais”. Os pais passam a vida entre os baixos salários e os impostos exorbitantes! Há quem defenda, senhores PM e ME, que as aulas serão de sucesso se os professores apostarem na “gamificação” do ensino!!! Game, jogo, os lugares-comuns da inter-actividade, para que todos sejam mais “proactivos”. Mas, como vemos nas notícias, crianças e adolescentes filmam-se, cada vez mais, em actos de puro vandalismo. Isto acontece nas vossas escolas inclusivas.
Da flexibilização curricular, passando por esse crime que foi Bolonha, depauperando a qualidade da formação dos que ensinam; dos “descritores de competências” à “avaliação de desempenho docente”; da negação de uma pedagogia histórico-crítica (o professor como comunicador culto, não um animador de aulas, isso é o que faz as aulas moverem os afectos e a inteligência) defendida por sucessivos governos, tudo está – digo-o com frontalidade – errado. Por isso se falsificam avaliações, por isso, desde Cavaco Silva, com Escolas Superiores, Politécnicos, a subversão da função do professor, transformado em facilitador de aprendizagens que, de essenciais, nada têm. A retórica dos “conteúdos e competências”, isso mesmo faz com que jovens detestem estudar; isso mesmo seca a imaginação das crianças. A retórica política do “nós cedemos em alguns aspectos, mas vocês executam as nossas vontades” trouxe o país a este tempo: Estamos revoltados com a corrupção, estamos humilhados por nos tratarem como gente que não vê, que não ouve, que não lê. Vemos, ouvimos e lemos – Não podemos ignorar! A esta maioria é tempo de dizer: “Agora começamos” – os professores, lúcidos, críticos, exigem um novo tempo, pois não é só de salários que devemos falar: é de defesa da democracia e do Ensino Público.
Sem trair o espírito da Concertação Social, urgente, a vós, que me conheceis, me dirijo, Senhor PM e Senhor ME. Faço o apelo: chamem os professores para saberem que a educação do “rigor e da excelência”, dos resultados do PISA é uma ficção, um instrumento de dominação neoliberal. Perderão o país porque muitos pais são professores. Sem professores cientificamente válidos, que teremos senão um país de bárbaros?
António Carlos Cortez
2 comentários
Enfim, mais uma carta “aberta” que jamais será rececionada pelo destinatário! Que falta de paciência para estes inúteis faits-divers!
“(…) os professores, lúcidos, críticos, exigem um novo tempo, pois não é só de salários que devemos falar: é de defesa da democracia e do Ensino Público.”
Muito bem, todo o ensino/avaliação, nos moldes atuais, é uma falácia!