A forma particularmente infeliz (para não dizer outra coisa politicamente incorreta), como o governo e a população em geral têm gerido esta crise na Educação, espelham a falta de valores, de cultura e de espírito de cidadania que atrofiam a nossa sociedade.
Se os problemas na Educação estão longe de ser um exclusivo português, a forma como são solucionados diz muito sobre o povo que somos. Senão, vejamos:
-Este ano, Espanha optou por uma grande reforma orgânica na Educação com a valorização dos seus profissionais;
-A falta de professores em França mereceu uma intervenção direta do presidente Macron, que começou por garantir que nenhum professor poderia ganhar menos de 2.000€ e, para atrair jovens para a profissão, melhorou consideravelmente as condições de trabalho da classe docente;
-Nos EUA, confrontados com a falta de 100 mil professores, a presidência atribuiu extraordinariamente 9 mil milhões de dólares, apenas para a contratação de mais professores.
-A Finlândia reservou 10 mil milhões de euros para a Educação e 2 mil milhões para atrair mais jovens para a profissão;
Em Portugal, com um investimento na Educação que, em comparação com outras nações, só envergonha o país, para combater a falta de atratividade da profissão, mantemos um vencimento de início de carreira pouco superior ao salário mínimo e o Estado diz a um jovem – Se queres ser professor, pega nas tuas malas e arranja um carro, mete-te à estrada, paga as contas de combustível e alojamento e desenrasca-te.
Depois de uma sucessiva perda de poder de compra desde 2010, para compensar isso e uma inflação exorbitante que atingiu os 7,9% no ano passado, o Estado deu aos professores um aumento miserável pouco além dos 2%, degradando ainda mais a sua condição salarial.
Os professores estão há intermináveis anos a queixarem-se que o estado da Educação está insuportável e que já não aguentam mais e, da parte dos governos, não têm visto interesse em resolver coisa alguma. Governo que, diante do estado de esgotamento de uma classe, se limita a atirar mais burocracia para cima daquela que já existe nas escolas e, de uma maneira ofensiva para com as reivindicações dos docentes, apenas tem palavras de intimidação e de privação no seu direito à greve.
Já em 2006, quando Maria de Lurdes Rodrigues, orgulhosamente, afirmou ter perdido os professores, mas ganho a população e os pais, na mesma altura, o presidente francês fazia um comunicado à nação, agradecendo publicamente aos professores o seu contributo pelo progresso que o país tinha alcançado.
Perante esta realidade, será preciso ser muito inteligente para perceber os motivos de indignação dos professores?
Constituirá algum mistério o facto de o país estar constantemente a ser ultrapassado por outros nos rankings internacionais de desenvolvimento?
Por conseguinte, em rigor, quando o pensamento político para a Educação não vai além de uma legislatura, incapaz de pensar a Educação a médio e longo prazo e de contar com a colaboração dos professores – vistos sempre como uma despesa e como adversários a reprimir – o sistema de ensino no nosso país só pode piorar.
A todo este desprezo, soma-se a passividade de uma sociedade que, após dois meses de um visível sentimento de revolta dos professores, que se têm esforçado por denunciar o estado calamitoso em que se encontra a Escola pública, ainda não foi capaz de exigir que se faça um debate público alargado acerca dos graves problemas da Educação em Portugal, onde se inclui a preocupante falta de professores. Interessa-lhe, apenas, ter uma escola de portas abertas (vulgus, armazém) – nem que seja sem condições, vocacionada somente para tomar conta dos mais desfavorecidos –, acabando por dizer muito sobre a mentalidade limitada que tomou conta de toda uma sociedade que não luta pelos seus diretos a serviços públicos de qualidade.
Carlos Santos