Do Respeito (uma carta aberta à comunidade educativa)
Vivem-se tempos conturbados na educação. As escolas públicas portuguesas estão em luta. Em todas as escolas e praças das cidades, os professores, técnicos e assistentes operacionais saem para a rua a exigir respeito. Fazem-no porque estão cansados e desiludidos. Fazem-no também porque nunca estiveram tão unidos. Hoje, dia vinte e cinco de fevereiro, Lisboa prepara-se para receber a quarta marcha (ainda não volvidos dois meses desde a primeira) em defesa dos seus direitos e dignificação profissional.
Apesar do tema algo pomposo, este artigo não tem pretensão de ser um tratado. É antes uma pequena reflexão ao redor da palavra mais entoada pelos profissionais de educação em qualquer local onde se manifestem. Parte de uma dúvida: como lerá a opinião pública esta exigência de “respeito” por parte dos profissionais da educação? Pressuponho, que o fará a partir ideia que cada qual tem do significado de respeito e a adapte às suas próprias experiências educacionais. Nesta sequência argumentativa, defendo que as reivindicações deveriam ser transmitidas de uma forma mais clara por parte dos profissionais de educação. O professor, que como ninguém deveria saber aplicar a sua técnica pedagógica para a ágora pública, nem sempre o faz, ou fá-lo a diferentes vozes. O resultado desta omissão pode acabar por passar uma mensagem confusa e deturpada. É como se a aula não avançasse para além daquele momento em que os professores testam os conhecimentos prévios dos alunos.
– Em que consiste este momento?
Consiste numa fase da aula em que os docentes convidam os discentes a definir um determinado conceito e procuram, em conjunto, consolidá-lo. Este conceito dos alunos é habitualmente generalista, comummente aceite, pouco definido e por isso chamado de um pré-conceito. Em diálogo com o professor há uma aproximação ao significado mais rigoroso do mesmo. Este será posteriormente interpretado e compreendido dentro de num contexto mais amplo.
No dicionário online da Priberam vem assim descrito o significado da palavra respeito:
«1. Sentimento que nos impede de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém.
- Apreço, consideração, deferência.
- Acatamento, obediência, submissão.
- Medo, receio, temor.»
Passo a exemplificar: se a ideia que tenho de respeito se relaciona com o ponto 3 e 4 do dicionário, a perceção que terei dessa exigência será nesse contexto. Os juízos: “os professores lidam com muita indisciplina nas aulas”, “o professor não se sabe impor”, ou “o professor quer mais medidas para impor a disciplina”, etc.” estão dentro deste nexo argumentativo. Pelo contrário, se o conceito estiver dentro do ponto 1 e 2, o sentimento que mais se destaca é o da empatia.
A etimologia da palavra, ou seja, a origem da palavra respeito, está em maior concordância com o sentimento de empatia que com o de submissão. A etimologia guarda o significado original da palavra, a base da sua formação, o seu étimos, a sua raiz e berço. Há um sopro poético a brotar da etimologia das palavras, da sua sonoridade. Há, pelo menos, uma verdade histórica que guarda o significado original, por vezes irrecuperável (as palavras evoluem e os seus significados antigos deixam de comunicar com o presente, a não ser em alguns contextos específicos, como o poético ou da dramaturgia no qual o texto nos predispõe a estar em sintonia com o tempo e espaço representados). A palavra respeito, originária do latim respectus, significa “ação de olhar para trás; consideração, atenção, refúgio”. Etimologicamente a palavra respeito associada a uma “ação de olhar para trás” indício de um segundo olhar, metacognição, valorização do cuidado e da atenção ao nível dos afetos. O respeito a que todos os profissionais de educação apelam é familiar do “cuidar”: cuidar da educação, cuidar e valorizar a sabedoria e conhecimento dos seus profissionais.
Assim sendo, os profissionais de educação exigem:
– O respeito pela profissão que escolheram e na qual são especialistas. Ser professor não se reduz a ser detentor de uma determinada sabedoria e transmiti-la, mas de a utilizar para levar os alunos a serem melhores aprendizes, mais autónomos e responsáveis, mais conhecedores.
– O respeito pela sua dignidade enquanto ser humano, que tem, tal como todos os outros, o direito a comprar casa, a casar, a criar família, mas que adia sempre esse projeto porque nunca sabe onde será colocado no ano seguinte.
– O respeito pelo direito a uma avaliação de desempenho, justa, com feedback sincero sobre os pontos positivos e a melhorar relativos à prática docente, para que se possa defender, mas também aceitar e aproveitar para, no ano seguinte, aplicar e modificar. Uma avaliação que seja isenta, livre de condicionantes como as quotas que impõem na subida do 4º para o 5º escalão e do 6º para o 7º. Ao contrário do que a opinião pública possa acreditar, os professores são anualmente avaliados. Imaginem um professor que tem uma avaliação de desempenho Excelente ou Muito Bom todos os anos, sendo que só no ano em que a avaliação conta para subir de escalão não tem a nota com que sempre foi reconhecido, pois não há quotas para subir de escalão. É esta ação moralmente justa? E motivadora? Fica, então o profissional, preso ao 4º escalão ou no 6º escalão por muito tempo, mesmo tendo capacidades comprovadas. Um professor com trinta anos de carreira pode estar hoje no 4º escalão quando, para chegar a este bastariam, 16 anos. Estranha esta retenção tão longa no mesmo escalão (nos três anteriores a progressão é automática).
– O respeito pelo direito à indignação quando veem a sua profissão desacreditada por sucessivos governos e ainda mais hoje quando os tentam silenciar com serviços mínimos que atentam contra o bom-senso e o direito à greve.
– O respeito e a urgente boa-fé à mesa das negociações por parte do ministério e dos seus envolvidos. Manter o Conselho Local de Diretores, sob um outro nome, “Conselho de QZP”, motivo e motor de parte desta contestação, não é estar de boa-fé. Qual é o professor com horário incompleto que através da decisão deste conselho pode ver-se em risco de ser colocado noutra escola, por exemplo a 50 km de distância (é a 50 Km, mas está dentro da QZP, não se pode queixar) quando é o próprio professor, nessa situação, o primeiro a querer completá-lo e o primeiro a concorrer a outras escolas? Então, se os professores já procuram completar os seus horários, a criação do Conselho por parte do governo é uma redundância e uma evidente má gestão (já há alguém que faz esse trabalho e é o próprio interessado). Será, por esse motivo, assim tão estranho, que os docentes desconfiem das intenções municipalizantes dos concursos no futuro e acreditem que “aqui há gato”. O ministério obriga ainda os professores vinculados em 2023, a concorrer em 2024 para todos os QZP´S (quadros de zona pedagógica). Terão de concorrer para todo o país, quando o próprio primeiro-ministro apregoou que iria reduzir ou terminar com a situação degradante de um professor andar com a casa às costas. Mais uma mentira.
– O direito à informação verdadeira, sem manipulação intencional das massas. O primeiro-ministro António Costa afirmou numa entrevista realizada no passado dia 16 de fevereiro ao canal TVI que descongelar os ordenados de toda a função publica representaria um aumento 1.300 milhões de euros de gastos anuais para os cofres do Estado. No entanto, podemos observar que, na mesa de negociações, não há qualquer tentativa de reposição, nem total, nem parcial desse tempo congelado (seis anos, seis meses e vinte e três dias). Omite também, que parte deste valor retornaria em impostos diretos para os ditos cofres, sem contar com os indiretos motivados pelo aumento do consumo. Esta omissão, parece-me, reveladora de alguma desonestidade política.
– O aumento do rácio dos técnicos especializados por aluno nas escolas, dado o aumento das necessidades de apoio social e psicológicas dos alunos e profissionais.
– O aumento do rácio de Assistentes Operacionais por aluno, assim como dos seus vencimentos. Os assistente operacionais são aqueles, que para lá da sala de aula, garantem o cuidado, o carinho a atenção aos alunos, assim como a limpeza e a ordem dos espaços escolares e, por um lado, têm de saber gerir imensos conflitos como têm de ter uma forte empatia para com as necessidades dos outros.
Por sim, como último apontamento, julgo que urge colocar o tema da Educação no centro da reflexão e alargar essa reflexão a toda a sociedade. Para tal, considero vital que duas ações devam ser tomadas (podem ser mais):
– Uma reflexão honesta dentro de cada escola, dentro de cada agrupamento, sobre o que deve ser feito, já, na escola pública. O que está bem, o que está mal, o que deve ser eliminado o que pode e deve ser melhorado e exigir mudanças à tutela.
– Um debate público alargado sob o tema da educação, com especialistas da área (educadores, professores, técnicos, pedagogos) do qual sairiam as bases de um projeto educativo alargado, com o qual os partidos de maioria parlamentar se comprometeriam (para evitar projetos para uma só legislatura).
A negociação em cima da mesa, relativamente ao modelo de contratação de professores é penalizadora e pouco estimulante para os que já trabalham no ensino como para aqueles que estão a começar. O governo desinveste na educação e nos seus profissionais quando devia investir e motivar. Está a contribuir de forma consciente, para o desgaste do maior pilar da democracia.
Por todas estas razões, e outras tantas, não desistimos e não paramos.
Patrícia Ribeiro, docente do grupo 410 (filosofia) na Escola secundária D. Manuel Martins