A GRANDE MANIFESTAÇÃO DOS PROFESSORES: DAS PALAVRAS O SENTIMENTO

A GRANDE MANIFESTAÇÃO DOS PROFESSORES:

DAS PALAVRAS O SENTIMENTO

 

Um sábado frio e solarengo de inverno. Dia 11 de fevereiro de 2023. Hora marcada, 15 horas. Um dia histórico para os educadores e professores portugueses, para o movimento sindical e para o exercício da cidadania. Portugal e o mundo assistiram à maior Manifestação nacional de Professores de sempre, com apoio solidário popular massivo e maciço, e com a presença de forte solidariedade sindical internacional. Mas, as estrelas, foram mesmo todos os trabalhadores da Educação e Ensino. A docência está de parabéns.

A CNN Portugal falou em 200 mil manifestantes. A comunicação social e os sindicatos, por baixo, falaram em mais de 150 mil manifestantes. Seguramente, algures entre 150 mil e 200 mil manifestantes. Um oceano de gente, de pessoas humanas unidas no mesmo querer, na mesma vontade, na mesma Esperança renovada, com um brilhozinho nos olhos.

 

Carlos Calixto

 

Ninguém me contou. Tal como em 2008, eu estive lá. Tive o privilégio e a honra de ver com os meus olhos in loco, sentir com o meu coração o ambiente fantástico de todos e tantos corações palpitantes, vivenciei axiologicamente o momento, feito de muitos momentos, emocionei-me, senti arrepios e escorreu uma lágrima que os óculos de sol ajudaram a disfarçar. Emoções, muitas e fortes emoções. Revi e abracei Amigos.

A nação dos professores e educadores portugueses, o povo docente disse presente, em uníssono. Resposta ainda mais esmagadora que em 2008. E eu olhei e observei as pessoas. Vi políticos deambulando pelo Marquês. Vi as  selfies para memória e recordação futura. Também vi aqueles que vivem vazios por dentro, sufocados pela máscara do fingimento e da mentira, preocupados com fotografias e vídeos, aparecer nas filmagens, disfarces à paisana, enfeudados ao partido, vi drones filmando (…); vi aqueles que em negação, não aceitam o que são e quem são, sem alma, as lapas do poder. Apenas ficar no retrato.

E continuei olhando, e observando observei o mar de gente a transformar-se num oceano de gente. Gente gira, linda, bonita. E também vi um grande aparato policial, carros, motas, polícias de/em serviço, acompanhados de grandes metralhadoras. Sorri! E mais vi, pessoas, cidadãos anónimos com pequenos cravos de Abril ao peito, a dar e a distribuir lindos cravos de Abril, com um perfume inebriante a verdade, justiça, pureza de sentimentos e a inocência de gente boa, pessoas bem formadas de carácter a Lutar por Dignidade e Respeito. Vi uma luta entre David e Golias e sei, sim, eu sei que no final, o pequeno David vai vencer o grande Golias porque a realidade impõe-se, realiza-se e acontece no tempo determinado. E Este É o Tempo!

E lá começou a marcha. E, meu Deus, eu vi as pessoas a berrar e a gritar palavras de ordem a plenos pulmões. Gritando mais alto que megafones já com as pilhas gastas, gritando com a voz rouca e doendo, afónicas, fazendo a catarse em família, a nossa, a família professoral.

As pessoas eram tantas, tantas, mas tantas que, em bicos de pés e empoleirado, não vi o fim à vista da Manifestação. Jornalistas, rádios, televisões, entrevistas, bombos, trabalho sindical organizado e espontâneo, de improviso. Vi a Avenida da Liberdade cheia (ladeada por milhares e milhares de populares, dançando, batendo palmas, cantando, com mensagens motivadoras de encorajamento, alguns numa espécie de transe telepático de simpatia e apoio à nossa causa, por tudo aquilo que todos sabem e pela salvação da Escola Pública), vi o Rossio cheio, vi o Terreiro do Paço cheio; e vinham aos magotes e iam entrando, com a arma da bandeira em punho, bem levantada lá no alto, cachecóis, slogans, caretos e gigantones, apitos e gaitas, faixas e cartazes com reivindicações. Até vi imaginação e criatividade nos protestos, das mais efusivas e variadas formas, e até por lá andaram as orelhas do Mickey (enormes, em modo Dumbo), em cabeças mensageiras. No Rossio, chamou-me a atenção, o cartaz de uma senhora que em papel de cartão grosso, emendado com fita cola, dizia tudo em poucas palavras: “Senhores professores, por favor NÃO desistam. Lutem pelos vossos direitos”. A “coisa” bateu forte.

O professorado muito agradece e diz muito obrigado a esta cidadã anónima, do povo, que ao contrário do Governo, do Ministério da Educação (ME), e de alguns políticos (que representam o partido e não o povo e muitos professores que os elegeram), percebe o que está a acontecer/acontecendo. Senti um estremecimento e a responsabilidade redobrada. Desistir não é opção. Falhar está fora de questão. A luta É para continuar até à vitória final, com o Acordo de todos os acordos negociado entre a tutela e o professorado. Necessário é plasmar tudo num novo Estatuto da Carreira Docente (ECD). Dar resposta a todas as linhas vermelhas. Dinheiro não é problema quando há vontade política. Falemos, dialoguemos, admitamos um calendário faseado, mas sem mandar para as calendas gregas. Até porque, se alegadamente, só para a Efacec, o Estado injecta todos os meses 10 milhões de euros (Camilo Lourenço, comentário hoje, 13 de fevereiro de 2023, na CMTV), os docentes há duas décadas que vêm empobrecendo e perdendo salário real e poder de compra.

Não se trata de nenhum braço de ferro entre o ME e o Professorado, mas apenas e tão só/somente de Justiça, honrar compromissos, resolver problemas laborais da classe e valorizar/tornar atractiva a profissão docente. É nobreza de carácter reconhecer os erros e emendar a mão. Nós, os professores, estamos aqui, esperando há demasiado tempo. A paz social tem um preço. Os custos do colapso da Escola Pública são irreparáveis para gerações de jovens estudantes.

Os professores e educadores viajaram de todo o país, aos milhares, em centenas de autocarros (foram noticiados mais de 600), de automóvel, de barco, a pé e à boleia, e até de bicicleta, caso do colega Carlos Azedo, com 62 anos e que pedalou mais de 200 kms, do Alentejo até Lisboa, com a mensagem de que estava a repetir 2008: “Manifestação Geral de Professores (…) 15 anos depois tudo na mesma”!

Terreiro do Paço cheio. Discursos no palco. Convidados estrangeiros. A Internacional da Educação. Mais discursos e vivas ao humano rio transbordante, mar e oceano que não parava de encher a Grande Praça, na sua imponência virada para o Tejo. E as bandeiras ai, tantas bandeiras, de todas as cores, grandes e menos grandes, agitadas ao vento, num frenesim sem fim, sem ninguém querer arredar pé. E alguém gritou, “e a seguir Pink Floyd”. Derrubar a parede que oprime e deprime. E foi, foi lindo, único, humano e humanista, quase transcendental. Professores mais jovens, os novos e de meia idade, os mais jurássicos (o meu caso), em princípio e fim de carreira, no 10º escalão (senadores, vão sendo uma raridade), aposentados, estudantes futuros professores, todos homenageando e todos sendo homenageados.

Cai a sombra escura da noite e não paravam de chegar mais e mais colegas. Parecia o milagre da multiplicação. Eram/foram tantos, tantos, impossível contá-los; como é impossível contar cada gota de todas as gotas do oceano. E vi drones a “intimidar” alguns, filmando na noite, piscando luzes verdes e vermelhas. Mas vi outra coisa. Vi o brilho do pensamento no olhar de luz de todos os manifestantes a iluminar a noite escura. E a celebração continuou.

Já noite, recolher o material da luta, o regresso e uma chuva miudinha que começou a cair. Caminhar vários kms, chuva pingando, engrossando, passar Santa Apolónia, continuar caminhando, atravessar o Viaduto do comboio, continuar caminhando e abrandar por causa de alguns colegas que iam ficando para trás, encontrar a camioneta que transportou o nosso grupo. Um grupo de 9 colegas perdeu-se. Fomos dois à procura. Localização GPS. “Quase que chegavam à Expo”, tal a firmeza da/na caminhada. Sinceramente, nunca vi tamanha firmeza e determinação na classe docente. Os professores mais parecem/são uma tropa de élite muito bem treinada e disciplinada, que sabem o que querem e apontam o caminho, “soldados que dão lições aos oficiais do ME”, de cidadania e civismo. Os colegas perdidos, entretanto   achados, encontrados e regressados, afirmaram sorrindo, não estar cansados. Impressionante! Depois de um dia árduo e tão cansativo. Sem palavras!

ME, ausculta os professores, ouve e escuta, entende o âmago e essência íntima da questão, da lancinante tormenta dos problemas docentes, e resolvamos, por favor. Urge pacificar as escolas. Obrigado.

Partida, comer a última sandocha, saída pela ponte Vasco da Gama, paragem na estação de serviço Galp Alcochete, para o inevitável chichi, com filas enormes e vários minutos de espera, suportado durante horas (mesmo evitando beber água e líquidos), o sentido do dever cumprido e alguns colegas a dormir. (A entrada foi pela ponte 25 de abril, paragem em Alcácer do Sal).

Terminamos (singular plural majestático), com a referência ao facto de no nosso autocarro, irem duas menores; a filha de uma colega e uma amiguinha. Interpelada a colega por mim, a resposta pronta foi: “Lição de cidadania”.

O retirar da identificação do autocarro dos vidros da frente/pára brisas e do vidro de trás.

A todo o professorado, educadoras(es) e professoras(es) portugueses, do continente e das ilhas, Açores e Madeira, aos colegas vindos do estrangeiro, organizações, e ao povo português, que vieram dar apoio solidário e altruísta, o nosso Obrigado por tudo e o nosso Amor por tudo.

Muitos Parabéns a todos! Bem hajam!

O brilho nos olhares é agora mais intenso, estamos mais unidos, e vão acontecer as cores do arco-íris e o deslumbramento da aurora boreal. Vamos viver um dia de cada vez, com a Esperança que É Certeza. Somos docentes, cidadãos livres, conscientes, com massa crítica, a Educar e a Ensinar as futuras gerações, com esta grande lição de democracia e cidadania participada.

Acontece(u) Ser Professor!!!

CCX.

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2023/02/a-grande-manifestacao-dos-professores-das-palavras-o-sentimento/

7 comentários

Passar directamente para o formulário dos comentários,

    • Mocas on 13 de Fevereiro de 2023 at 23:33
    • Responder

    Vai acreditando, vai…
    Dia 15 já vais ver as mocadas outra vez dadas!!

    • AO on 14 de Fevereiro de 2023 at 0:01
    • Responder

    Não pararemos! Nunca.
    A Luta segue.

    • Concordo on 14 de Fevereiro de 2023 at 6:00
    • Responder

    Colegas, eles lá nos sindicatos que continuem a medir as coisas deles…
    Isto já não tem nada a ver com eles e as coisinhas deles.
    Isto é dos professores e vamos para a frente!
    Luto não visto! Flores levo e vigílias também faço!

    • desaparecido on 14 de Fevereiro de 2023 at 8:31
    • Responder

    Onde anda o Departamento jurídico do STOP? Porque não reage o STOP a este atentado à greve?

    • Virgínia Amaral on 14 de Fevereiro de 2023 at 10:02
    • Responder

    Parabéns pelo texto, ilustrou bem a manifestação, a força e vitalidade de todos e a vontade de continuar a luta.
    Tantos colegas que não se viam à anos, por estarem em constante movimento entre escolas e zonas diferentes, abraçavam-se, cumprimentavam-se, procuravam-se, trocavam de novo os contactos, outros marcharam com os de escolas por onde tinham passado. Foi de facto uma grande festa da consciência democrática.
    Bom trabalho a todos e que a luta tenha resultados em breve.
    Até sempre colegas.

    • Maria Lopes on 14 de Fevereiro de 2023 at 17:56
    • Responder

    Texto maravilhoso. Parar nunca será opção.

    • Ana Navas on 15 de Fevereiro de 2023 at 20:20
    • Responder

    Texto excecional. Parar nunca.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

WP2Social Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Seguir

Recebe os novos artigos no teu email

Junta-te a outros seguidores: