Partilha de angústias e desalentos

 

Sou professora do 1º ciclo do Ensino Básico e hoje, durante a viagem, que realizo sozinha, desde a minha área de residência até à escola onde leciono, que dista cerca de 100 km, decidi escrever o presente artigo e partilhar algumas tristezas, angústias, preocupações e até revoltas.

Provavelmente, e para o efeito, deveria procurar ajuda de um psicólogo ou até psiquiatra, mas, como mencionei anteriormente, para me deslocar para o meu local de trabalho, faço cerca de 200 km por dia, o que implica um gasto de combustível e portagens que não me possibilita ser acompanhada por um especialista da área. O meu vencimento não “estica” e parte dele fica, como se diz na gíria “na estrada”. Claro que tenho ADSE, no entanto médicos com comparticipação direta nestas especialidades são muito escassos e não posso dar-me ao luxo, neste momento, de esperar cerca de dois meses pelos valores que se antecipam.

Nos últimos anos, tive oportunidade de ficar colocada por mobilidade por doença perto da minha área de residência. Contudo, este ano, e face às alterações, que todos nós conhecemos, não beneficiei da mesma. Pese embora tivesse sido admitida, não fui colocada, tal como muitos professores.

A não colocação não me permitiu, nem permite apoiar aqueles que de mim carecem.

Agora, e uma vez que já há algumas semanas viajo e saio de casa pela manhã e regresso ao final da tarde, sinto que abandono os que mais amo para fazer aquilo que me faz feliz e realizada: ser professora. 

Será justo para mim e para eles? Estarei a ser boa mãe e boa esposa? 

Mudanças num concurso de mobilidade por doença. Porquê agora? Combater a falta de professores em algumas zonas do país? Este grito, esta preocupação não é recente. Há muito tempo que se tem vindo a falar desta escassez. Pergunto-me se a situação está resolvida, pois vejo pais nas portas da escola a dizerem que há turmas sem professores e que os filhos não têm aulas.

Como vamos cativar e conquistar os nossos jovens para a docência? Não creio que seja através do que eles observam no dia-a-dia na comunicação social, ou mesmo por aquilo que vivem nos seus próprios lares. A título exemplificativo, tenho os meus filhos, que também são netos de professores, que não querem exercer funções docentes. Quando os interpelamos, são diversos os motivos apontados: os professores trabalham muito, não são valorizados, ganham mal, deslocam-se para grandes distâncias, arriscando, diariamente, a sua vida. Estes são alguns dos motivos por eles apontados. 

Por muito que eu e o pai, ambos profissionais do ensino, lhe digamos que foi um ano atípico, não podemos esconder algumas angústias. Eu não consigo! Perdoem-me, meus filhos, por não conseguir afastar-vos das minhas lágrimas quando vejo que aparecem colocações anuais nas reservas de recrutamento, onde professores menos graduados do que eu são colocados onde eu desejo estar. Como é que isto é possível? As melhores vagas ficam para depois. Questiono-me por que motivo, no início de carreira, fui aventureira e procurei lecionar num local onde era sabido que ficaria todo o ano, a fim de procurar obter uma graduação melhor. Não vale a pena tanto esforço, pois agora, mais graduada, fico a uma distância de 200 km diários, enquanto que menos graduados, aqui, próximos de casa. Não culpo os colegas, com toda a certeza! Dizem que são aposentações? Argumentam com a criação de turmas? Turmas? Neste momento do ano letivo? De onde vêm os alunos que possibilitam a criação de novas turmas?

Outra questão que me inquieta são as mobilidades estatutárias. Recordo-me de ouvir que estas mobilidades não iriam substituir as mobilidades por doença. O que observo é que há professores colocados por mobilidade estatutária e que, no ano transato, estiveram colocados por mobilidade por doença. Bora lá! Permutamos uma pela outra! Mas só alguns é que puderam beneficiar da mesma. E o mais estranho, esses professores estão a desempenhar funções que outrora já faziam, aquando da colocação por mobilidade por doença. Não é uma alternativa? Não é um contorno do sistema? O que lhe podemos chamar?

Como posso não ter um sentimento de revolta?

Mais uma vez, observamos que há sorte para tudo! Não é verdade? Ou serão apenas contempladas algumas pessoas? 

O que me dá alento são as palavras da minha mãe, também professora durante quase quarenta anos, que me diz “Tu és capaz, tu consegues, acredita!”, assim como o olhar dos meus alunos quando entro na sala de aula, que me fazem esquecer a hora de viagem e me fazem acreditar que é compensador ser professor, que é bom fazer parte das suas vidas e vê-los a crescer.

Sou, efetivamente, uma atriz, tal como me ensinaram na Universidade. Os meus problemas pessoais ficam do lado de fora do portão! Contudo, o meu coração fica mais pequeno, cada vez que me lembro dos que deixei, a minha família, e que, em momentos de aflição, demoro muito tempo para poder estar junto deles. 

Agradeço, e muito, a todos os que me receberam no agrupamento em que hoje estou colocada, agrupamento do meu Quadro de Zona Pedagógica. O meu muito obrigada por todo o carinho e sorriso que dispensaram e dispensam todos os dias!

Desconhecido

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