Munidos com cartas para entregar a quem os quisesse receber, nomeadamente o Presidente da República, o ministro da Educação ou os deputados, no sentido destes pedirem a fiscalização do Estatuto da Carreira Docente, os manifestantes aguardaram em silêncio as intervenções do presidente da Câmara Municipal de Lisboa e do Presidente da República para, no final da cerimónia, iniciarem o protesto.
Terminada a cerimónia, a voz desta centena de professores que, segundo o Movimento dos Professores Monodocentes (MPM), veio de todo o país, apelou por “justiça”.
“Senhor Presidente, venha falar connosco” e “Senhor ministro, temos uma carta para si” foram algumas das frases que os manifestantes entoaram neste Dia Mundial do Professor.
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Hoje é o vosso dia, o dia dos resilientes, daqueles que trabalham horas afim para tirar do papel uma aula ou um projeto, que é por vezes impensável, daqueles que mudam, mentes e pessoas, daqueles que fazem da escola o mais importante da sociedade, daqueles que percorrem quilómetros para fazer os possíveis e os impossíveis, daqueles que não são valorizados pelo Ministério da Educação.
É graças a vocês que hoje em dia ainda temos ensino em Portugal, é graças a vocês que ainda temos um ensino de qualidade, é graças a vocês que vários jovens ainda sonham ser professores.
Obrigado professores deste país, por serem uma inspiração para mim e para muitos.
Obrigado também aos meus professores que fizeram e fazem-me sonhar mais alto. É com muito carinho que me vou lembrar daqueles heróis.
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Desde que há escolas que os professores devem estar sempre preparados para a prestação de duas contas: como gerem o programa da disciplina que leccionam e como avaliam os alunos. Contudo, e por influência das políticas neoliberais, aplicou-se aos professores uma espécie de inversão do ónus da prova.
Texto:
– É o Paulo Prudêncio? – perguntaram do outro lado da linha. – Sim – respondi. – Sou Marco X. Venho entregar a encomenda y a sua casa, mas ninguém atende. – Abra o portão e vá em frente. Percorre uns cinco ou seis metros e tem à sua direita um resto de lenha por baixo do vão de umas escadas. Deixe aí a encomenda, por favor – sugeri-lhe. – Ok. Muito bem. Já percebi. Deixo por trás da lenha. – Exacto. Obrigado. Tenha um bom dia. – Igualmente.
Este diálogo incluiu a confiança como a palavra-chave que consolidou a sociedade da informação e do conhecimento. É evidente que a recepção da encomenda podia correr mal. Mas correu bem. Confia-se e o comércio electrónico faz o caminho da simplificação. Há desvios? Claro que haverá. Mas as sociedades avançam se ao clima de confiança se associar uma justiça célere e eficaz.
E ao se acordar, tarde e finalmente, para a falta de professores, considere-se a desconfiança em quem ensina. Perceber-se-á o inferno burocrático e até o défice democrático. Estude-se a relação informacional destes profissionais com as escolas, e destas com o Ministério da Educação (ME) ou até no interior do ME; o simples acto de receber a encomenda x exigiria uma teia de planos, projectos, relatórios, actas e plataformas digitais.
É desafiante desconstruir, neste breve registo, este monstro que “adoeceu” os professores e que Governo e sindicatos reconvocam para a mesa negocial com um preocupante desconhecimento do universo informacional ao circunscrevê-lo à penosa tarefa burocrática de um grupo específico (directores de turma).
Mas centremos o debate. Desde que há escolas que os professores devem estar sempre preparados para a prestação de duas contas: como gerem o programa da disciplina que leccionam e como avaliam os alunos.
Contudo, e por influência das políticas neoliberais – reduziram investimento descredibilizando a escola pública e os seus professores -, aplicou-se aos professores uma espécie de inversão do ónus da prova (IOP). A institucionalização da desconfiança traduziu-se no registo de todos os passos de planificação e avaliação, com o argumento da correcção dos desvios à profissionalidade. Em linguagem comum de gestão, nivelou-se por baixo e tornou-se medíocre toda a organização. E recorde-se que, e a pensar num leitor menos versado, os programas das disciplinas, e os critérios de avaliação dos alunos, constam dos documentos essenciais do ME; e são públicos.
E se em relação ao domínio científico a IOP foi uma impossibilidade, já nas didácticas cresceu para um inferno de procedimentos repetidos e inúteis. Estes domínios, objectos de formação inicial, profissionalizante e contínua, não devem integrar as plataformas digitais (entregues a empresas privadas) e muito menos usar processadores de texto, folhas de cálculo e correio electrónico como se fossem bases de dados.
A bem dizer, a transição para o digital acentuou a IOP. Agravou-se com os mega-agrupamentos de escolas. O aumento da escala da gestão “exigiu” plataformas digitais totalmente preenchidas, com a ilusão de um controlo não contrariado pela avaliação externa das escolas.
Buscando um pequeno exemplo perceptível, inseriram-se os horários dos professores em plataformas digitais e os sumários (a sua existência é um modelo de IOP) têm um limite temporal para o preenchimento em ambientes de exasperante lentidão ou de interrupção de servidores e de sinal de internet. Para lá do prazo, exige-se a justificação. Interrogar-se-á o leitor: mas é aí que se marcam as faltas dos professores? Não. As faltas são, e bem, sinalizadas por assistentes administrativos e operacionais. É, portanto, um ambiente de inutilidades diárias que desgasta e contribui para o tão estudado burnout.
Para além do que foi dito, as escolas são o espelho do ME no desnorte burocrático e no clima de desconfiança. É iniludível a incapacidade do ME em organizar e catalogar o que amontoou anos a fio. A AdeA, empresa luso-espanhola especializada em gestão documental, foi escolhida pelo ME (DGE) para tratar 35.000 pastas e 3.500 metros de prateleiras. Para o director-geral da AdeA em Portugal, “a documentação acumulada não tem qualquer instrumento de descrição de arquivo, pelo que a localização e recuperação de qualquer documento ou informação torna-se uma tarefa quase impossível”. Aliás, qualquer concurso no âmbito escolar que requisite a confirmação de dados pode cair num clima de suspeição.
Mas a desconfiança nos professores também provocou um défice democrático. Recordem-se dois detalhes significativos ocorridos numa reunião, por volta de 2004, em Lisboa, com dirigentes escolares da maioria dos países da Europa. Percebeu-se a sua inveja com a legitimação democrática de quem geria as escolas portuguesas e com o testemunho de confiança que recebiam. A eleição num caderno eleitoral que incluía todos os profissionais da educação, e vários representantes dos encarregados de educação, já quase só existia por cá. As políticas neoliberais acabaram com esse devaneio (por cá foi em 2009) e já se preconizava a falta de professores que viria a assolar a Europa.
A agenda da reunião incluía o estudo de um software integrado de gestão muito prospectivo. Mas a questão mais intrigante para os dirigentes europeus parecia menor: a justificação das faltas dos alunos.
Após alguma perplexidade, entendeu-se: espantavam-se como tantas crianças e jovens portuguesas faltavam às aulas sem conhecimento dos encarregados de educação e consideravam inadmissíveis os procedimentos plasmados no artigo 20.º (faltas injustificadas) no nº 3 do estatuto do aluno em Portugal (ainda está em vigor): “As faltas injustificadas são comunicadas aos pais ou encarregados de educação ou, quando maior de idade, ao aluno, pelo director de turma ou pelo professor titular de turma, no prazo máximo de três dias úteis, pelo meio mais expedito.” Ou seja, para o legislador, o aluno que falta, mesmo já adulto, não sabe o horário escolar nem sequer que faltou. Tem que ser o professor a informá-lo; e com prazo.
Acima de tudo, foi fatal não confiar nos professores exigindo-lhes a inversão do ónus da prova. É óbvio que contribuiu uma máquina sem sala de aula que sobrevive neste ambiente. É crucial libertar os professores. Confiar não pode ser uma ficção retórica e urge a emersão da prestação de contas informada, moderna, sensata e inteligente.
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Lide (lead): Desde que há escolas que os professores devem estar sempre preparados para a prestação de duas contas: como gerem o programa da disciplina que leccionam e como avaliam os alunos. Contudo, e por influência das políticas neoliberais, aplicou-se aos professores uma espécie de inversão do ónus da prova.
Texto:
– É o Paulo Prudêncio? – perguntaram do outro lado da linha. – Sim – respondi. – Sou Marco X. Venho entregar a encomenda y a sua casa, mas ninguém atende. – Abra o portão e vá em frente. Percorre uns cinco ou seis metros e tem à sua direita um resto de lenha por baixo do vão de umas escadas. Deixe aí a encomenda, por favor – sugeri-lhe. – Ok. Muito bem. Já percebi. Deixo por trás da lenha. – Exacto. Obrigado. Tenha um bom dia. – Igualmente.
Este diálogo incluiu a confiança como a palavra-chave que consolidou a sociedade da informação e do conhecimento. É evidente que a recepção da encomenda podia correr mal. Mas correu bem. Confia-se e o comércio electrónico faz o caminho da simplificação. Há desvios? Claro que haverá. Mas as sociedades avançam se ao clima de confiança se associar uma justiça célere e eficaz.
E ao se acordar, tarde e finalmente, para a falta de professores, considere-se a desconfiança em quem ensina. Perceber-se-á o inferno burocrático e até o défice democrático. Estude-se a relação informacional destes profissionais com as escolas, e destas com o Ministério da Educação (ME) ou até no interior do ME; o simples acto de receber a encomenda x exigiria uma teia de planos, projectos, relatórios, actas e plataformas digitais.
É desafiante desconstruir, neste breve registo, este monstro que “adoeceu” os professores e que Governo e sindicatos reconvocam para a mesa negocial com um preocupante desconhecimento do universo informacional ao circunscrevê-lo à penosa tarefa burocrática de um grupo específico (directores de turma).
Mas centremos o debate. Desde que há escolas que os professores devem estar sempre preparados para a prestação de duas contas: como gerem o programa da disciplina que leccionam e como avaliam os alunos.
Contudo, e por influência das políticas neoliberais – reduziram investimento descredibilizando a escola pública e os seus professores -, aplicou-se aos professores uma espécie de inversão do ónus da prova (IOP). A institucionalização da desconfiança traduziu-se no registo de todos os passos de planificação e avaliação, com o argumento da correcção dos desvios à profissionalidade. Em linguagem comum de gestão, nivelou-se por baixo e tornou-se medíocre toda a organização. E recorde-se que, e a pensar num leitor menos versado, os programas das disciplinas, e os critérios de avaliação dos alunos, constam dos documentos essenciais do ME; e são públicos.
E se em relação ao domínio científico a IOP foi uma impossibilidade, já nas didácticas cresceu para um inferno de procedimentos repetidos e inúteis. Estes domínios, objectos de formação inicial, profissionalizante e contínua, não devem integrar as plataformas digitais (entregues a empresas privadas) e muito menos usar processadores de texto, folhas de cálculo e correio electrónico como se fossem bases de dados.
A bem dizer, a transição para o digital acentuou a IOP. Agravou-se com os mega-agrupamentos de escolas. O aumento da escala da gestão “exigiu” plataformas digitais totalmente preenchidas, com a ilusão de um controlo não contrariado pela avaliação externa das escolas.
Buscando um pequeno exemplo perceptível, inseriram-se os horários dos professores em plataformas digitais e os sumários (a sua existência é um modelo de IOP) têm um limite temporal para o preenchimento em ambientes de exasperante lentidão ou de interrupção de servidores e de sinal de internet. Para lá do prazo, exige-se a justificação. Interrogar-se-á o leitor: mas é aí que se marcam as faltas dos professores? Não. As faltas são, e bem, sinalizadas por assistentes administrativos e operacionais. É, portanto, um ambiente de inutilidades diárias que desgasta e contribui para o tão estudado burnout.
Para além do que foi dito, as escolas são o espelho do ME no desnorte burocrático e no clima de desconfiança. É iniludível a incapacidade do ME em organizar e catalogar o que amontoou anos a fio. A AdeA, empresa luso-espanhola especializada em gestão documental, foi escolhida pelo ME (DGE) para tratar 35.000 pastas e 3.500 metros de prateleiras. Para o director-geral da AdeA em Portugal, “a documentação acumulada não tem qualquer instrumento de descrição de arquivo, pelo que a localização e recuperação de qualquer documento ou informação torna-se uma tarefa quase impossível”. Aliás, qualquer concurso no âmbito escolar que requisite a confirmação de dados pode cair num clima de suspeição.
Mas a desconfiança nos professores também provocou um défice democrático. Recordem-se dois detalhes significativos ocorridos numa reunião, por volta de 2004, em Lisboa, com dirigentes escolares da maioria dos países da Europa. Percebeu-se a sua inveja com a legitimação democrática de quem geria as escolas portuguesas e com o testemunho de confiança que recebiam. A eleição num caderno eleitoral que incluía todos os profissionais da educação, e vários representantes dos encarregados de educação, já quase só existia por cá. As políticas neoliberais acabaram com esse devaneio (por cá foi em 2009) e já se preconizava a falta de professores que viria a assolar a Europa.
A agenda da reunião incluía o estudo de um software integrado de gestão muito prospectivo. Mas a questão mais intrigante para os dirigentes europeus parecia menor: a justificação das faltas dos alunos.
Após alguma perplexidade, entendeu-se: espantavam-se como tantas crianças e jovens portuguesas faltavam às aulas sem conhecimento dos encarregados de educação e consideravam inadmissíveis os procedimentos plasmados no artigo 20.º (faltas injustificadas) no nº 3 do estatuto do aluno em Portugal (ainda está em vigor): “As faltas injustificadas são comunicadas aos pais ou encarregados de educação ou, quando maior de idade, ao aluno, pelo director de turma ou pelo professor titular de turma, no prazo máximo de três dias úteis, pelo meio mais expedito.” Ou seja, para o legislador, o aluno que falta, mesmo já adulto, não sabe o horário escolar nem sequer que faltou. Tem que ser o professor a informá-lo; e com prazo.
Acima de tudo, foi fatal não confiar nos professores exigindo-lhes a inversão do ónus da prova. É óbvio que contribuiu uma máquina sem sala de aula que sobrevive neste ambiente. É crucial libertar os professores. Confiar não pode ser uma ficção retórica e urge a emersão da prestação de contas informada, moderna, sensata e inteligente.
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No recrutamento direto dos professores para os quadros há que acautelar clientelismos locais de vária índole, inevitáveis conflitos de interesses, bem como algum caciquismo escolar que possa existir.
Foi a UNESCO que decretou há muito o dia 5 de outubro como o Dia Mundial dos Professores e ele continua a assinalar-se um pouco por todo o Mundo, pois a profissão docente é uma das profissões mais impactantes na preparação das crianças e dos jovens e, desse modo, pode-se dizer – para o bem e para o mal – que ela é construtora de futuro. Também por esta ordem de razões o respetivo estatuto de carreira, o papel e a imagem social do corpo docente mobilizam os próprios, os diferentes órgãos de soberania e também a sociedade civil.
Vem tudo isto a propósito da ideia do Ministério da Educação de, em sede de revisão do regime legal de concursos para a docência, pretender colocar em crise a chamada lista nacional de graduação profissional e passar para cada uma das escolas ou agrupamentos a responsabilidade de procederem ao recrutamento (direto) dos professores, sendo que (pelo menos) numa primeira fase apenas procederiam ao recrutamento de um terço do respetivo quadro docente.
Na linha desta ideia (digo ideia porque, até à data, o Ministério ainda não apresentou uma proposta formal por escrito, v.g. nas reuniões que já realizou com os sindicatos), foi apresentada há dias pela SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social uma proposta na linha do pensamento do atual Ministro da Educação, mas de acordo com a qual os concursos de vinculação de professores aos quadros passariam a ter duas etapas: na primeira delas mantinha-se o concurso nacional que geraria umashortlist(de 5 professores) e uma segunda etapa na qual cada escola decidia por si (a tal autonomia concedida aos Diretores de escola de que não raro os professores se queixam…) qual o professor dessa lista que teria direito a ingressar no seu quadro de trabalhadores efetivos da Administração Pública.
Confissão de interesses, devo dizer que sou associado da SEDES, participei presencialmente em alguns dos debates por si organizados, no âmbito do ciclo de conferências do cinquentenário da fundação desta muito respeitável associação política. Aliás, acabo de receber o convite para a tomada de posse do Conselho Coordenador da sua Distrital de Aveiro.
Todavia, como professor do ensino secundário e como jurista, sinto que tenho o dever cívico de escrutinar esta proposta relativa ao corpo docente e de a submeter à publicidade crítica (para usar os termos de um dos meus antigos professores de Direito Constitucional, o professor J.J. Gomes Canotilho).
Importa começar por dizer que o recrutamento de professores com base no perfil de competências dos candidatos não é novo na escola pública portuguesa. Até 2016 as escolas tinham autonomia para procederem ao recrutamento de professores contratados com base num perfil de competências por si elaborado. Era a BCE – Bolsa de Contratação de Escola, relativamente à qual foram surgindo notícias de casos de amiguismos, favoritismos e de “fatos à medida” de quem se tinha em vista recrutar. Um dos casos de nepotismo então noticiado foi o da filha de um Vereador do respetivo município.
Não por acaso, quando o atual Ministro era Secretário de Estado da Educação procedeu-se à extinção dessa famigerada BCE. Por isso se estranha agora a sua intenção nesta matéria, pois corre-se o risco de voltarmos a ter perfis de competência elaborados à “medida dos candidatos” como se assistiu naquele passado.
Em tese até sou defensor de uma Administração Pública de proximidade, mas o recrutamento para os quadros é questão diferente, pois, particularmente, em meios mais pequenos, onde quase toda a gente é família, parente ou amigo, sem suficiente massa-crítica, há que acautelar clientelismos locais de vária índole, inevitáveis conflitos de interesses, bem como algum caciquismo escolar que possa existir.
De acordo com a proposta sub judice da SEDES, a seleção do professor seria «implementada pelo júri local da escola, baseada em análise documental,portfoliosou entrevista, visando a ordenação final dos candidatos incluídos nashortlist».
Salvo melhor opinião, parece-me que esta proposta olvida, nomeadamente, o facto de que, de acordo com a lei geral da Administração Pública, alguém que já faça parte dos quadros tem de ter prioridade na mudança de quadro de escola.
O grande óbice desta proposta reside no facto de que, como cada professor pode concorrer a nível nacional, regional e local, “no fim do dia” ficará a pertencer a váriasshortlistde diferentes escolas que irão avaliá-lo através de entrevista,portfolioou como melhor entenderem. No caso de professores que concorram a todas as escolas, por exemplo, de Braga, os mesmos cinco professores podem estar na lista finalista de todas as escolas que precisem de um professor daquele grupo de docência e no final corre-se o risco de já não haver nenhum.
O mesmo professor, para garantir a vinculação aos quadros (da Administração Pública, pois o ensino privado pode ter outras lógicas na seleção de professores), começa por ficar colocado numa pluralidade de escolas, nenhuma delas sabendo por qual delas ele irá optar.
Em face do supra aduzido, sendo embora uma proposta algo inovadora e arrojada, que merece ser considerada no debate público, configura um modelo extraordinariamente burocrático, potenciador de férteis reclamações, recursos e contencioso que ainda irá atrasar muito mais o procedimento de recrutamento e colocação de professores, bem como a abertura em pleno dos anos letivos. Aquilo que com ele se possa almejar não justifica o investimento de recursos pedagógicos e de toda a espécie que as escolas lhe teriam de afetar e de que até nem dispõem.
Não dispõem por exemplo de um quadro robusto (nem sem ser robusto) de juristas capazes de darem andamento em tempo útil às impugnações concursais (como acontece nas universidades e politécnicos, mas que dele dispõem) para tantos grupos de docência e para tantos candidatos globalmente considerados.
Enfim, é um modelo bem intencionado, muito criativo, mas cuja aplicação e execução no “terreno” se iria revelar pouco ou nada eficaz e eficiente. A sua sorte seria mais cedo ou mais tarde a extinção, a exemplo do que sucedeu com a BCE. Decididamente, não é desta forma que teremos professores mais motivados, que se melhora significativamente a qualidade de ensino ou que se combate a escassez de professores.
Os jovens portugueses não querem ser professores, não veem qualquer atratividade na profissão, e é portanto urgente fazer reformas significativas no modelo de recrutamento e nas condições de trabalho.
O ano letivo anterior terminou com cerca de 7 mil alunos sem, pelo menos, um professor. O presente ano letivo arrancou com cerca de 60 mil alunos nessa mesma posição.
O acesso à educação é um direito fundamental, e cabe ao estado garantir esse acesso, escolas inclusivas e um ensino público de qualidade.
Enquanto a Finlândia é apontada como um dos países com o melhor sistema educativo do mundo, e Espanha se prepara para uma grande reforma no seu sistema de ensino, que passa a ser mais centrado no desenvolvimento de competências e menos na memorização, em Portugal nem sequer existem professores para todos os alunos. Estamos ao nível dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
A educação é uma peça fundamental do elevador social (que o ministro da educação diz estar a funcionar), e a única esperança que uma criança pobre tem de poder vir a ter uma vida melhor do que aquela que os seus pais lhe puderam dar. É na educação que reside o futuro da nossa nação, a esperança de um país mais competitivo e melhor para viver.
Não é admissível que, em pleno século XXI, na Europa, num país que se diz desenvolvido, a educação não chegue a todos de igual forma. E se, em Portugal, o local e a família onde se nasce já condicionam a construção de um projeto de vida, é na escola que essas barreiras têm que ser diminuídas. Hoje um jovem português que nasce numa família pobre leva, cerca de, 5 gerações a alcançar a classe média. E o seu único caminho para o fazer é pela educação.
Cabe, portanto, ao Estado combater as sucessivas falhas que a escola pública apresenta, principalmente, a falta de professores que tem sido motivo de vergonha para qualquer português.
No início deste ano letivo, 60 mil alunos não tinham, pelo menos, um professor. São 60 mil alunos que, se conseguirem ter professor até ao final do ano, vão ter menos tempo para lecionar a matéria de um programa curricular que, por si só, já é extenso. São, muitos deles, alunos que em junho terão de fazer exames nacionais ou provas de aferição a uma disciplina que não lhes foi lecionada por completo. Indica-nos um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que dentro de 3 anos este número pode alcançar os 250 mil alunos, metade dos hoje matriculados no 3º ciclo e ensino secundário.
A par disso, um estudo da Universidade Nova de Lisboa indica que, até 2030, terão de entrar no sistema cerca de 34.500 novos professores, apenas para fazer face à falta já existente e aos pedidos de reforma que se esperam até lá. Isto significa que universidades e politécnicos vão ter de duplicar o número anual de diplomados, o que é, praticamente, impossível.
A português, por exemplo, a situação é ainda mais grave, até 2025 serão necessários, no mínimo, 232 novos professores por ano, mas saem das universidades e politécnicos portugueses, anualmente, cerca de 50 alunos prontos a lecionar.
Os jovens portugueses não querem ser professores, não veem qualquer atratividade na profissão, e é portanto urgente fazer reformas significativas no modelo de recrutamento, nas condições de trabalho, mas também, no sistema de ensino, para o tornar mais atual e eficaz.
Todas as profissões estão a mudar, a digitalizar-se, a tornar-se mais atrativas e a adaptar-se cada vez mais ao século XXI, é fundamental que a profissão de professor acompanhe também esta inovação. Os futuros professores nasceram já com a tecnologia na ponta dos dedos e os futuros alunos ainda mais, a escola tem que se atualizar e tornar mais interessante.
Hoje, no 3º ciclo e ensino secundário, por cada 100 professores com menos de 30 anos, há 3 187 professores com mais de 50 anos. Se em 2000 estávamos em 21º na tabela da União Europeia, hoje, somos o 2º país europeu com os números mais preocupantes.
Depois de uma pandemia, onde a educação superou barreiras e teve de se adaptar sem qualquer tipo de preparação prévia, era necessário voltar em força para recuperar o que foi ficando para trás e continuar o caminho que ainda precisa de ser feito.
A educação está em estado de calamidade e o futuro do nosso país altamente comprometido, cabe ao governo assumir, de uma vez por todas, as suas responsabilidades e tomar medidas urgentes para combater os resultados do abandono em que tem deixado a educação nos últimos anos.
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A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) alerta que Portugal pode vir a debater-se com a falta de professores num futuro próximo.
No relatório “Education at a Glance 2022”, publicado esta segunda-feira, a organização dá conta de um corpo docente muito envelhecido, em que os professores com mais de 50 anos representam 45% do total de todos os níveis de educação, valor acima da média dos países analisados (40%).
A OCDE também destaca a subida pouco acentuada dos salários. Entre 2015 e 2021, o vencimento dos professores do terceiro ciclo com 15 anos de experiência aumentou em média 3%, o que corresponde a metade do aumento médio nos restantes países da organização (6%).
Também preocupante para a instituição é a falta de pessoas a entrar na carreira docente e a enveredar pela área. De acordo com os dados, a Educação é o ramo com menor procura no ensino superior (licenciaturas e mestrados), com apenas 4% do total de novos estudantes a ser colocado nesta área de estudo.
“Este facto, juntamente com o envelhecimento do corpo docente, suscita preocupações quanto a uma escassez de professores num futuro próximo em Portugal”, pode ler-se no relatório.
A organização refere também que a carga horária das aulas e a carga de trabalho não relacionada diretamente com a componente letiva, como a comunicação com os pais e encarregados de educação, “pode também afetar a decisão de ingressar na carreira docente”.
Apesar dos problemas, a OCDE destaca a elevada qualificação dos docentes portugueses. Na faixa etária dos 25 aos 64 anos, 88% dos professores completaram, pelo menos, o mestrado, algo explicado pelo facto de a educação no 2.º ciclo do ensino superior ser obrigatória para ingressar na profissão.
A organização deu algumas sugestões para melhorar o panorama da educação em Portugal. “Para melhorar o ambiente de aprendizagem e a organização das escolas, seria benéfico um aumento oportunidades relevantes para o desenvolvimento profissional dos professores, maiores incentivos ao envolvimento no trabalho colaborativo e conceder mais autonomia às escolas para escolherem os professores cujos perfis melhor se adaptam às suas necessidades”, escreve a organização.
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Assinalamos, hoje, 5 de outubro, o Dia Mundial do Professor com uma campanha de alerta para algo que, todos sabemos, não é claro nem transparente.
Temos lutado para que NUNCA se banalize a autonomia das escolas desta forma! A Lista de Graduação Profissional é um dos únicos instrumentos que garante justiça a todos os docentes.
Junte-se a nós, REJEITE esta solução para os concursos de professores apresentada pelo Ministério da Educação.
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Na verdade, o problema da casa às costas, e eu sei como vou apanhar por dizer isto, não é problema no Estado. É das escolhas individuais de casa e de concurso (porque o concurso é um jogo de escolhas encadeadas limitadas pelo “capital para jogar”).
Manipular as regras do jogo e mexer na forma de obter capital não aumenta, senão marginalmente, o número de jogadores. Em especial, se acharem que o jogo lhes faz mal.
E quando o ministro aparece muito solícito a “tentar resolver” fico logo alarmado. Da última vez que alguém “tentou resolver” saiu a treta da “continuidade pedagógica” e a colocação a 4 anos.
Haverá sempre gente longe de casa (as preferências pelo litoral e certos sítios para morar, não se equivalem às necessidades de pessoal docente: são mapas de distribuição diferentes).
Há muitos casos em que a colocação longínqua resulta também de não saber concorrer e de escolhas levianas (e lá vou eu apanhar…). Mas vejam a quantidade de gente que, em grupos de FB, se lamenta de que vai desistir de colocações. Se foi colocado é porque escolheu concorrer.
O governo vem falar de concursos locais. Essa solução vai ser pior para os deslocados porque, depois de ocupados os lugares desejados, só vão sobrar desterros.
E vai aumentar a percepção de desconfiança e injustiça o que corrói um sistema público.
Além disso, vai afetar percepções, ao anular a simultaneidade de colocação no início do ano.
O problema da mobilidade no território é complexo e muitos professores não querem aceitar que não vai haver lugar na terra porque muitos querem a mesma terra.
Eu tenho lugar “na terra” porque a terra é uma periferia menos pretendida (Viana). Estou na área de residência porque tendo boa nota escolhi morar ali e nem tantos o quiseram.
Para minorar o problema, que não vai ser resolvido, com justiça, (para quem tenha cunha talvez…) pelos concursos locais vejo algumas soluções:
1. Incentivos à fixação de deslocados com subsídio à familia
2. Fazer renascer, renovada e regrada, “a lei dos cônjuges” (será que os da minha idade sabem o que foi? ) mas para quem tem filhos. Apoiar a maternidade e paternidade devia ser a maior política pública porque a falta de crianças é o maior problema (e, declaração de interesses, não tenho filhos).
3. Criar bonus de preferência regional, mas obrigar à fixação. A graduação incorporaria um bónus de 2 valores para 5 concelhos preferidos e de 1 para certos QZP menores que o atual (reduzir o tamanho dos QZP é essencial). Por escolha dos candidatos ou por criação de zonas preferenciais. Não permitir saltos de QZP. Este sistema seria “localizar” moderadamente sem deitar fora a graduação.
Regionalizar o concurso era um boa solução.
E agora…. As ideias que vão fazer com que me façam uma espera….
4. Acabar com a norma travão,
5. Reduzir a liberdade de denúnciar horários e de largar e recusar colocações em oferta de escola e reserva. A escolha faz-se racionalmente no momento de concorrer e não depois, em devaneio e impulso, com as aulas em marcha e os alunos à espera.
6. Introduzir obrigações de concurso (quem queira entrar em quadro tem de concorrer a zonas carenciadas e ficar lá x anos). Algo que a norma travão faz de forma injusta e pouco sistemática.
Se até a SEDES acha que percebe disto, eu também posso dar ideias.
O que me faz “especialista”? Pelo menos não serei mais tosco que eles…..
Estudei bem o sistema e mostro resultados. Comecei com habilitações próprias e aos 33 anos estava em quadro de escola a 15 minutos de “casa”. Querem melhor prova de que percebo disto?
E o meu caso mostra como, ao nível sistemático, e é contra intuitivo, um sistema mais rígido e com menos escolhas, coloca melhor e com mais justiça.
Bem, e no meu caso, como qualquer outro, podia ter arranjado outra casa, e ficava ao lado da escola
E professores deslocados sempre houve….
Em 1904, a minha bisavó foi de carroça de Monção para Vila Praia de Âncora.
Em 1933, os meus tios de Âncora para o Soajo.
Em 1966, a minha mãe do Porto para o Funchal.
A questão é que, mesmo nesse tempo, o sistema estava montado para um dia pararem….. E hoje, não, por termos políticos com iliteracia matemática e que não entendem o sistema que têm para gerir.
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