Dia Mundial dos Professores e recrutamento pelas escolas

Dia Mundial dos Professores e recrutamento pelas escolas

 

No recrutamento direto dos professores para os quadros há que acautelar clientelismos locais de vária índole, inevitáveis conflitos de interesses, bem como algum caciquismo escolar que possa existir.

 

Foi a UNESCO que decretou há muito o dia 5 de outubro como o Dia Mundial dos Professores e ele continua a assinalar-se um pouco por todo o Mundo, pois a profissão docente é uma das profissões mais impactantes na preparação das crianças e dos jovens e, desse modo, pode-se dizer – para o bem e para o mal – que ela é construtora de futuro. Também por esta ordem de razões o respetivo estatuto de carreira, o papel e a imagem social do corpo docente mobilizam os próprios, os diferentes órgãos de soberania e também a sociedade civil.

Vem tudo isto a propósito da ideia do Ministério da Educação de, em sede de revisão do regime legal de concursos para a docência, pretender colocar em crise a chamada lista nacional de graduação profissional e passar para cada uma das escolas ou agrupamentos a responsabilidade de procederem ao recrutamento (direto) dos professores, sendo que (pelo menos) numa primeira fase apenas procederiam ao recrutamento de um terço do respetivo quadro docente.

 

Na linha desta ideia (digo ideia porque, até à data, o Ministério ainda não apresentou uma proposta formal por escrito, v.g. nas reuniões que já realizou com os sindicatos), foi apresentada há dias pela SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social uma proposta na linha do pensamento do atual Ministro da Educação, mas de acordo com a qual os concursos de vinculação de professores aos quadros passariam a ter duas etapas: na primeira delas mantinha-se o concurso nacional que geraria uma shortlist (de 5 professores) e uma segunda etapa na qual cada escola decidia por si (a tal autonomia concedida aos Diretores de escola de que não raro os professores se queixam…) qual o professor dessa lista que teria direito a ingressar no seu quadro de trabalhadores efetivos da Administração Pública.

Confissão de interesses, devo dizer que sou associado da SEDES, participei presencialmente em alguns dos debates por si organizados, no âmbito do ciclo de conferências do cinquentenário da fundação desta muito respeitável associação política. Aliás, acabo de receber o convite para a tomada de posse do Conselho Coordenador da sua Distrital de Aveiro.

Todavia, como professor do ensino secundário e como jurista, sinto que tenho o dever cívico de escrutinar esta proposta relativa ao corpo docente e de a submeter à publicidade crítica (para usar os termos de um dos meus antigos professores de Direito Constitucional, o professor J.J. Gomes Canotilho).

Importa começar por dizer que o recrutamento de professores com base no perfil de competências dos candidatos não é novo na escola pública portuguesa. Até 2016 as escolas tinham autonomia para procederem ao recrutamento de professores contratados com base num perfil de competências por si elaborado. Era a BCE – Bolsa de Contratação de Escola, relativamente à qual foram surgindo notícias de casos de amiguismos, favoritismos e de “fatos à medida” de quem se tinha em vista recrutar. Um dos casos de nepotismo então noticiado foi o da filha de um Vereador do respetivo município.

Não por acaso, quando o atual Ministro era Secretário de Estado da Educação procedeu-se à extinção dessa famigerada BCE. Por isso se estranha agora a sua intenção nesta matéria, pois corre-se o risco de voltarmos a ter perfis de competência elaborados à “medida dos candidatos” como se assistiu naquele passado.

Em tese até sou defensor de uma Administração Pública de proximidade, mas o recrutamento para os quadros é questão diferente, pois, particularmente, em meios mais pequenos, onde quase toda a gente é família, parente ou amigo, sem suficiente massa-crítica, há que acautelar clientelismos locais de vária índole, inevitáveis conflitos de interesses, bem como algum caciquismo escolar que possa existir.

De acordo com a proposta sub judice da SEDES, a seleção do professor seria «implementada pelo júri local da escola, baseada em análise documental, portfolios ou entrevista, visando a ordenação final dos candidatos incluídos na shortlist».

Salvo melhor opinião, parece-me que esta proposta olvida, nomeadamente, o facto de que, de acordo com a lei geral da Administração Pública, alguém que já faça parte dos quadros tem de ter prioridade na mudança de quadro de escola.

O grande óbice desta proposta reside no facto de que, como cada professor pode concorrer a nível nacional, regional e local, “no fim do dia” ficará a pertencer a várias shortlist de diferentes escolas que irão avaliá-lo através de entrevista, portfolio ou como melhor entenderem. No caso de professores que concorram a todas as escolas, por exemplo, de Braga, os mesmos cinco professores podem estar na lista finalista de todas as escolas que precisem de um professor daquele grupo de docência e no final corre-se o risco de já não haver nenhum.

O mesmo professor, para garantir a vinculação aos quadros (da Administração Pública, pois o ensino privado pode ter outras lógicas na seleção de professores), começa por ficar colocado numa pluralidade de escolas, nenhuma delas sabendo por qual delas ele irá optar.

Em face do supra aduzido, sendo embora uma proposta algo inovadora e arrojada, que merece ser considerada no debate público, configura um modelo extraordinariamente burocrático, potenciador de férteis reclamações, recursos e contencioso que ainda irá atrasar muito mais o procedimento de recrutamento e colocação de professores, bem como a abertura em pleno dos anos letivos. Aquilo que com ele se possa almejar não justifica o investimento de recursos pedagógicos e de toda a espécie que as escolas lhe teriam de afetar e de que até nem dispõem.

Não dispõem por exemplo de um quadro robusto (nem sem ser robusto) de juristas capazes de darem andamento em tempo útil às impugnações concursais (como acontece nas universidades e politécnicos, mas que dele dispõem) para tantos grupos de docência e para tantos candidatos globalmente considerados.

Enfim, é um modelo bem intencionado, muito criativo, mas cuja aplicação e execução no “terreno” se iria revelar pouco ou nada eficaz e eficiente. A sua sorte seria mais cedo ou mais tarde a extinção, a exemplo do que sucedeu com a BCE. Decididamente, não é desta forma que teremos professores mais motivados, que se melhora significativamente a qualidade de ensino ou que se combate a escassez de professores.

 

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