As razões do descontentamento dos Professores. – Rui Ferreira

A propósito da greve prevista para dia 2, passo a explanar as razões para os professores estarem descontentes.

1. A entrada na carreira é feita com muitos sacrifícios, pois em geral o professor contratado passa vários anos fora do seu local de residência. Só que no meu tempo as colocações eram no interior do país, onde não havia problemas em arranjar habitação. Agora há falta de professores em zonas urbanas e no litoral algarvio, pelo que hoje em dia o pagamento de um local para ficar durante a semana ronda uma percentagem muito superior à taxa de esforço recomendada num crédito à habitação (a política de habitação não respondeu à procura e parte do investimento em habitação foi canalizado para habitações de luxo e alojamento local), além de se manter a residência de família. Por outro lado, não há garantia de se conseguir um horário completo, pelo que, há prejuízo em termos de ordenado, tempo de serviço e carreira contributiva, além do prejuízo familiar. Não é normal este problema não ter sido equacionado por vários governos, e quando há diretivas da UE que vão contra as práticas seguidas, são ignoradas.

2. Depois ao entrarem na carreira, há dois obstáculos que dependem de pelo menos uma avaliação qualitativa de Muito Bom, a passagem ao 5º escalão e ao 7º escalão, com limitações de 25% das notas qualitativas de MB e Excelente. Portanto, mesmo sendo-se bom professor, entram em consideração as quotas e a política de acesso a estes 25%, que fazem com que os professores não tenham a possibilidade de mostrar divergências com as direções, mesmo em questões consignadas na lei. Ou seja, depois de entrarem na carreira só resta ao professor tornar-se num executante, deixando de ser também pensante, mas mesmo aqui defronta-se com critérios aberrantes como promover atividades internacionais! O outro problema da profissão e progressão na carreira reside no modelo de gestão centrado numa única pessoa sem contrapoderes, o que potencia as injustiças e o outro lado da moeda destas, as prepotências – veja-se o caso recente na margem sul com a esposa de um diretor. Uma carreira a desenvolver num ambiente autoritário não é atrativa para um cidadão que sabe que vai ser condicionado nas suas escolhas.

3. Na remuneração, fomos penalizados em 6 anos de tempo não contabilizado nas progressões, que nos vai também prejudicar na carreira contributiva, além de que temos vindo a ver degradado o salário real devido à perda de poder de compra, consequência da inflação não ser acompanhada por uma subida nominal equivalente. Mais recentemente, neste mês, o governo promove uma valorização da carreira dos técnicos superiores, que não é acompanhada pelas carreiras especiais, como a dos professores!

4. Com a moda do aluno (e respetivos pais) ser o cliente a satisfazer, tem havido uma degradação da disciplina na sala de aula, como sub-produto das políticas de aproveitamento a 100%, para se ficar bem nas estatísticas, pois alguns alunos estão na aula contra a sua vontade e não são penalizados se nada fizerem, logo estes alunos aproveitam o tempo para criar incidentes disciplinares, sendo ou não pressionados a fazerem as atividades previstas. Portanto, o professor é cada vez mais desrespeitado na sala de aula. Consequência deste quadro, há cada vez mais pessoas a desistir da profissão, situações de  burnout e problemas psiquiátricos. Não faz sentido ser desrespeitado profissionalmente, logo há cada vez menos candidatos à profissão!

Concluindo, aqui estão as razões de perda de interesse na carreira de professor e o problema crescente em conseguir preencher as necessidades de profissionais. São também situações, todas, sem exceção, que devem ser alteradas para haver dignidade na profissão e carreira.

Rui Ferreira

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