23 de Abril de 2022 archive

Espelho meu… Alguém quer ser professor como eu? – Bruno Gomes

 

É urgente cativar jovens para a carreira docente pois corremos o sério risco de muito em breve não termos professores. Para tal, é necessário reconhecer e motivar os que por cá estão. Quanto antes.

Espelho meu… Alguém quer ser professor como eu?

Sou professor há 20 anos. Com 17 anos, sabia bem o que não queria ser “quando fosse grande”. Não queria estar fechado num escritório, não queria trabalhar sozinho, isolado. Sabia que queria envolver-me com pessoas, ajudá-las, fazer parte de um processo coletivo mas não sabia como concretizá-lo numa profissão. Na indecisão típica de um adolescente e depois de ter ficado perto de entrar em Medicina, a hipótese de ser professor afigurou-se como bastante apelativa. Os professores tinham estatuto social, ouvia-se dizer que terminavam as carreiras com bons ordenados e que tinham horários flexíveis.

Juntei o meu gosto pelo desporto ao desejo de trabalhar com jovens e licenciei-me em Educação Física e Desporto.

Hoje, tal como eu na sua idade, o meu filho mais velho, perto dos 17 anos, não sabe em que área trabalhar no futuro mas sabe bem o que não quer. Não quer ser professor. Nem ele, nem o seu grupo de amigos. Leciono no ensino secundário e são muito poucos os alunos que hoje em dia ponderam ser docentes.

O que mudou nestes 20 anos? O que se alterou na imagem da profissão ou do ensino para tornar a profissão tão pouco atrativa?

Há 20 anos, havia livros de ponto. Havia quadros com giz e apagador. Havia presidentes de conselhos diretivos que eram eleitos pelos seus pares. Havia disciplinas que, mesmo não sendo iguais, não eram tão diferentes como hoje. Os donuts estavam na moda e usar sapatilhas brancas era foleiro. Havia alunas que tinham a menstruação três vezes por mês e por tão preocupante condicionante não podiam realizar as aulas de Educação Física. Havia explicações mas não esgotadas como nos nossos dias. Há 20 anos não existiam agrupamentos, nem PIT (Plano Individual de Transição), nem DAC (Domínios de Autonomia Curricular), nem MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação Pedagógica).

Havia telemóvel mas o seu único propósito era… telefonar e enviar sms. Havia professores nas escolas (pasme-se!) com menos de 30 anos. Muitos por sinal.

O que mudou 20 anos depois? Hoje em dia, há diretores, conselhos gerais e cada vez mais politiquice nas escolas. As alunas diminuíram os episódios da súbita e repetida enfermidade. Os livros de ponto são uma espécie em vias de extinção. As burocracias multiplicaram-se exponencialmente. Os telemóveis de modo ocasional ainda são utilizados para telefonar e enviar mensagens.

Há 20 anos, não existia a desilusão e a desmotivação que hoje reina na classe docente. Expetativas de carreiras defraudadas, progressões atropeladas, instabilidade nas colocações, conteúdos programáticos extensos ajuizados por exames nacionais que definem o ritmo mecanizado das escolas. No meu caso concreto, estive 16 anos retido no 1º escalão de uma carreira com 10 escalões apesar de sempre ter tido boas avaliações. Quantos colegas são contratados há mais de 25-30 anos? Milhares. E se todos os anos exercem a sua função numa escola é porque são necessários ao sistema de ensino. E o que dizer da instabilidade de todos aqueles que continuam, ano após ano, a mudar de escola, de cidade, de região, interrompendo as suas vidas familiares sem qualquer tipo de apoio logístico?

A sociedade é hoje muito diferente do que era há 20 anos. É essencial que o sistema de ensino se adapte e acompanhe a realidade. É necessário reconhecer e motivar a classe docente. Ir ao encontro das motivações dos alunos. Envolver os professores na descoberta de novos caminhos que sirvam as necessidades atuais dos jovens.

Os professores são os agentes educativos que podem conduzir a uma mudança de alguns paradigmas. É necessário incentivar projetos que são uma resposta irreverente e inovadora para que atividades não meramente curriculares e as ditas curriculares, possam coexistir, simultaneamente, num sistema de ensino que formate menos e humanize mais. É muito importante modificar o conceito e a conceção atual. Uma educação menos reativa e mais proativa, uma educação com menos rótulos, menos etiquetas e com mais singularidade e pluralidade. Uma educação menos distintiva e mais diferenciadora, pois habitamos um mundo que padece de aceitação da diferença e exagera na distinção da igualdade. Um todo onde se abata a exclusividade e se semeie a inclusão. Num sistema de ensino que se preocupe menos com a chegada e se foque mais na viagem. Um modelo que diferencie a igualdade e que distinga a diferença. Que dê competências emocionais e criativas e não apenas competências curriculares e programáticas.

A importância da educação, diz muito sobre as prioridades de um país. Não é possível tornar a escola um lugar central de transformação social e de preparação para o futuro, com professores desiludidos, cansados e tristes.

O que têm feito os sucessivos governos em relação aos professores? Como diz uma colega: “Burocratizou-se, descredibilizou-se e desrespeitou-se” aqueles que estão sempre prontos a ir à luta, em prol dos alunos, numa missão cheia de romantismo e ideais.

Muito poucos professores desistem. A grande maioria da classe é responsável, equilibrada e correta. Aliás, tenho a certeza de que muitos vão muito mais além do que o que lhes é pedido. Talvez esteja aí outra das questões a refletir. É que com mais ou menos pancada, mais ou menos desiludidos, mais ou menos motivados, vamos todos fazendo o nosso trabalho com um sentido de responsabilidade apurado e, na maioria das situações, bem feito…

É urgente cativar jovens para a carreira docente pois corremos o sério risco de, muito em breve, não termos professores. Para tal, é necessário reconhecer e motivar os que por cá estão. O quanto antes…

Professor de Educação Física.

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Medidas anti-covid nas escolas vão ser levantadas

 

Ainda durante este período lectivo as escolas vão receber um documento orientador sobre as medidas de combate à propagação da covid-19 que podem ser levantadas.

Medidas anti-covid ainda em vigor nas escolas serão levantadas neste ano lectivo

 

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Do enquadramento legal para a obrigatoriedade da utilização de máscaras em escolas

Lei que obriga à utilização de máscaras nas escolas caducou, como garantiu Isabel Moreira? – Polígrafo

(…)Paulo Graça não tem dúvidas quanto à caducidade da Lei 88/2021 (ou seja, Isabel Moreira está certa no que toca a este ponto), mas também sublinha que, de facto, para todos os efeitos está em vigor o Decreto-Lei n.º 104/2021, que prevê, entre outros cenários, a obrigatoriedade da utilização de máscaras em estabelecimentos escolares. Conclusão do jurista: “É obrigatório o uso da máscara nas escolas, atendendo à alínea c) do Artigo n.º 13-B.”Em suma, apesar de Isabel Moreira ter razão sobre a caducidade da lei que invocou, a verdade é que outra norma atualmente em vigor esvazia o seu argumento. Logo, há enquadramento legal para a obrigatoriedade da utilização de máscaras em escolas.

 

A “linha de raciocínio legal” acima, datado de 17 de abril de 2022, foi atualizado pelo:

Decreto-Lei n.º 30-E/2022. Estabelece medidas excecionais e temporárias no âmbito da pandemia da doença COVID-19

(COVID-19. MEDIDAS EXCECIONAIS E TEMPORÁRIAS. Uso de máscara ou viseira. Formulário de localização de passageiros)

Altera o artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo coronavírus – COVID-19.

Revoga as alíneas a) a e) do n.º 1 e o n.º 11 do artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual; e o Decreto-Lei n.º 105-A/2021, de 30 de novembro.

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

DR 78, 1º Suplemento, Série I, 21 de abril de 2022.

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“Não gosto da minha cara.” Os adolescentes que não querem deixar cair a máscara

Primeiro veio o medo do vírus invisível, mas também a rejeição das máscaras estranhas e desconfortáveis. Agora que a normalidade está progressivamente de regresso, os sentimentos são ambíguos entre os mais novos: se por um lado o adeus definitivo às máscaras nas escolas traz uma sensação de liberdade, por outro, há receio em voltar a mostrar os rostos na íntegra depois de dois anos de pandemia — em Espanha fala-se até do “síndrome da cara vazia”.

“Eles estão felizes por as coisas estarem finalmente a abrir, mas a relação com a máscara é um pouco estranha”, assinala Ana Ribeiro. A professora de inglês na Escola Básica dos 2.º e 3.º Ciclos Cego do Maio, na Póvoa de Varzim, é também coordenadora do Projeto Eramus daquele agrupamento. “Verifiquei isso no encontro que tivemos há pouco tempo na República Checa onde já não era obrigatório o uso de máscaras e eles tiveram alguma dificuldade em aceitar isso. Alguns puxavam a gola da camisola para cima e tapavam um pouco a cara com os dedos na hora de tirar fotografias“, conta ao Observador. Ribeiro refere-se a alunos que acompanha há três anos e fala de uma passagem da infância para a adolescência em plena pandemia, quando a norma era cobrir o rosto.

Já não é só por medo de apanhar Covid-19 que alguns dos alunos teimam em esconder a cara, até porque a maior parte deles, diz a professora, já antes estiveram infetados. “Não noto que seja tanto o receio da doença, mas sim problemas de autoestima próprios da idade.” Diogo, de 14 anos, encaixa-se nessa descrição quando ao Observador comenta que prefere “andar sempre de máscara” porque se sente “inseguro” ao mostrar o rosto.“Acho que me sinto mais confortável sem a máscara, mas eu não gosto da minha cara”. Rodeado de pessoas desconhecidas opta por ter o rosto coberto, admite, “por causa das inseguranças”. Já na companhia de colegas a realidade é outra, ainda assim, preferia que cobrir ou não a cara na escola fosse uma questão de escolha — Diogo tem o cabelo bastante longo, quase sempre a tapar os olhos, e manteve a máscara durante a entrevista feita ao ar livre, junto ao mar, e ao telefone.

Testemunho semelhante é o da amiga Letícia, de 15 anos, que se sente mais segura a usar a máscara dependendo do local em que está. “Pessoalmente não gostaria de continuar a usá-la, mas às vezes gosto de a ter por saber que as pessoas não conseguem ver as minhas reações, sinto-me protegida.” Acontece sobretudo quando fica “com raiva” e os outros não conseguem ler as suas expressões, mas também quando o acne nas bochechas piora e quando na sala de aula tem de falar perante a turma — nesses dias prefere ter apenas a linha dos olhos a descoberto.

“Verifiquei isso no encontro que tivemos há pouco tempo na República Checa onde já não era obrigatório o uso de máscaras e eles tiveram alguma dificuldade em aceitar isso. Alguns puxavam a gola da camisola para cima e tapavam um pouco a cara com os dedos na hora de tirar fotografias.”
Ana Ribeiro, professora de inglês

A falsa sensação de “proteção e segurança” nas interações sociais e o esconder das imperfeições

No Agrupamento de Escolas do Alto do Lumiar, que reúne alunos dos 3 aos 18 anos, desde o início da pandemia que o desafio foi convencer os mais novos a não pôr de lado a máscara como sinal de rebeldia. Talvez o contrário acontecesse, diz a docente Maria Caldeira, se usá-la fosse considerado “um ato menos lícito”. A recente alteração da lei não será, por isso, um problema.

Prognóstico diferente é o de Rui Cardoso, diretor da Escola EB 2/3 do Viso, em Viseu, que especula que deixar cair a máscara não será, para alguns dos alunos, uma decisão fácil. Quando já era permitido deixar o rosto a descoberto no exterior, “nenhum aluno o fez, continuaram a usá-la como se a regra se mantivesse”. “Eles sentem-se seguros com a máscara”, diz, pelo que não estranha a possibilidade de alguns adolescentes continuarem a andar de rosto tapado sem que o motivo seja o medo do contágio. “É bem capaz de isso acontecer num número residual”, até porque há quem ainda mantenha a distância social por uma questão de conforto.

Alguns adolescentes encontraram na máscara uma sensação de “proteção e segurança” tendo em conta a “exposição” decorrente das interações sociais.

Olhando pelo espelho retrovisor, os jovens tiveram alguma facilidade na adaptação à utilização da máscara logo no início da pandemia. Na generalidade, tendo em conta os dados recolhidos, esta faixa etária exibiu um comportamento “saudável” e serviu “de referência para os outros grupos populacionais”, garante Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Mas apesar do arranque otimista, o prolongamento da crise sanitária gerou “consequências a todos os níveis”: não é por isso de estranhar que os adolescentes também tenham encontrado na máscara uma sensação de “proteção e segurança” tendo em conta a “exposição” decorrente das interações sociais.

“As máscaras passaram a ser uma espécie de ansiolítico para questões da relação social. Elas permitem que uma pessoa não se revele na totalidade.”
Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“As máscaras passaram a ser uma espécie de ansiolítico para as questões da relação social”, diz a psicóloga. “Elas permitem que uma pessoa não se revele na totalidade”, além de“cobrirem imperfeições” como acne ou aparelhos dentários, por exemplo, e de ocultarem determinadas reações emocionais. Mas não é só uma questão de esconder expressões, é também não conseguir verdadeiramente compreender e interpretar o outro dado que não se tem acesso “a todo o código de linguagem”, o que pode gerar problemas de comunicação, conflitos e discussões, e criar situações de menor empatia.

Neste contexto, Sofia Ramalho destaca dois possíveis perfis de adolescentes mais propensos a encontrar esta falsa segurança através da máscara: um mais inibido, contido, inseguro, ansioso e introspetivo, “que não gosta de se expor”; e aquele que tende a ser “mais agressivo”, que usa a máscara como “uma possibilidade de mascarar expressões de agressividade”. As máscaras podem até funcionar como uma espécie de avatar digital: “A lógica é mais ou menos a mesma. Quanto mais cobrimos o nosso rosto e quanto mais nos afastamos das presenças físicas para aquelas virtuais, mais probabilidade temos de estar a esconder aquilo que é verdadeiro”.

O fenómeno, lembra, não é exclusivo da adolescência, embora ganhe outra importância nesta fase da vida marcada pela “construção da identidade”, o que acontece também através da “dimensão social”. “Isto pode interferir com processos de desenvolvimento e ter um impacto na vida adulta”, uma vez que o adolescente precisa do confronto com o outro nas situações de interação presencial e na negociação de conflitos. “O uso da máscara inibe essa necessidade de nos termos de confrontar socialmente com o outro, o que num primeiro momento pode parecer positivo para o adolescente mas, na verdade, ele não está a fazer a etapa de desenvolvimento natural no sentido de se construir enquanto adulto capaz de resolver problemas e negociar.”

“O uso da máscara inibe essa necessidade de nos termos de confrontar socialmente com o outro, o que num primeiro momento pode parecer positivo para o adolescente mas, na verdade, ele não está a fazer a etapa de desenvolvimento natural no sentido de se construir enquanto adulto capaz de resolver problemas e negociar.”
Sofia Ramalho, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Num artigo dedicado ao mesma tema, o norte-americano The New York Times salienta com a falta de máscara pode, em alguns casos, traduzir-se em maior ansiedade, com adolescentes a temerem serem percecionados como menos atraentes e com receio de serem julgados ao fim de dois anos a mostrar metade da cara — afinal, a adolescência sempre foi definida por inseguranças em relação à imagem corporal, mas também por pressões sociais e questões de identidade. Tirar a máscara pode, por isso, ser visto como uma transição social num período em que os jovens são hiperseníveis ao que os outros pensam deles, com a psicóloga clínica Sophia Choukas-Bradley — diretora do Teen and Young Adult Lab, na Universidade de Delaware — a falar numa “audiência imaginária” que faz com que os adolescentes sintam que há um constante holofote sobre eles e as suas falhas.

Assim como tivemos de nos habituar de forma progressiva ao uso de máscara, teremos de nos habituar à falta dela, e os adolescentes “precisam de ter esse espaço” de manobra, acrescenta Sofia Ramalho. Se por um lado é preciso respeitar que não haja vontade em aderir à norma de um dia para o outro, por outro, não se deve fomentar a manutenção da máscara durante muito tempo, aconselha. Perante uma maior dificuldade de adaptação, há sinais a ter em conta: o apoio psicológico pode ser necessário quando em causa estão marcas de maior isolamento e/ou de conflito com os colegas, sintomas de ansiedade, problemas em dormir ou comer, ou ainda perda de interesse no contexto escolar.

Margarida Gaspar de Matos, professora Catedrática da Universidade de Lisboa na Faculdade de Motricidade Humana, fala do “desconforto das relações” dado o distanciamento social e o uso da máscara

Por um lado terei sempre aquele receio, por outro, vou sentir mais liberdade”

Ana Rita, Inês e Avina têm 18 anos e são colegas de turma no 12.º ano. Nenhuma delas usa a máscara na tentativa de esconder imperfeições ou como forma de escudo na interações com os outros, mas, de uma maneira geral, conseguem perceber quem o faça. A primeira diz que se sente segura de máscara e que ainda é “um pouco cedo” para deixá-la cair— na conversa, que aconteceu no dia anterior a ser conhecida a nova medida, previu “ficar com medo” quando a altura chegasse, não só por causa da Covid-19, mas também pelas “outras doenças, como a gripe”. Já Inês imagina-se “livre e verdadeiramente feliz” sem a máscara, mesmo que admita que já deu jeito para esconder uma borbulha “ao pé do nariz ou da boca” ou das vezes em que foi mais expressiva — já aconteceu pensar “Ufa, ainda bem que estou de máscara”. Avina fala em “mixed feelings”: “Por um lado terei sempre aquele receio dos casos de Covid-19 aumentarem, por outro, vou sentir mais liberdade sem ela”.

As repercussões a médio e longo prazo da pandemia na saúde mental dos jovens, tendo em conta as restrições impostas, ainda estão a ser desenhadas e vão depender em grande parte dos ambientes (família, escola e comunidade) “favoráveis e apoiantes”, salienta a psicóloga clínica e da saúde Margarida Gaspar de Matos. A também autora do recente livro “Adolescentes”, da editora Oficina do Livro e com prefácio de Daniel Sampaio, salienta como os adolescentes vítimas de bullying e com sintomas de ansiedade social poderão ter tido “tréguas” durante a época da máscara — são os mesmos que poderão “agora ter de ser acompanhados por um profissional de saúde mental neste regresso”.

“Houve também casos pontuais de adolescentes a referir que a máscara os/as ajudava a expressar a ira, quando se zangavam, explicando que às vezes se irritavam com colegas, pais ou professores e podiam ‘fazer caretas ou deitar a língua de fora’, sem dar nas vistas e sem ter consequências.”
Margarida Gaspar de Matos, professora Catedrática da Universidade de Lisboa na Faculdade de Motricidade Humana

Margarida Gaspar de Matos, professora Catedrática da Universidade de Lisboa na Faculdade de Motricidade Humana, dá conta de “casos pontuais” de adolescentes a referir que a máscara os “ajudava a expressar a ira quando se zangavam, explicando que às vezes se irritavam com colegas, pais ou professores e podiam ‘fazer caretas ou deitar a língua de fora’ sem dar nas vistas e sem ter consequências”. Fala ainda no “desconforto das relações” dado o distanciamento social e as máscaras que dificultam “a comunicação verbal e não verbal” — as exceções serão adolescentes “pouco satisfeitos com a sua anatomia dental, labial ou facial, que em geral encontraram na máscara um ‘escudo’” e outros que sofram de ansiedade social e cuja máscara ofereceu uma sensação de proteção. “Mas são casos atípicos, eventualmente a precisar de apoio psicológico.”

O The New York Times dá conta do fenómeno “mask fishing”, a ideia de que alguém possa estar a esconder falhas faciais debaixo da máscara. Surgiu pela primeira vez nas aplicações de namoro e tornou-se uma tendência do TikTok no final de 2021. Nesta rede social, a hashtag com o mesmo nome acumula cerca de 352 milhões de visualizações, onde se incluem vídeos feitos em contexto escolar em que diferentes alunos são confrontados com a seguinte pergunta: “São mais ou menos atraentes com a máscara?”, o que pode suscitar constrangimento ou humilhação entre os mais novos. O termo surge de “catfishing”, que remete para uma identidade falsa num registo online. Já o Los Angeles Times destaca estudos científicos que mostram que as pessoas são entendidas como sendo mais atraentes quando usam máscaras ao invés de deixar o rosto completamente a descoberto.

As mudanças corporais na adolescência são muitas e muito rápidas, lembra ainda vice-presidente da OPP, pelo que ver o rosto por inteiro de um colega ao fim de dois anos de pandemia pode ser um choque grande e “aumentar a ansiedade da exposição face ao outro”. Afinal, na presença da máscara imaginamos o que está por detrás — a forma como completamos a cara do outro tem que ver com o significado que essa pessoa tem para nós e com o que guardamos dela na nossa memória.

Se Ana Rita comenta que praticamente não conhece os seus professores sem máscara, Inês, que mudou de escola a meio da pandemia, diz que conheceu colegas já com máscara: “Às vezes ainda é difícil imaginar como é a cara deles”. Já Avina fala num sentimento agridoce ao voltar ao ensino presencial por não poder ver o rosto dos amigos e fala de como só semanas depois viu a cara de um colega novo — “Quando finalmente vi o rosto dele apercebi-me que tinha uma ideia completamente diferente de como ele era. Até comentei com ele e rimo-nos.”

Observador

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O primado das Grelhas: uma “praga” difícil de extinguir…

 

A Grelha, essa “luminosa” e prodigiosa invenção, recriada nos últimos tempos, de forma muito imaginativa e inusitadamente obsessiva, atingiu o estatuto de “praga”, incontrolável e difícil de extinguir…

Em cada escola, instalou-se o primado das Grelhas: existem as mais variadas, para tudo e para nada, e em muitos casos o respectivo preenchimento costuma significar flagelo, tortura ou suplício, quer pelo tempo que é necessário despender, quer pela inutilidade prática dessa tarefa…

Comummente, passam-se muitas horas a proceder ao preenchimento de Grelhas em série e até à exaustão, cujas virtudes ou efeitos concretos se desconhecem, apesar dessa actividade assumir quase sempre um carácter obrigatório…

À partida, uma Grelha deverá ser um instrumento de registo de informação, cujo principal objectivo consistirá em sintetizar e, sobretudo, simplificar determinado conjunto de dados…

Ora acontece, muitas vezes, que algumas Grelhas se apresentam com formas e conteúdos tão intricados que dificilmente alguém compreenderá o seu significado ou a finalidade da informação aí constante… Como exemplo paradigmático disso, bastará analisar algumas Grelhas de Avaliação de Alunos, elaboradas à luz do Projecto MAIA, existentes em algumas escolas…

Segundo “estudos” realizados por alguns “especialistas”, que preferem manter o anonimato, a exposição prolongada e excessiva a Grelhas poderá provocar danos ao nível da saúde mental e física, temporários ou irreversíveis, desde logo os seguintes:

– Diplopia ou visão dupla (vulgo “ver a dobrar”), decorrente de passar horas consecutivas a fitar um ecrã. Esta perturbação poderá assumir consequências especialmente dramáticas se, depois de ter estado a preencher Grelhas durante um período significativo de tempo, alguém se deparar com o Director da escola onde trabalha, em particular se esse líder for considerado por si como um ditador ou como um tirano. Nessa circunstância, já bastaria ver um, quanto mais dois;

– Alterações ao nível do humor, com predomínio da irritabilidade, intolerância e raiva. Quando predomine esse humor negativo, será conveniente evitar todas as interacções sociais não imprescindíveis, de forma a precaver a ocorrência de possíveis conflitos injustificáveis e desnecessários, a não ser que esse estado de alma se dirija ao Director referido no ponto anterior;

– Alterações do sono, com prevalência de insónia, pesadelos nocturnos e narcolepsia (sonolência diurna excessiva). As Grelhas poderão, assim, provocar dificuldade em adormecer e/ou em manter o sono, pesadelos e sono agitado ao longo da noite e muita sonolência e bocejos durante o dia;

– Alterações ao nível do apetite alimentar, podendo verificar-se o aumento da vontade de ingerir alimentos ou, pelo contrário, a respectiva diminuição, dependendo da forma como cada um lida com a ansiedade originada pelas Grelhas e do respectivo metabolismo. Apesar dessa dicotomia, será maior a probabilidade de se verificar o aumento do apetite alimentar. Acredita-se mesmo que o ganho de peso observado nos últimos tempos em alguns profissionais de Educação se deverá, em primeira instância, ao preenchimento de Grelhas;

– Dores de cabeça, enxaquecas e náuseas. Alguma confusão mental e, nos casos mais graves, poderão mesmo ocorrer delírios (crenças incompatíveis com a realidade) e alucinações (percepção alterada da realidade). Os eventuais surtos delirantes e alucinatórios poderão tornar-se particularmente visíveis quando a IGEC visite uma escola, dada a parafernália de Grelhas que costuma ser apresentada nessa ocasião, destinada a mostrar o que não se é ou uma realidade que efectivamente não existe;

– Falar sozinho (solilóquio), depois de uma exposição prolongada a Grelhas, também poderá apresentar-se como um transtorno plausível;

– Possibilidade de desenvolver coprolalia (proferir palavras obscenas e palavrões de forma involuntária). Apesar desta perturbação poder desencadear um certo incómodo em termos sociais, convirá não esquecer que dizer palavrões é considerado por alguns como um indicador de inteligência e de honestidade (Timothy Jay, 2015), portanto “screw it”;

– Compulsão para o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco, café ou outras substâncias potencialmente aditivas, na tentativa de compensar os níveis elevados de frustração originados pelas Grelhas;

– Preencher Grelhas implica passar muito tempo sentado. Nessas circunstâncias, poderão ocorrer dores musculares, algias lombares e cervicais e retenção de líquidos, esta última quase sempre expressa pelo inchaço da barriga, pernas e pés. A obstipação também será plausível, uma vez que a inacção prolongada dificulta os movimentos peristálticos. Será aconselhável a ingestão de muita água, o uso de vestuário e calçado confortáveis e adequados à situação, bem como a paragem de hora a hora, para dar uma volta inteira ao recinto escolar;

– Arritmia cardíaca, com predomínio da ocorrência de taquicardia (ritmo cardíaco acelerado), sobretudo se um colega, sentado ao lado de alguém ocupado com o preenchimento de Grelhas, for perito em “conversa de treta”, constituindo-se como um potencial elemento distractor e desestabilizador. Porque o conceito de “multitasking” não passará afinal de um mito, como defendeu Tim Harford: “fazer duas coisas ao mesmo tempo, é não fazer nenhuma delas“;

– Sobretudo pela ansiedade, stress e fadiga mental e física, causados pelo preenchimento de Grelhas, será expectável que também possa verificar-se a diminuição da libido (inibição dos impulsos sexuais). Inevitavelmente, não haverá oxitocina, estrogénio ou testosterona que resista ao aumento de cortisol, gerado pelo stress. As hormonas são tramadas e não costumam “perdoar” nem procrastinar;

– Ocorrência muito provável de “Formatação do Pensamento”: a capacidade de Pensar poderá ficar reduzida à configuração de uma Folha de Excel e ao “copy and paste” maquinal e automático. A ausência de reflexão e de crítica poderá constituir-se como a consequência mais grave desse modelo de pensamento;

– Muito raramente, o preenchimento excessivo de Grelhas também poderá originar odaxelagnia, traduzida pela vontade de morder ou de ser mordido por alguém…

Em conclusão, o hiperbólico trabalho burocrático, nomeadamente o uso desmedido de Grelhas, poderá fazer muito mal ao corpo e à mente…

Recomenda-se, por isso, o consumo moderado e consciente de Grelhas e, sempre que possível, a respectiva abstinência…

O quotidiano das escolas está infestado por algumas “pragas” difíceis de extinguir, restando parodiar, na medida do possível, com tais afecções…

Alerta-se para a possibilidade de não existirem quaisquer estudos devidamente validados, nem fundamentos científicos, que comprovem a tese dos “especialistas”, que preferem manter-se no anonimato, aqui veiculada…

(Matilde)

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Decide lá se queres mesmo ser professor

 

Imagina que tens quase 64 anos, 42 de vida activa e quase 39 como professor (daqueles que sempre estiveram no activo e a trabalhar muito e com muita qualidade).
Imagina que tens um horário lectivo de 14 horas, um direito que adquiriste pelos teus anos de serviço e pela tua idade.
Imagina que te atribuem um horário com 6 turmas e três níveis, entre 3º ciclo e secundário, 7 tempos num Gabinete com mais ou menos 9 metros quadrados, em conjunto com até 5 pessoas, em tempo de pandemia, sabendo-se que tens problemas de saúde que requerem alguns cuidados.
Imagina que te atribuem tempos para uma turma que afinal te permitem apenas leccionar 2/3 das aulas que é suposto leccionares porque alguém, supostamente, se enganou.
Imagina que depois te propõem leccionares, em serviço extraordinário, embora não pago, as aulas que faltam e que o fazes, em parte, em tempo livre teu, porque tu próprio vês que não sobram alternativas.
Imagina que te dizem que mais nada será marcado para além desse teu esforço mas, mesmo assim, permitem que outros marquem actividades em cima das horas já antes insuficientes e que cada vez tens mais serviço extraordinário, à tua conta, para realizar.
Imagina que te solicitam trabalho, tu envias e requeres feedback, para depois o poderes concluir, mas de que jamais recebes qualquer resposta – e que é esse o padrão habitual.
Imagina, ainda, seres oficialmente informado, ao longo de 4 anos, não teres de realizar acções formação contínua e, de repente, a menos de seis meses da entrega do teu relatório de avaliação de desempenho, te imporem a realização dessa formação.
Imagina que requeres a dispensa para a frequência de uma acção de formação e, parte das horas a que tens direito, serem atribuídas quando a formação já acabou.
E, imagina ainda, apresentares mais 2 requerimentos para efeito da correcção das horas e não teres resposta cabal ou, até, resposta ao que requeres.
E imagina que passas parte da formação em serviço acrescido porque te dizem que vais ficar com tempos livres logo que uma das tuas turmas entre em estágio, fazendo desaparecer o esforço que tu fizeste antecipadamente, para que acontecesse o tal serviço extraordinário à tua conta.

Imagina isto e pensa naquilo que pode ser a forma como és tratado ao fim de 4 décadas desta profissão, apenas porque pensas, és digno, competente e, como tens carácter, não estás disposto a assinar por baixo de todas as facilidades, simplificações e “caridades” que queiram propor-te.

Imagina isto e muito mais. Numa dimensão que nem te passa pela cabeça poderem fazer contigo, onde até usares manga curta no inverno pode ser alvo de matéria disciplinar.

Imagina que és alvo de processos de averiguações e disciplinares, acusado de coisas que não fizeste, sistematicamente arquivados por falta de fundamento, apenas porque não te calas e não aceitas dar cobertura a esquemas e ilegalidades ou, até, por teres tido a ousadia de requerer o cumprimento das leis antitabágicas em espaço escolar e de trabalho.

Imagina isto, mas acredita que a realidade é muito pior do que aquilo que a tua imaginação pode conceber.
Porque até podes ter um acidente no regresso do teu trabalho, comunicares isso ao teu superior máximo do serviço e ele não ter a competência necessária para conhecer os seus deveres e não particiar isso como acidente profissional, apesar de toda a legislação vigente.

Depois, decide lá se queres mesmo ser professor.

 

Retirado do Facebook

 

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