Não dou aulas. Se desse aulas, não teria de me preocupar em chegar à escola às 5:40 da manhã para começar às 6 e acabar o dia 12 horas depois, com sorte.
Não dou aulas, mas como professor não tenho nem emprego nem funções sem a ajuda dos meus colegas e amigos e, naturalmente, sem os alunos cuja existência justifica a razão do meu ser, estas palavras e o porquê de me levantar, não, saltar da cama todos os dias.
Sou coordenador de necessidades educativas, traduzido do inglês Special Educational Needs Coordinator, ou SENCo, e trabalho numa escola nos subúrbios de Londres, uma escola para alunos excluídos cuja violência é tantas vezes a única mensagem possível quando faltam as palavras para explicar o que de facto aconteceu e acontece.
O meu papel é fundamentalmente social, procurando perceber o porquê entre a intransigência da escola e as carências por demais evidentes nas famílias que todas as semanas nos batem à porta.
E ao perceber o porquê, partilhar esta informação, esta compreensão, com os meus colegas, individualmente ou em grupo, no sentido de individualizar e diferenciar o ensino.
Basicamente, perceber porque carga de água um aluno insiste em sair da sala de aula de 3 em 3 minutos e de que modo podemos em conjunto encontrar meios e estratégias para promover a aprendizagem desse mesmo aluno.
E porque o aluno tem uma história de vida e o professor a preocupação de ensinar, cabe-me o dever de observar as aulas e, do ponto de vista do observador, procurar estabelecer pontes.
Sem avaliar o professor. Sem ajuizar ou julgar. Antes apoiar. Antes ensinar.
A minha escola não é caso único. Em Inglaterra há muito que a observação de aulas não tem uma componente de avaliação do professor. Ao invés, pretende-se avaliar o nível de aprendizagem dos alunos de modo a partilhar o sucesso, mas também a responsabilidade, por todos.
Para tal, é fundamental reunir com o professor antecipadamente, falar sobre cada aluno, a dois estabelecer um plano, quais os objectivos, que actividades para cada aluno, que recursos usar entre modelos, jogos didácticos, o quadro interactivo, os portáteis, réguas de leitura, o Teaching Assistant para os alunos mais capazes enquanto o professor ajuda quem mais precisa individualmente, a remoção de cadeiras porque é mais fácil para determinado aluno estar em pé, o aumento do tamanho da letra e/ou a redução dos textos devidamente acompanhados de imagens entre tantas outras estratégias sem fim assim como sem fim é a imaginação e a vontade quando a educação e o futuro das crianças estão em causa.
Nunca como agora foram a cooperação, a entreajuda e a empatia tão importantes.
E nunca como agora foi tão irrelevante ajuizar as competências de um professor através de aulas observadas.
Num mundo minado de guerra e sofrimento que tipo de exemplo pretendemos exercer quando se fomentam as hierarquias?
Até prova em contrário, somos todos iguais. As crianças são todas as iguais. E os adultos são as mesmas crianças.
3 comentários
Isso é em países civilizados…
Parabéns, senhor observadeiro. Precisamos de muitos observadeiros, e não de um estado social forte e de uma escola pública de qualidade. Nada de pôr entraves à lógica de mercado que tudo mercatiliza, que tudo relativiza, excepto esse direito humano fundamental que é o direito ao lucro.
“Até prova em contrário, somos todos iguais. As crianças são todas as iguais.” A prova de que não são iguais é que, em razão do contexto socioeconómico das suas famílias, umas conseguem estar sentadas a aprender, conseguem ler textos densos e extensos, e outras têm professores que, com a ajuda de observadeiros, as põem aos saltos num trampolim na sala de aula e a ler só com bonecos. Uma ideia de escola muito emancipadora… Tatcher forever!