19 de Fevereiro de 2022 archive
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Fev 19 2022
Eu não me arrependi, mas fui desrespeitado – Luís S. Braga
A minha escolha foi certa ao tempo.
Foi desrespeitada nas condições em que foi feita.
A escolha que deve ser lamentada não é a minha de ser professor, é a dos políticos de não respeitar a escolha. Que me exclui caminhos mas fazia sentido se as condições de partida fossem respeitadas. Pacta sunt servanda. Mas os políticos das últimas décadas nem sabem o que isso quer dizer.
Antes de ser professor trabalhei em rádio, no comércio livreiro, em produção de espetáculos. E como professor já fiz outras coisas: formação profissional, estive requisitado num serviço do MAI, gestão escolar e até organizei um campeonato do mundo desportivo.
Além de voluntariado em IPSS e ONG.
Já dei aulas em colégios, centros de formação, escolas TEIP, 15 escolas públicas, uma prisão.
Diversidade de experiências e não apenas “experiência” e não me arrependo das minhas escolas.
Gosto muito de dar aulas. Ainda não me arrependi do dia em que com uma perna partida concorri ao mini concurso (só concorri porque a perna partida me permitia não ter de estar na fila para os papeis).
Durante estes 26 anos fiz muita coisa e evitei a ideia redutora do “professor que só dá aulas porque não sabe fazer mais nada.
Queixo-me do salário, da má organização do trabalho e da falta de respeito. Mas não da minha escolha. A escolha foi sensata e adequada em 1995. Só passou a ser problemática porque foi desrespeitada.
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Fev 19 2022
“Metade dos professores põe em causa as suas escolhas”
Karine Tremblay Analista da Divisão de Políticas da OCDE, sobre a realidade portuguesa
“Metade dos professores põe em causa as suas escolhas”
Conselheira da OCDE, Karine Tremblay foi durante anos responsável pelo maior estudo internacional sobre professores e diretores escolares, realizado em 48 países. E é socorrendo-se dos muitos dados apurados no último Talis (Teaching and Learning International Survey 2018) que descreve uma profissão em crise em vários países ocidentais. Incluindo Portugal, que apresenta a segunda percentagem mais baixa de jovens a escolher cursos superiores de Educação — eram 4% do total de novos inscritos no ensino superior em 2009, quando a média da OCDE era o dobro. De acordo com o relatório Estado da Educação, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação e divulgado este mês, nesse ano Portugal apresentou a percentagem mais baixa de diplomados em Educação da OCDE. E de todas as áreas de estudo, esta foi a que mais inscritos perdeu nos dez anos anteriores. O problema é que, ao longo da atual década, vão reformar-se 40% dos docentes que estavam a dar aulas em 2019, sendo necessário recrutar 34.500 novos professores. São 3400 a cada ano, quando o Ensino Superior está a diplomar cerca de 15 mil.
Portugal é apenas um dos países onde a falta de professores se pode tornar um problema. O que explica a menor procura por esta carreira?
Os fatores que estão a travar a vinda de mais candidatos para esta profissões resultam de uma combinação de elementos e que incluem a perceção por parte dos professores de que a sociedade não valoriza a sua profissão; salários inferiores aos auferidos por diplomados noutras áreas científicas; baixa atratividade, sobretudo entre os rapazes e muito ligada a condições precárias no início da carreira; uma complexidade crescente da profissão, não acompanhada de mais autonomia, liderança e confiança, que acabam por causar mais stress e frustração.
No caso dos salários, Portugal até tem uma situação melhor do que acontece na maioria dos países.
De acordo com os cálculos da OCDE, na maioria dos países o salário dos professores é, em média, inferior ao dos restantes trabalhadores com igual habilitação académica, apesar de subirem no caso dos docentes dos níveis de ensino mais altos. Portugal é um dos poucos países onde os salários são comparativamente mais altos entre esta classe profissional. Um professor do 3º ciclo ganha, em média, 1,33 vezes mais do que outro trabalhador diplomado. Parte da explicação reside no facto de os professores serem mais velhos e estarem colocados em escalões remuneratórios superiores face ao conjunto de diplomados, que se repartem pela generalidade das faixas etárias. Mas mesmo em relação aos salários em início de carreira e no fim, estes são superiores em Portugal face à média da OCDE e da União Europeia (já ajustados ao poder de compra em cada país). Só que as condições de carreira são apenas um dos condicionantes na escolha da profissão. Uma grande maioria sente-se atraída por fatores como exercer um serviço público e o impacto social do ensino.
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Fev 19 2022
E há tantos “Joões” por aí…
De modo particular, os jovens estão a sofrer os efeitos prejudiciais, dificilmente reparáveis, decorrentes do isolamento social e do medo e incerteza quanto ao futuro, impostos pela pandemia, não existirá qualquer dúvida sobre isso…
Mas o problema do isolamento social nos jovens não pode ser visto como uma novidade ou como algo inédito, imputável em exclusivo e em absoluto à pandemia…
Por todos os constrangimentos conhecidos, a pandemia agravou o problema do isolamento social dos jovens, deu-lhe maior visibilidade e tornou a sua existência mais consciente, mas não o criou… Esse problema já existia anteriormente e também já assumia proporções notórias e inquietantes…
Nos jovens, o “gatilho” da pandemia trouxe à ribalta, sobretudo, muitos quadros depressivos e muitas crises de ansiedade, sintomáticos de estados emocionais negativos, frequentemente pautados pela tristeza, pela sensação de abandono e de solidão e pelo descontrole…
Na verdade, muitos jovens parecem estar tristes, sós e abandonados há muito tempo, deixados numa solidão que cada vez mais os aprisiona e os empurra para um mundo irreal, não poucas vezes também surreal…
E um mundo assim, onde facilmente se confunde a realidade com a ficção e a fantasia, pode tornar-se num mundo que condiciona e restringe as capacidades de auto-controle e de gerir a frustração, a ansiedade e a angústia…
É, aliás, no contexto anterior que surge, quase sempre, o fenómeno da violência em contexto escolar que, nos últimos tempos, tem vindo a dar mostras de agravamento…
À luz dos dados até agora conhecidos, também é nesse contexto que se inscreverá o episódio recente do jovem que, alegadamente, teria um plano para atacar indiscriminadamente colegas de Faculdade…
E há tantos “Joões” por aí: jovens vulneráveis, que fogem da realidade, muitas vezes sentida por si como insuportável; jovens que se refugiam em vidas paralelas, imaginárias e fantasiosas; jovens que tendem a viver num mundo muito próprio e obscuro; jovens alheados e desligados das vivências quotidianas e das convenções sociais; jovens “invisíveis” e “silenciosos” em termos sociais, em que poucos reparam…
Lamentavelmente, e no geral, só se costuma reparar neles quando atentam contra si próprios ou quando maltratam terceiros, apesar de existirem jovens com um perfil semelhante ao descrito na maioria das escolas…
É comum, sobretudo nas escolas onde se lecciona o Ensino Secundário, observar-se durante as pausas entre aulas, muitos jovens literalmente agarrados aos telemóveis, ausentes daquilo que deveriam ser as suas vivências diárias, como que desligados do mundo real… E, muitas vezes, o mundo real está ali mesmo ao seu lado ou à sua frente, bastaria que conseguissem desviar o olhar do ecrã para o percepcionarem…
A alienação proporcionada pelos meios tecnológicos é gritante para muitos desses jovens que, diariamente, repetem a mesma prática: não falam com ninguém, não procuram interagir com o grupo de pares, nem se mostram disponíveis para encetar qualquer relação de proximidade social ou afectiva…
O seu mundo está circunscrito a um aparelho tecnológico, começa e acaba num telemóvel, e as interacções, se as houver, serão meramente virtuais… A (falsa) sensação de segurança, proporcionada por tal “zona de conforto”, fá-los remeter-se ao silêncio e torna-os prisioneiros da solidão…
E escusamos de desvalorizar e de escamotear tais comportamentos. A distância que separa o (aparente) inócuo do (efectivo) grave é, por vezes, muito curta…
Muitas vezes, os “amigos” não são reais, nem concretos, nem palpáveis… Cria-se a ilusão de que se está acompanhado, mas não se estabelecem relações interpessoais naturais e genuínas, assentes na interação presencial…
Colecionam-se “amigos” como se fossem troféus, quanto maior o número, maior a aceitação, a influência e a popularidade… Efémeras companhias, ilusórios companheiros: fantasiar ou idealizar relações não é o mesmo que vivê-las e experienciá-las na vida real…
Há quem não consiga passar sem “consumir diariamente uma certa dose” de redes de comunicação virtual como o Facebook, o Instagram, o WhatsApp, o Twitter, o TikTok ou o Youtube, se referirmos apenas as mais “benignas”…
Esse consumo, por vezes compulsivo, pode mesmo transformar-se numa dependência, sobretudo psicológica, e quando, por qualquer motivo, a respectiva privação é forçada ou imposta, podem desencadear-se reacções físicas e psicológicas semelhantes às de um quadro de adição de determinadas substâncias químicas, típicas de uma síndrome de abstinência…
Efectivamente, pode “ficar-se agarrado” ao consumo de determinados produtos tecnológicos, de que são exemplo mais flagrante os jogos online/videojogos…
Cada vez mais, o comportamento dos jovens é o reflexo do que se passa no seio de muitas famílias e a forma como as famílias funcionam vê-se, comummente, nessa conduta… A percentagem significativa de alunos (crianças e jovens) que passa a maior parte do tempo entregue a si próprio, desprovida de apoio e de acompanhamento familiar ilustra, muitas vezes, esse funcionamento…
A ausência de comunicação, de partilha, de negociação e, sobretudo, de vinculação afectiva com as respectivas figuras parentais impele, frequentemente, os jovens a “refugiarem-se” nas ditas redes de comunicação virtual, procurando nas mesmas as recompensas afectivas e a sensação de pertença a um determinado grupo que, de outra forma, não obteriam…
Mas o resultado mais comum disso costuma ser o surgimento de uma certa alienação e da prisão dos jovens a um mundo meramente virtual… As tais redes de comunicação virtual promovem, efectivamente, o isolamento social e o distanciamento físico, apesar de criarem uma expectativa em sentido contrário…
Perturbador, também, é ouvir de parte significativa dos jovens, a afirmação de que, se lhes fosse permitido, dispensariam as aulas presenciais e o inerente contacto diário e directo com os pares e com os adultos…
Em Portugal só se discute e escalpeliza um problema quando se está na iminência de uma tragédia ou quando se está perante uma tragédia consumada… Nesse sentido, parece que nos últimos tempos se descobriu que, afinal, os jovens também têm saúde mental…
A saúde mental costuma ser aquela vertente da saúde que tende a ser olhada com um certo preconceito e um certo desdém, sendo, amiúde, alvo de atitudes estigmatizantes e de discriminação negativa…
Mas a saúde mental diz respeito a todos e a cada um de nós… Urge olhá-la e tratá-la com toda a seriedade e não apenas como um tema que fica sempre muito bem em qualquer discurso político ou de circunstância…
Inevitavelmente, todos os dias nos cruzamos com vários “Joões” e alguns deles poderão estar mesmo à nossa frente… Não pode continuar a ignorar-se a existência de alguns comportamentos atípicos manifestados por um número significativo de jovens em contexto escolar, possíveis preditores de eventuais acções disruptivas…
Sem dramatismos, não ignorar e não desvalorizar, talvez seja a forma mais eficaz de se poderem evitar futuras desgraças ou tragédias…
(Matilde)
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