Ainda que fugazmente, os períodos de confinamento parecem ter-nos tornado mais contidos e auto-controlados, quase estranhamente civilizados, muito imbuídos do espírito solidário, não porque fossemos naturalmente assim, mas porque as circunstâncias a isso obrigaram: a perplexidade, a insegurança, a incerteza e o medo inerentes a uma situação estranha e anómala, nunca antes vivida, resfriaram e dissuadiram, no geral, os maus comportamentos…
Após o alívio das normas sanitárias, parece que alguns de nós resolveram compensar, da pior forma possível, a contenção forçada e as restrições anteriormente impostas, aproveitando para extravasar a maldade humana, dando azo a todo o tipo de disparates, uns mais graves do que outros… E basta acompanhar as notícias diárias para se constatar essa realidade…
A violência em contexto escolar parece seguir a tendência anterior, no sentido do aumento da frequência e da gravidade das ocorrências dessa natureza, com efeitos previsivelmente devastadores e sequelas difíceis de ultrapassar, perduráveis e estigmatizantes, para as respectivas vítimas…
No geral, as Direcções de Agrupamentos tendem a considerar a violência em contexto escolar como um tema “maldito” e de difícil admissão, independentemente de quem sejam as vítimas…
A actuação de muitas Direcções face ao fenómeno da violência escolar parece ir quase sempre no sentido de preservar uma imagem pública da escola que se pretende “imaculada” e “impoluta”, mesmo que, para isso, algumas vítimas tenham que ser “sacrificadas”: minimiza-se, quase sempre, o número de ocorrências daquela natureza, ao mesmo tempo que se relativiza a gravidade das mesmas…
Aqui, como em tantas outras situações, o que realmente importa é salvar as aparências, afirmando-se, frequentemente, por um lado, que o número de ocorrências não é significativo e, por outro, que as situações de conflito existentes são perfeitamente normais e não apresentam relevância assinalável… Mas, e apesar disso, existem vítimas…
O principal resultado dessa conduta acaba por ser a “normalização” da violência escolar, aceitando-a como uma inevitabilidade…
Dessa forma, cria-se a desconfiança de que existirão muitos casos de violência escolar que, por não serem reportados, acabam escondidos, “atirados para baixo do tapete”, mantidos na penumbra ou disfarçados e que, por esse motivo, nunca constarão em qualquer registo ou estatística oficial, quer seja ao nível de escola, quer seja ao nível de Ministério da Educação…
E se esses casos não estiverem registados oficialmente, será como se nunca tivessem existido…
No Plano “Escola sem Bullying. Escola sem Violência – Prevenção e Combate ao Bullying, Ciberbullying e a outras formas de Violência” (disponível no site da DGE), consta um campo denominado “Registo de Casos de Violência” – Plataforma SISE (criado nessa Plataforma em Outubro de 2019), que permite aos Directores de Agrupamentos sinalizarem e comunicarem casos de violência escolar, de forma directa ao Ministério da Educação. Nesse campo, encontram-se algumas afirmações, entre elas a seguinte:
“De referir, que não há qualquer penalização pelo reporte destas situações, muito pelo contrário, demonstra que a escola está atenta as situações de violência e procura identificá-las para poder dar uma resposta assertiva a cada uma, procurando as melhores soluções e parcerias no caminho para uma escola sem bullying e sem violência”.
Não pode deixar de se estranhar a afirmação anterior, nem de a considerar, no mínimo, como surpreendente e desconcertante, mas também, de certa forma, embaraçosa…
Tal afirmação indicia, em primeiro lugar, que o próprio Ministério da Educação conhece a relutância das Direcções de Agrupamentos em reportar a ocorrência de casos de violência e, em segundo, que assume a existência de receio de penalizações pelo reporte de casos dessa índole…
A afirmação anteriormente citada torna-se inconcebível, sobretudo por dois motivos:
Pelas Direcções de Agrupamentos que parecem recear penalizações por reportarem casos de violência, como se o registo oficial desses casos não fosse o que espera de si ou como se esse procedimento não fosse o mais ético e sensato face ao problema; pelo Ministério da Educação que sentiu a necessidade de, explicitamente, negar a existência de consequentes penalizações, o que, à partida, e na suposição de que pudessem acontecer, seria absolutamente inaceitável e incompreensível num país dito desenvolvido e num Estado de Direito…
Parece que alguns maus exemplos tendem a vir “de cima”, evidenciando um país pouco adulto e pouco maduro, cujas atitudes espelham, recorrentemente, uma mentalidade terceiro-mundista. Se assim não é, como se justifica a necessidade de proferir aquela afirmação?
De Outubro de 2019 até ao momento presente, que resultados foram obtidos pelo registo de casos de violência escolar na Plataforma SISE? Porque não se divulgam tais resultados?
Enquanto a violência escolar continuar a ser vista e tratada como um assunto “proibido”, continuar-se-á a negar a existência do problema, o que, na prática, corresponde a tolerar comportamentos violentos…
Numa manifesta demonstração de benefício aos infractores, e paradoxalmente, os mais favorecidos por este tipo de actuação por parte das Direcções/Ministério da Educação não podem deixar de ser os agressores e as respectivas famílias…
Como se exige o cabal cumprimento das responsabilidades parentais, nomeadamente a responsabilização dos pais cujos filhos tenham agido de forma violenta, sem que essas acções existam oficialmente?
Nessas circunstâncias, como se comprovam formas de violência, quer sejam físicas e/ou psicológicas, e como se penalizam os eventuais agressores?
Na prática, negar a existência do problema ou subavaliá-lo é tolerar os comportamentos violentos, permitindo que as vítimas continuem a ser desrespeitadas e duplamente penalizadas… Penalizadas por a sua dignidade ter sido vilipendiada e penalizadas por não verem a Justiça a ser aplicada…
Assumir que numa escola existe violência implica, obviamente, reconhecer a existência de vítimas e de agressores, mas, e sobretudo, identificar, responsabilizar e sancionar quem possa ter praticado actos condenáveis e censuráveis, sem qualquer tipo de justificação ou admissibilidade…
A “cultura do medo e do silêncio das vítimas” parece estar instalada, muitas vezes justificada pelo receio de “arranjar ainda mais problemas” ou de represálias e retaliações… Enquanto isso, os agressores continuam a gozar de liberdade de acção, quase sempre convencidos da sua invencibilidade, ainda que a maior parte deles também não consiga esconder a sua cobardia…
As vítimas de violência escolar, sejam quem forem, não podem ser silenciadas nem ignoradas… Um Estado de Direito não é compatível com atropelos à (inviolável) dignidade do ser humano…
A violência não pode deixar de ser denunciada, sobretudo por aqueles que, no contexto escolar, têm o dever e a responsabilidade de zelar pela segurança e pelo bem-estar das crianças e dos jovens, mas também pela integridade física e moral de todos os que aí trabalham…
(Matilde)
5 comentários
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Intersticial violência escorre da hierarquia admoestando pela passagem de incompetências administrativas desresponsabilizantes de um sistema de entretenha pedagogica
O que mais abunda nas escolas é violência, explícita e implícita e as Direções dos Agrupamentos tendem a desvalorizar , pois isso é uma mancha para a “sua ” escola e para o seu mandato que é sempre de excelência. E assim se escamoteia um problema grave que vai em crescendo, uma vez que toda a gente, principalmente os que nos chefiam, fazem vista grossa e não assumem o problema. Esta despenalização da violência vai afetar a sociedade como um todo no futuro ,na medida que é normalizada e esse não deve ser o caminho para uma sociedade que se quer civilizada, solidária e livre.
Notável descrição do estado atual da violência
em meio escolar. Verdadeiras oligarquias, dentro e fora das escolas silenciam tudo e todos.. O caso do Ihor Homenyuk poderia ter ocorrido na escola. Todos sabem da violência, mas não falam. Porquê?
Porque o silêncio é a resposta, fazem parte da lei de ferro da oligarquia em toda a hierarquia ministerial.
Os Sindicatos que poderiam exigir e tornarem este fenômeno da violência em meio escolar, mais transparente, estranhamente mantém-se em silêncio.
A incompetência está por todo o lado, passou a ser um modo de vida. Quem denúncia está condenado a uma revolta eterna, perde por cansaço, perde porque não consegue viver com esta ética de silêncio.
No tempo do estado novo tudo era escondido e omitido e agora será muito diferente?
Ainda não fomos presos por falar, mas os PIDES andam por aí.
Segunda-feira já te chega o novo modelo de Sardão V55.7 . Tem calma que falta pouco para apanhares no bujão. Esta versão V55.7 é a mais indicada para ti.
Estudem lei 51- 2012 – Estatuto de Aluno- no que diz respeito à instrução de Procedimentos Disciplinares.
Depois do estudo vão verificar, facilmente, que o legislador criou uma série de constrangimentos à tramitação desses processos: prazos muitíssimo curtos, formalidades,complemente, desnecessárias que visam apenas ao boicote ao andamento do processo.