Voltemos às escolas. Ninguém. Não se vê vivalma (som de grilo). Cada escola tem um sistema informático carregado às costas da beatice tech de dois ou três professores que nunca escolheram ser técnicos de informática e que hoje nada mais são do que isso. Que remédio. Escolheram ser professores de Artes visuais, Educação Física, Fisico-Química, Português, Matemática mas, quando se descobriu que “gostavam de computadores e assim” logo ficaram incumbidos de planificar, construir e gerir extensas redes informáticas que incluem várias centenas de computadores, que todos os anos têm de ser limpos de lixo e de vírus, reparados e renovados; produzir e manter websites institucionais, gerir backups, num trabalho solitário de milhões de horas que ninguém paga.
Nenhuma destas pessoas pensou um dia “Quando for grande, quero reparar computadores e redes”. Queriam ser professores. E ainda querem. Um professor de Alcobaça, confessou-me que o pai, pescador da Nazaré, um dia disse-lheque gostaria muito de o ver no alto mar a trabalhar nas redes. “Ele é que tinha razão, só que não são de pesca”. Pois não só vive enredado em redes, como também é director de turma e dá aulas a cem alunos. Evidentemente, enquanto estiver com eles, o sistema está proibido de “ir abaixo”. Oremos, Senhor.
Compreenda-se: as solicitações para resolver problemas digitais numa escola são às centenas por mês. Dezenas por dia. E vão desde aquele professor que não percebe por que razão estúpida o seu monitor não liga, apesar de não estar ligado à tomada eléctrica, até à ocorrência de um bug numa programação. Pergunta óbvia de quem não sabe nada: “Por que é que não atribuem essas tarefas aos professores com habilitação em informática?” Por duas razões. Por um lado, porque não há professores de informática em número suficiente para ensinar informática, quanto mais para o resto. Por outro, porque quem escolhe ser professor de informática é porque gosta de fazer com que os miúdos aprendam informática. Ou seja: querem ser professores. Se quisessem ser técnicos de manutenção e reparação de computadores, tinham-no sido. Mas não são.
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Este estado de permanente improviso é intolerável. As escolas colocam cada dia terabytesde informação crítica, íntima,sobre pais e alunos emhostscomerciais como a Google ou a Microsoft, esperando que ninguém esteja verdadeiramente interessado em saber que o Meirelestem asma, diabetes ou espinha bífida. Não existe nenhuma política consistente em matéria de protecção de dados educacionais.
“Partir a loiça”, que é como quem diz, protestar de forma exaltada, elevar o tom de voz e mostrar desagrado ou indignação, de um modo explícito e público…
Na maior parte das escolas, há muito tempo que praticamente não se protesta ou reivindica, “não se parte qualquer loiça, nem sequer um prato”, e muito menos se reclama de forma exaltada; se eleva o tom de voz; ou se mostra desagrado ou indignação, explícita e publicamente…
A “etiqueta dos costumes” vigente não o permite… Mas, e paradoxalmente, concede que se cometam os mais variados atropelos à liberdade de expressão, na medida em que, muitas vezes, se bloqueia e veta a livre manifestação de opiniões ou de ideias, pairando frequentemente no ar a possibilidade de existirem represálias e censura…
Indecorosamente, essa “etiqueta dos costumes” também costuma tolerar aqueles que agem como se fossem os proprietários de determinadas Escolas Públicas, confundindo a prestação de Serviço Público com a defesa primordial de interesses e ambições pessoais…
No geral, cala-se, consente-se e aguenta-se, quase sempre com receio de “escândalos” ou de “cair em desgraça”…
Sempre muito “certinhos”, contidos, conformados, silenciosos e acomodados ao ritual, é assim que se quer a gente que trabalha nas escolas…
Quantas vezes apetece “partir a loiça”? Mas quantas vezes se “parte a loiça”?
Nas escolas existem alguns “bem iluminados” que só conseguem lidar com um ponto de vista, que normalmente é o seu…
Pontos de vista diferentes desses são frequentemente interpretados como afrontas ou agravos, muitas vezes intolerados e quase sempre indesejados…
Esses “bem iluminados” parecem mover-se por um inultrapassável pensamento egocêntrico:
Não reconhecem perspectivas diferentes das suas; os outros têm o dever de pensar igual a si; sempre muito ufanos, vêem-se a si próprios como o “Centro do Universo”, eles são o “Sol”, e todos devem “gravitar à sua volta”; incapazes de mostrar empatia, não compreendem a necessidade de dar explicações a alguém; ainda que levemente contrariados, tendem a reagir de forma impetuosa e desproporcionada, dominados pela irritação, teimosia e mau humor, incapazes de gerir a sua frustração …
(Jean Piaget deve estar a “dar voltas na tumba”, assombrado com alguns adultos “birrentos”, que parecem não ter conseguido ultrapassar a Fase do Egocentrismo Infantil).
De que serve a falta de ousadia patente em ser sempre “muito certinho”?
Serve, sobretudo, para incentivar e reforçar a continuidade dos comportamentos abusivos e autoritários de muitos “bem iluminados”… Não sendo contrariados nem confrontados com qualquer oposição, que necessidade terão de alterar essa conduta?
Tantos “Órgãos-Fantoche” e tanto servilismo, encapotados de Democracia… Tanta “ladainha esotérica” e ininteligível, camuflada de “inovação”…
Ser muito “certinho” pode mesmo chegar a ser confrangedor… Confrangedor, sobretudo quando se observam pessoas incapazes de se afirmarem e de pensarem por si próprias e que se deixam anular de uma forma incompreensível, dispostas a abdicar da sua dignidade, como se fossem propriedade de alguém ou como se tivessem abomináveis “obrigações de vassalo”…
Desde o ambiente claustrofóbico e asfixiante que se vive em muitos Agrupamentos até às políticas do Ministério da Educação que, recorrentemente, culminam em monumentais trapalhadas e absurdos, motivos não faltam aos profissionais de Educação para “partir a loiça”…
E são tantas as trapalhadas e os absurdos “made in” Ministério da Educação, quase sempre corroborados e ratificados pela maior parte das Direcções de Agrupamentos, que se chega ao despautério de considerar tal hábito como normal e aceitável…
Contudo, a abundância desses motivos não tem gerado reacções contestatárias, contundentes e ostensivas, por parte dos profissionais de Educação, que parecem resignados a aceitar o marasmo, em vez de darem visibilidade à sua insatisfação…
O que ganham os profissionais de Educação com essa atitude? Não ganham nada e têm vindo a perder muito…
Perde-se a credibilidade das reclamações, ainda que as mesmas sejam quase sempre realizadas de forma “oficiosa”, e perde-se a força da classe profissional que, pelo elevado número de constituintes e pela respectiva formação académica, deveria ser capaz de se afirmar e de se fazer ouvir…
Não há dúvida de que os profissionais de Educação têm vindo a ser vítimas de muitas imposições desarrazoadas remetidas por Direcções de Agrupamentos e pelo Ministério da Educação, mas isso também não os iliba da atitude passiva frequentemente demonstrada…
Obviamente, o Ministério da Educação conhece bem essa passividade, conta com ela e sabe que, à partida, poderá decretar as medidas mais fantasiosas e delirantes, sem encontrar resistência significativa…
Só assim se compreende que o trabalho dos profissionais de Educação seja frequentemente desrespeitado e que esteja refém de medidas educativas absurdas e insanas há vários anos, sem que nada, realmente consequente, aconteça no sentido de as contrariar ou invalidar…
E não se sai disso… E não se luta por melhor do que isso…
Os maiores Sindicatos e os Partidos Políticos, tanto os de Direita como os de Esquerda, não estão dispostos a “partir a loiça” por ninguém, já se percebeu…
O que resta? Resta a contribuição pessoal e insubstituível dos profissionais de Educação, se conseguirem olhar além do seu próprio umbigo…
Quanta raiva contida e reprimida, à espera de ser exteriorizada, existirá por aí?
Há quanto tempo, cada um, não “parte um prato”?
(Aproxima-se o Ano Novo e com ele 365 novas oportunidades para “partir a loiça”… Ou isso ou 365 novas oportunidades para continuar a aceitar que façam de si “gato-sapato”…).