16 de Junho de 2020 archive

Deixem-se de hipocrisias na educação – Carla Castro

 

Deixem-se de hipocrisias na educação

Talvez soe a um grito de revolta face ao silêncio ensurdecedor e à hipocrisia vigente. A indiferença, complacência e desculpabilização perante a falta de ação na educação e na forma como se está a gerir o tema da pandemia nas escolas, com o efeito de agravamento nas desigualdades entre os alunos, oscila entre o frustrante e o constrangedor.

Onde está a preocupação com a urgência da abertura das escolas e com a recuperação dos alunos em dificuldades no discurso dos governantes ou nas análises dos “escrutinadores” comentadores nas nossas televisões? 

Será porque quem fala e quem decide está na sua bolha de conforto, com o equipamento informático necessário, banda larga e teletrabalho, e consegue garantir as condições ideais para a aprendizagem e estudo das crianças que os rodeiam? Sim, porque só consigo imaginar que não se preocupem porque isto não os aflige diretamente, porque não farão certamente parte da realidade dos inúmeros “professores que não conseguem contactar os seus alunos” e não tenham verdadeiras preocupações e leituras sobre a realidade social. Pois a mim aflige-me que não os aflija, aflige-me que não tenham nem consciência da situação no país, nem o sentimento de urgência. Aflige-me a falta de leitura social e aflige-me a dissonância de discursos.

Parece ser mais fácil fazer títulos de jornais com intervenções inflamadas sobre desigualdades sociais e discriminação, enquanto que devíamos implementar já medidas para fazer a verdadeira diferença pelas gerações futuras. E se pouco se aborda o tema, ainda menos se exige ao governo que tenha uma intervenção capaz de reverter as já visíveis consequências desta inércia inaceitável.

A desigualdade nas escolas, entre alunos, está a ser agravada e não é apenas pelas diferenças na “velocidade da rede” ou “do equipamento informático”. Muitas das discrepâncias resultam de apoio familiar deficitário ou ausente, resultante de enquadramentos económico-sociais frágeis ou disfuncionalidades diversas. Num contexto de ensino à distância, não é só o material e o equipamento que faltam. Falta o apoio imaterial, falta o acompanhamento presencial. E é aqui que reside um dos apoios fundamentais da escola e a diferença que faz face às assimetrias e às desiguais condições de partida de diversos alunos. Quando falta essa parte presencial, e nada se faz quanto a isso, estamos a fechar os olhos e a permitir que se cause um dano direto e irreversível na vida destas pessoas.

Enquanto não for claro que a retoma das aulas presenciais é um fator incontornável para minimizar estas assimetrias e desigualdades, estamos a falhar enquanto sociedade promotora de educação e literacia dos seus cidadãos e do justo funcionamento do elevador social.

Os danos são enormes, do pré-escolar ao primeiro ciclo, até à preparação para a universidade. Poderão ainda ser reversíveis, mas apenas se se agir com determinação.

ala-se amiúde da “digitalização da escola”. “Aquela” reforma que estava em curso e que, afinal, não existe. E num momento em que se estão a definir orçamentos suplementares e planos de recuperação, devemos ter em mente reformas estruturais no ensino, mas também a urgência de criar soluções para a situação resultante desta pandemia.

Outros países já levantaram restrições, e Portugal? Onde está um plano estruturado, com que visão e com que urgência? Vem aí o início do próximo ano letivo: crianças regressarão às escolas, em meados de setembro, com imensas disparidades e desníveis na aprendizagem.

O que vai ocorrer? Enormes diferenças entre estabelecimentos de ensino; realidades díspares nas escolas e no seio das próprias turmas, níveis de aprendizagem diferentes entre os alunos. O que se espera? Um primeiro trimestre totalmente desacelerado e a duas ou três velocidades destintas? Menor estímulo e uma grande frustração para os alunos? E se houver uma segunda vaga? E se interrompermos novamente a rotina? Que “plano b” para lidar com a não presença, que opções para otimizar a distância no ensino?

Recentemente, a Iniciativa Liberal apresentou um plano de retoma – o PREC Liberal – que propunha, entre outras medidas ao nível da educação, incentivos fiscais para contribuintes singulares e coletivos que façam doações de material informático a escolas, para além de maior dotação orçamental para contratos simples e de associação, como passo intermédio para o estabelecimento do cheque-ensino, medida para uma efetiva liberdade de escolha da escola, seja pública ou privada. Mas é fundamental alertar que ficou a necessidade da promoção da recuperação das aprendizagens, porque é crucial ter essa ambição.

É nas aulas de recuperação facultativas, nos sistemas de apoio para os alunos e no acompanhamento durante as aulas que residirá a diferença fundamental neste curto prazo. Em Portugal: nem plano, nem preocupação. Nem para agora, nem para o verão, tão pouco para o início do ano letivo, muito menos para o ano letivo no seu todo.

Revolta-me profundamente a hipocrisia de alguns partidos que vêm falar de elevador social, de discriminação e de apoio à escola pública, para depois falharem clamorosamente neste momento crucial. Vergam-se, aparentemente, aos interesses corporativistas, ou, não sei se quebram (e como em tantas outras coisas) por não conseguirem passar da teoria à prática e falharem na interpretação da realidade económico-social. 

Devia estar instalado um sentimento de urgência para com os efeitos na desigualdade social. Esta inércia e falta de tomada de decisão neste contexto da educação terão, inevitavelmente, um efeito negativo no tão falado elevador social. Não é com títulos de jornais, frases inflamadas em plenários ou manifestações que se consegue reverter esta situação. É na vida real, na tomada de medidas concretas que fazem a diferença. Não podemos, perante uma emergência, não adotar medidas para contrariar o efeito potenciador de assimetrias. E não, a solução não é nivelar por baixo e destruir as escolas privadas que funcionam. Comecemos, a sério, pela recuperação agora, antes do retomar das aulas presenciais e na preparação do ano letivo, quando até já se vislumbra o que o próximo inverno poderá trazer. Temos sim de combater verdadeiramente as desigualdades e de favorecer o ascensor social.

Deixem-se de hipocrisias, muito menos na educação.

 

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Resistir à Ignorância, por Hélder Ramos

 

Afirmar que os tempos que vivemos são desusados e difíceis de compreender já é um hábito de tal forma recorrente, que parece nem darmos tanta importância às inúmeras causas que a todos tocam. E acrescentar mais palavras às manifestações recentes espalhadas por inúmeras cidades do mundo também não adiantaria muito, se as não encarássemos com apreensão, sobretudo no que a exageros desmedidos (pleonasmo deliberado) pode e deve ser repudiado.

Como aceitar o que está a acontecer com as estátuas de Cristóvão Colombo, nos Estados Unidos; com a de Baden-Powell, em Poole, no sul de Inglaterra, cuja autarquia teme o desmando descontrolado das turbas e, por isso, se apresta a retirá-la; com a de Padre António Vieira, em Lisboa, defensor dos oprimidos e exímio cultor da Língua Portuguesa, cujos dons oratórios muita inveja causaria, ainda nos dias de hoje, mas só para os que a sensibilidade e esguardo educaram com ponderação e responsabilidade, longe de ideologias facilitistas e sem a consciência histórica que deve nortear a intervenção cívica.

Tudo muito triste, quando vemos lideranças a promover a subversão de valores e instigar comportamentos desequilibrados e conducentes a desfechos vizinhos de causas supremacistas, quando, sob o telhado de razões aparentemente equitativas, vemos interesses aritméticos avançar para mandatos que se querem vitalícios.

Tudo muito triste, quando vemos multidões serem arrastadas para comportamentos precipitados e sem controlo, do saque pelo saque, que invade gratuitamente o espaço alheio e se assenhoreia de bens que tiveram o seu custo. E no lume da aventura e heroísmo grosseiro, ainda pode haver lugar a uma entrevista, de máscara. Não por causa da pandemia, antes pela cobardia de quem arremessa a pedra e esconde a mão. A deseducação leva ao desgoverno dos comportamentos e à incivilidade vazia da capacidade de discernir entre o bem e o mal, valor do qual depende a boa integração numa sociedade regulada por princípios que estimem o esforço coletivo de construção de amplos espaços de integração e de maior justiça.

Por tudo isto, todos devemos entregar-nos à causa da educação, como maior desafio das sociedades contemporâneas, em ordem a termos ferramentas que nos auxiliem a compreender qualquer obra artística, da produção à receção, e para deixarmos de vez as imagens desoladoras de estátuas vilipendiadas pela rudeza de gente ilógica que por aí vai andando sem objetivos coerentes de vida nem civismo decente.

Qualquer expressão artística deve ser interpretada no contexto em que foi produzida, não podendo a sua existência ficar sujeita ao livre-arbítrio de quem a não saiba apreciar na razão fundadora da respetiva criação. Isto significa que ao público deve ser dado o direito de aprender a dominar a linguagem de justa interpretação do património, sob pena de apenas a ver com os olhos e por eles ficar, cheio de certezas movidas pelo empirismo cultural que se enraíza numa ignorância bacoca e totalmente desprovida de racionalidade. Estaremos a jornadear por aí?

Urge, portanto, dotar as gerações coetâneas de capacidades de boa compreensão e leitura séria da História, conquanto tecida de conjunturas sempre incertas e quantas vezes sujeitas a tendências atentatórias da dignidade humana. Ela mede-se com respeito, tolerância e consideração pelos agentes da mudança, que somos, sem exceção, mas sem esquecermos quem nos deu a ser e abriu os caminhos que hoje conhecemos e usamos.

 

Hélder Ramos

Agrupamento de Escolas de Ovar

 

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Estudantes à Saída do Secundário em 2017/18 – Dados Definitivos

 

Estudantes à Saída do Secundário em 2017/18 – Dados Definitivos:

Destaque [PDF]

– Sumários Estatísticos [xlsx][ods]

 

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Manual de Apoio à Reutilização de Manuais Escolares para vigorar no ano 2020

Publicado o Despacho que procede à alteração, para vigorar no ano de 2020, ao Manual de Apoio à Reutilização de Manuais Escolares, aprovado e publicado como anexo i do Despacho n.º 921/2019, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 17, de 24 de janeiro de 2019.

Download do documento (PDF, Unknown)

 

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É na escola que se aprende a não ter cor e ser apenas humano

 

 

Foi na Escola Dom João II que me ensinaram que as pessoas não têm cor

A minha avó Teresa era a senhora das fotocópias quando entrei no sétimo ano, na Escola Secundária Dom João II — já lá vão 18 anos. Os meus colegas diziam que eu era uma sortuda porque ela via antecipadamente os testes, mas nunca tive nenhum privilégio a não ser ficar a dever sanduíches de carne assada no bar.

Sou do tempo em que tinha de se dar a volta pela esquerda e passar pela mesa de pingue-pongue para entrar no poli (polivalente, para os professores), onde os mais velhos ainda fumavam às escondidas.

Lembro-me dos dias de greve, em que por vezes só um dos blocos fechava; da voz inconfundível da Dona Alice quando algum aluno passava, sem poder, pelo corredor da secretaria; e das filas na papelaria para comprar as senhas do almoço.

Lembro-me de namoriscar nas bancadas de betão lá em cima, ao pé dos campos; e de ter sido chamada a responder à direção, depois de falar torto com uma funcionária. Parvoíces da idade — ela entretanto desculpou-me.

Recordo muitos bons momentos nos quatro anos que lá passei (sou das que estupidamente chumbou no nono ano), mas a maior lição que trouxe para a vida não tem a ver com a Matemática ensinada pelo icónico Rogério Mares — embora ele tenha sido um excelente professor.

O que mais aprendi durante este tempo, quer em contexto de aula, nos longos feriados ou intervalos, e ao final do dia, antes de ir para casa, é que as pessoas não têm cor.

Esta escola secundária tem a particularidade de juntar alunos de vários bairros, muitos deles vindos de outros países do mundo — ou que já nasceram em Portugal, depois de os pais terem imigrado para cá.

Entre conversas corriqueiras, amizades profundas, namoricos ou flirts de adolescentes, nunca houve espaço para fazer distinções de raças, muito menos alguém foi posto de parte por não ter o mesmo tom de pele.

Aliás, isso nem era motivo de conversa. Se alguém se armava ao pingarelho, como diz a minha avó, era logo posto no lugar, que ali não havia tempo para mesquinhices.

Lembro-me quando era altura das listas para a Associação de Estudantes e como gostávamos de ver os africanos dançar. Que incrível. Eu, que não sei nem fazer a lambada, ainda sonho com o dia em que me aguento um minuto numa “boa kisombada”.

Numa altura em o tema racismo está, mais uma vez, por todo o lado, recordo com alegria que nesta escola isso sempre foi um “não assunto”. Andávamos demasiado ocupados a sermos felizes — todos juntos.

 

Sara Chaves In New in Setúbal

 

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