Quando a escola respira…
Os estudos internacionais revelam que há um aumento de competências que é relevante para quem pratica mindfulness, sobretudo no caso das crianças/ jovens, tais como a redução do stress e da ansiedade.
O coração palpita a uma velocidade atroz. As mãos, gélidas e suadas, sucumbem inanimadas. A respiração, rápida e superficial, parece prestes a sucumbir. Todo o corpo vai paralisando de medo, de terror. O terror de um ataque de pânico. Tudo isto “apenas” porque ia fazer um teste. Quantas vezes não testemunhámos uma situação destas nos nossos filhos, nos nossos alunos ou, até, em nós próprios? Quantas vezes crianças e jovens passam a noite anterior aos momentos de avaliação sem dormir com a ansiedade do êxito desejado?
Este exemplo, retirado dos muitos com que nos deparamos profissionalmente na área educativa, normalmente, é resolvido com medicação, passando a fazer parte da estatística do Relatório do Programa Nacional para a Saúde Mental que revela a crescente prevalência de adolescentes que tomam substâncias psicoativas (ansiolíticos e sedativos, por exemplo). Contudo, o problema é ainda mais vasto quando nos apercebemos que crianças e jovens cada vez mais imersos em ambientes tecnológicos têm dificuldade em controlar as suas emoções, sucumbindo a impulsos imediatos suscitados por esses meios.
Por outro lado, a escola exige o desenvolvimento da atenção para que a aprendizagem ocorra. Porém, estamos a treinar as gerações do futuro a saberem comoestar atentas? A gerir a sua atenção de forma intencional, a estabilizarem a mente e as emoções com que têm de lidar?
De facto, existe uma correlação entre a cognição, a regulação emocional e atencional e o desempenho académico que deve ser tida em consideração nas intervenções escolares. Uma criança ou um jovem que não esteja emocionalmente equilibrado, tranquilo, dificilmente consegue aprender ou, até, memorizar informação. A pergunta que, enquanto educadores, temos de nos colocar é se as respostas que temos atualmente para estes problemas são as mais adequadas ou eficazes.
Partindo desta reflexão, o projeto Mentes Sorridentes surgiu, neste contexto, como um projeto-piloto que assenta num programa de mindfulness especificamente concebido para o contexto educativo português, tendo por base investigação neurocientífica. Delineado e aplicado por uma equipa multidisciplinar de professores, psicólogos e médicos, o programa assenta no treino do desenvolvimento de uma atenção estável e focada no presente, na consciência das sensações, sentimentos e pensamentos que emergem na mente, momento a momento. Apesar de alguma descrença que este termo ainda suscita e da crescente oferta de mcmindfulness (expressão usada para referir a forma abusiva como este conceito é atualmente vendido de forma massificada), é importante não confundir o mindfulnesscom uma religião, filosofia, ou sistema de crenças. Trata-se somente de uma qualidade intrínseca da mente, de caráter universal, que pode ser desenvolvida e apurada com treino sistemático. No fundo, não é muito diferente de treinar o corpo. Vai-se ao ginásio para assegurar que ficamos em forma, porém podemos, também, exercitar o nosso cérebro e a nossa mente.
De uma forma geral, os estudos internacionais revelam que há um aumento de competências que é relevante para quem pratica, sobretudo no caso das crianças/ jovens: aumento da capacidade de atenção, menor reatividade emocional e maior envolvimento em tarefas, a redução do stresse da ansiedade, bem como o aumento da compaixão.
Em Portugal, as Mentes Sorridentes têm sido pioneiras a avaliar o seu impacto. O acompanhamento, a monitorização e a avaliação (pré e pós intervenção) têm tido lugar com o apoio de um conjunto de parceiros de relevo: Centro de Neurodesenvolvimento do Hospital Beatriz Ângelo, Saúde Escolar, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, C.M. Loures, entre outros. O acompanhamento e supervisão do projeto envolve, também, a Associação Portuguesa para o Mindfulness, com a qual existe, atualmente, uma estreita colaboração permitindo melhorar o protocolo de intervenção e a avaliação.
Nos primeiros dois anos de implementação, verificou-se uma melhoria no autoconceito, no funcionamento global, no controlo da ansiedade, no desempenho e concentração, maior prazer nas relações e maior sentido para a vida; a diminuição da impulsividade, dos problemas emocionais e comportamentais. A avaliação pelos adultos participantes foi, também, extremamente positiva. A experiência alargou-se, presentemente, a várias escolas do concelho de Loures, Odivelas e Vila Nova Gaia, estando a ter excelente aceitação e resultados nestas comunidades educativas.
Porque a escola portuguesa necessita de experiências inovadoras, com base científica devidamente validada, vale a pena ler os testemunhos que os intervenientes no programa Mentes Sorridentes deixaram na obra Mentes Sorridentes: quando a escola respira.
Professora finalista do Global Teacher Prize 2018, Presidente da Associação Mentes Sorridentes
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.