António Costa, numa entrevista exclusiva à RTP, acusa os professores de serem intransigentes e que é por culpa deles que as negociações sobre as progressões nas carreiras não avançam.
Nesta entrevista exclusiva à RTP, em Nova Iorque, e sobre o próximo Orçamento do Estado, António Costa acredita que os parceiros de esquerda e o governo vão chegar a acordo.
“Não há dinheiro”, diz ele.
É preciso amealhar para o clientelismo partidário, não é verdade António Costa?
Uma iniciativa legislativa de cidadãos para forçar a Assembleia da República a votar a contagem integral do tempo de serviço docente prestado pelos professores que não foi contabilizado em períodos anteriores a 2018, para efeitos de progressão na carreira e respectiva remuneração, atingiu este sábado as 20.000 assinaturas necessárias para iniciar o debate no Parlamento. As assinaturas, recolhidas pela internet, ainda não foram no entanto validadas pelos serviços da AR.
Os professores acabariam por avançar para uma greve às reuniões de avaliações deste mês, cujo efeito foi entretanto esvaziado pelo Ministério, que determinou que os alunos afectados podem ir a exames mesmo com a avaliação do ano lectivo por concluir. A legalidade desta ordem está entretanto a ser contestada nos tribunais pelo Stop (Sindicato de Todos os Professores), que interpôs uma providência cautelar, enquanto a Fenprof (Federação Nacional de Professores) avançou para uma queixa no Ministério Público.
(…) A ideia não é parar… é continuar e conseguir o objectivo por larga margem, visto que o principal se conseguiu – com diversas e desnecessárias chatices – em dois terços do tempo disponível.
É perturbante ouvir Fernando Medina ou Pedro Silva Pereira afirmarem que os professores exigem retroativos
Os docentes são o maior grupo profissional da administração pública. São mais de 120 mil, mas chegaram a ser mais de 150 mil nas escolas antes de a troika patrocinar um ataque à educação pública que o governo PSD/CDS executou com firmeza. Essa é uma das principais razões para uma capacidade de renovação da classe docente próxima de zero. Quase metade têm mais de 50 anos e só 0,3% têm menos de 30 anos.
O retrato tem sido feito com todo o detalhe estatístico. Temos uma classe docente envelhecida e não raras vezes cansada, mas com memória. Foi esse património humano que absorveu os impactos e permitiu à escola pública resistir aos absurdos da austeridade. Foram estas gerações de professores e professoras que construíram a escola pública e viram no reconhecimento da sua carreira uma garantia para o sistema de educação do país.
Não foi sempre assim. Durante muitos anos, os professores receberam salários abaixo dos restantes trabalhadores do Estado. Só a partir de 1986 é que passaram a estar equiparados aos restantes licenciados da função pública e só a partir de 1989/1990 passaram a ter uma carreira solidificada no Estatuto da Carreira Docente.
É uma carreira com uma estrutura parecida com a dos restantes funcionários públicos. Tem 10 escalões que, da base ao topo, variam entre 1100€ e 1990€ líquidos. Nenhum docente ganha mais do que qualquer outro técnico superior no topo da carreira. E todos viram congelada por igual quase uma década de trabalho.
Só que, ao contrário das carreiras gerais, o governo recusa-se a reconstruir a carreira dos docentes contando o tempo congelado. A injustiça não está nas especificidades das carreiras, ser professor não é igual a ser médico ou cantoneiro. É verdade que essas especificidades determinam regras próprias de progressão, mas também incluem a possibilidade de andar feito caixeiro-viajante durante anos sem receber mais um cêntimo por isso.
A injustiça é não reconhecer a todos o mesmo direito a recuperar o tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira. E se isso já é mau, pior é sustentar um discurso sobre “privilégios” inexistentes e falsos mitos para ganhar a opinião pública.
É perturbante ouvir alguns dirigentes socialistas, como Fernando Medina ou Pedro Silva Pereira, afirmarem que os professores exigem retroativos quando sabem perfeitamente que nenhum professor está a exigir agora os aumentos salariais perdidos durante os anos de congelamento.
É pouco sério repetir que a progressão na carreira docente é automática. Para progredirem, os professores têm de obter classificação mínima de “bom” na avaliação de desempenho, formação contínua certificada, avaliação externa através de aulas assistidas, já para não falar nas rolhas que existem no acesso ao 5.o e ao 7.o escalões, em que o número de vagas é limitado pelo governo.
Se a progressão fosse automática, um professor demoraria 34 anos a chegar ao topo da carreira. Mas com as perdas de tempo de serviço, um professor pode demorar até 48 anos… Ou seja, só lá chega depois de estar reformado. Com o congelamento de quase uma década, há professores com mais de 20 anos de serviço que recebem 1300 euros, praticamente o mesmo que um jovem acabado de entrar na carreira docente.
Também não vale atirar milhões inflacionados para cima da mesa dizendo que o país não pode (ou será que o Eurogrupo não deixa?) pagar. Claro que há um impacto orçamental significativo, são mais de 120 mil trabalhadores. Por isso é que a proposta dos sindicatos é fasear a recuperação do tempo de serviço, não até 2019 como nas carreiras gerais, mas até 2023.
Os professores não querem privilégios, querem respeito pelos seus direitos. Nunca daí saiu prejuízo para a escola pública. Bem pelo contrário, são eles a sua principal trincheira. É por isso que é um erro declarar uma guerra injusta aos direitos dos professores ou utilizá-los como bodes expiatórios de brilharetes em Bruxelas. Nenhum calculismo eleitoral vale o risco para a escola pública. O PS já devia ter aprendido essa lição quando Maria de Lurdes Rodrigues franqueou as portas a Nuno Crato.
A comissão que coordena esta iniciativa espera agora que o Parlamento aproveite o debate em torno desta ILC para “dignificar a imagem dos professores, dedicando-lhe a atenção devida, com celeridade, e repondo a justiça, depois de mais de uma década de maus tratos à profissão”, disse ao PÚBLICO um dos seus membros, o professor de História Luís Braga.
Segundo Luís Braga, a comissão vai tentar agendar reuniões com os grupos parlamentares para os “sensibilizar para a importância de acolherem esta ILC como uma proposta de cidadãos que, por existir, valoriza o Parlamento”. E também para sublinhar a “importância de que o debate seja rápido”.
Mas como o Parlamento entra de férias no final do próximo mês, o mais provável é que este debate aconteça só na próxima sessão legislativa, que se inicia em Setembro.
As ILC visam a aprovação pelo Parlamento de propostas de lei apresentadas por cidadãos, cuja apreciação é obrigatória desde que cumpram os requisitos exigidos. No caso desta iniciativa propõe-se que os deputados aprovem que os nove anos, dois meses e quatro dias em que as carreiras dos docentes estiveram congeladas sejam contabilizados, “na totalidade”, para efeitos de progressão e que os efeitos remuneratórios desta recuperação entrem “em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2019”.
“A pior coisa que o Parlamento poderia fazer era retardar o apelo que os cidadãos fizeram ao assinar”, sublinha Luís Braga, acrescentando que “as formalidades regimentais seguintes à apresentação não são muito complexas e podem ser simplificadas com boa vontade”. Foi o que aconteceu, aliás, com a proposta de lei para forçar a abertura de um novo concurso de professores, que foi aprovada pela assembleia em Maio passado.
Esta é a sexta Iniciativa Legislativa de Cidadãos da história da democracia portuguesa. Das cinco apresentadas anteriormente pelo menos uma, que estipulava o fim dos abates nos canis municipais, foi aprovada pelo Parlamento.