Há resultados de exames feitos por “encomenda”? O MEC nega, mas a suspeita foi lançada. E se houver?
Se fosse vinho, chamavam-lhe “martelado”; se fosse vestuário, diziam-no “contrafeito”; mas tratando-se de exames, como explicar a eventualidade de “modificação” de notas finais a pedido seja de quem for? A hipótese, por académica que seja, conduz-nos a um cenário surreal. Quem ler estas linhas não tome já isto por certo, mas o que foi dito (e ouvido) ontem em Coimbra, numa conferência pública, dá – pelo menos – que pensar.
Nessa conferência, o presidente do Conselho Científico do Iave afirmou que o Ministério da Educação (MEC) tem feito “a encomenda dos exames nacionais” com a indicação de que se deve “manter a estabilidade nos resultados” dos alunos “em relação aos anos anteriores, porque socialmente é difícil de explicar que as notas tenham grandes variações”. Isto, que já de si causaria perplexidade, foi acrescido de alguns pormenores sobre como alterar os resultados finais com recurso a pequenos “truques” técnicos. Disse ele: “Hoje temos um historial de cinco mil itens a Português, por exemplo. Se quero que haja notas altas é muito fácil. Pego numa ou em duas perguntas, substituo-as por outras, aparentemente semelhantes, e a minha expectativa em relação aos resultados dá um salto de cinco valores”. Mais adiante disse que “não é segredo para ninguém que as equipas do Iave que realizam os exames fazem uma estimativa de que resultados, em média, cada exame vai ter”. E não só “acertam em 95 % dos casos” como “conseguem fazer um exame para a nota que querem”. Dito assim, é espantoso: se os resultados fossem encomendados para se aproximarem de uma determinada nota, a equipa conseguiria “fabricar” exames à medida. E quando alguém, da assistência, comentou que seria “vão” o esforço de professores e instituições para melhorar os resultados de Física e Química quando estes dependeriam “de uma decisão política”, o presidente do Conselho Científico do Iave respondeu que valia a pena o esforço, até porque “a Sociedade Portuguesa de Física e a Sociedade Portuguesa de Química, com a colaboração do próprio Iave, têm tentado mudar essa situação, mesmo contra os pedidos políticos que têm sido feitos”.
Contactado, o MEC nega. Através do seu gabinete de imprensa, disse ao PÚBLICO que, nos termos da lei, envia ao Iave “cartas de solicitação” que “explicitam os instrumentos que o membro do Governo responsável pela área da educação pretende aplicar e as especificações técnicas a que os mesmos devem obedecer”, mas sem aludir a quaisquer resultados. Pede, sim, que as provas mantenham “semelhança conceptual e estrutural com as provas equivalentes de anos anteriores” e, em particular, “um grau de exigência global semelhante e uma distribuição das questões por grau de complexidade semelhante”…
Na gíria popular, costuma dizer-se: albarde-se o burro à vontade do dono. Ou seja: faça-se as coisas consoante a vontade de quem as manda fazer. Esperamos que nesta história não haja donos nem burros. Mas, ao ouvir o que se ouviu em Coimbra, o mínimo que se exige é que alguém anule categoricamente, em público, a incómoda sombra da suspeita.
Editorial | Albardar os exames à vontade do dono? | PÚBLICO