Ainda sobre a falta de professores
No início dos últimos anos letivos, um assunto tem ocupado as manchetes dos jornais e a abertura dos noticiários de estações de rádio e canais de televisão: a falta de professores. Também neste espaço, tem sido matéria de reflexão. Apesar de o seu efeito se fazer sentir de forma desigual no país, com graves efeitos na equidade e igualdade de oportunidades que a Escola Pública deve prover, no momento em que estamos, é difícil não regressar a este tema.
A falta de professores anunciava-se há muitos anos, muito mais de dez. Várias organizações ligadas à Educação foram alertando para o que o futuro traria, se nada fosse feito, mas nada ou muito pouco foi feito. Pode até dizer-se que, em muitos aspetos, a situação se agravou. Os professores tiveram a sua carreira “congelada” por muitos anos, a profissão foi sendo desvalorizada socialmente e as condições de vida, principalmente nas grandes cidades, tornaram-se difíceis, se não impossíveis, de serem comportadas por quem inicia o exercício desta profissão.
Enquanto isto, e apesar de tudo isto, os professores portugueses foram fazendo crescer e melhorar a escola pública, contribuindo decisivamente para que a formação dos nossos alunos fosse atingindo um nível, de tal forma elevado, que os guindou para os lugares cimeiros dos estudos internacionais e os tornou motivo de admiração por essa Europa fora. Portugal passou a exportar mão-de-obra altamente especializada, com elevado nível de competências e com a qualidade da sua formação reconhecida.
Entretanto, surge a pandemia e os professores portugueses enfrentaram o desafio de dar resposta a um confinamento inédito, com ensino a distância, apesar da escassez de formação e recursos para tal. Também após a pandemia, lhes foi colocado o repto de recuperar as aprendizagens dos alunos, perdidas nesses anos.
A todos os desafios, os professores portugueses deram resposta à altura. Apesar disso, nada melhorou quanto ao reconhecimento social, às condições de trabalho e à carreira docente. Mesmo o “descongelamento” da carreira provocou muitas situações de injustiça.
A profissão docente é, atualmente, pouco apelativa, com bloqueios que dificultam uma progressão na carreira que seja estimulante. Está “armadilhada” com quotas e vagas que impedem o acesso ao topo da carreira a uma grande parte dos docentes.
Ao contrário do que se quer transmitir, esta carreira não valoriza o desempenho, antes penaliza muitos docentes de elevado mérito que desmoralizam com o retorno negativo que lhes é dado pelo esforço que dedicam à profissão e aos seus alunos.
Não será muito difícil encontrar professores com mais de 30 anos de carreira, a aproximar-se da idade de aposentação, situados, ainda, a meio da carreira docente, com um vencimento líquido pouco acima de 300€ superior ao que se vence no início da carreira. Isto significa que os muitos professores nestas circunstâncias tiveram uma valorização de cerca de 10€ por cada ano de carreira.
Estes docentes têm uma perspetiva de progressão na carreira muito reduzida e sentem ter trabalhado uma vida inteira para acabar com uma reforma bem abaixo do que esperavam quando começaram a trabalhar. Esta realidade não seria motivadora para nenhuma carreira e explica muita da insatisfação e sentido de injustiça que motiva os professores portugueses para as diferentes formas de luta que têm vindo a assumir.
Com este enquadramento da profissão, é difícil aliciar jovens e menos jovens para abraçar esta carreira. Não nos podemos esquecer que todos os potenciais futuros professores já passaram pelo sistema educativo. Sabem bem o que é exigido a um professor, a exposição e o desgaste a que a docência obriga, as condições e o volume de trabalho com que lidam e o que recebem em troca.
Para reverter o caminho para a erosão da profissão, urge tomar medidas: rever e valorizar a carreira e o estatuto remuneratório, desbloquear a progressão na carreira, alterar o sistema de avaliação de desempenho docente e os seus efeitos na carreira e melhorar as condições de trabalho dos professores e das escolas.
Urgente seria retomar conversações para a recuperação do tempo de serviço, pela qual se trava uma das mais intensas lutas laborais de que há memória no nosso país.
3 comentários
A melhor parte é do “nível…. tal forma elevado dos nossos alunos…..”. Ri-me muito, muito, muito. Mas muito mesmo. Agradeço sempre ao doutor Arlindo estes panegíricos elegíacos que só podem ter por base alguém que não está no seu perfeito estado de saúde mental. Meu Deus!…..
Sublinho:
“Ao contrário do que se quer transmitir, esta carreira não valoriza o desempenho, antes penaliza muitos docentes de elevado mérito que desmoralizam com o retorno negativo que lhes é dado pelo esforço que dedicam à profissão e aos seus alunos.”
Este problema tem mais expressão em Lisboa e no Algarve.
Quem não for natural destas zonas, simplesmente não tem forma de ir trabalhar para estes locais.
As rendas são completamente absurdas, 600 ou 700 euros por um quarto é insustentável para quem ganha cerca de 1200 euros limpos.
Atualmente o custo de vida é também muito elevado, os bens essenciais aumentaram muito de preço.
Um pacote de leite que custava cerca de 54 cêntimos, custa agora 84.
Penso que será um dos motivos que explica a falta de professores nestas zonas.