Muita gente acha que eu escrevo por aqui para ser popular ou para ter muitos likes.
Escrevo para expressar o meu pensamento.
Este texto teria muitos dislikes, se houvesse.
Porque vai contra uma ideia popular.
A de que lutar contra os telemóveis nas escolas vai trazer uma mudança radical no clima comportamental dos alunos.
O telemóvel é um símbolo num certo discurso sobre a sociedade e a escola e, lutar contra ele, é assumir uma panaceia.
Queremos remédios simples para problemas complexos.
Enquanto se discute o “usa/não usa telemóvel” não se discute o resto, nomeadamente o clima geral de desrespeito pelo papel da escola e dos professores.
OS PAIS E A INDISCIPLINA….
Quando era pequeno, fui castigado pela minha mãe por ter levado carrinhos para a escola para fazer corridas no recreio.
E a minha mãe não se comoveu com o meu argumento de que era para usar no recreio e que a professora era má ao não nos deixar usar a terra entre as árvores para mini-rallies de Portugal.
A professora dizia para não levar carrinhos. Não se levam carrinhos.
“E não sejas repontão que pioras a tua situação.”
E não duvidem que amo a minha mãe falecida e que o meu ganhador ferrari amarelo ter ficado em casa, quando podia ganhar corridas, não me deu trauma nenhum.
A INDISCIPLINA COMO PROBLEMA COMPLEXO
Um dos males do país é que andamos regularmente a descobrir a pólvora ou a inventar a roda quadrada (que, por definição, não rola).
Acho que é isto que está a acontecer no caso dos telemóveis nas escolas.
Tenho muita simpatia, como é sabido, pelo ato de fazer uma petição. Até chego a assinar petições com que não concordo.
Para não ficarmos insatisfeitos e nada fazer, prefiro uma petição provocadora de debate à apatia.
É assim que encaro a petição que anda a circular sobre telemóveis.
O problema dos telemóveis não está na lei aplicável, mas na gestão escolar e na atitude temerosa e até subserviente de alguns diretores e professores face a manias e teorias de alguns pais que geram laxismo disciplinar.
Duvido que, por, mais voltas que se dê, se consiga fazer uma lei substancialmenre melhor que a que já existe (e deixo de parte a questão dos recreios).
O PROBLEMA DO ESTATUTO DO ALUNO
O Estatuto do Aluno precisa de uma profundíssima reforma, mas o foco talvez não seja aqui.
Talvez em questões mais processuais, que entusiasmam menos que o “telemóvel sim/não”, porque são menos sexy e mais técnicas e é preciso mais estudo.
Por exemplo, quem se entusiasma tanto com a discussão sobre se se devem introduzir regras de tipificação de atos sancionáveis ou sobre as regras de ligação entre os regimes disciplinares escolares e os processos tutelares educativos?
Há uns 11 anos fui o único professor, que a título individual, apresentou uma proposta de reforma artigo a artigo do Estatuto do aluno, quando este foi revisto pela última vez.
Houve quem me chamasse tolinho e a minha visão de que é preciso ser incisivo e penalizar pais laxistas (pelo prejuízo social que o seu laxismo causa) foi vista como ideia fascitóide, que não é.
No Brasil de Lula a lei contra pais abstencionistas é mais dura que o que propus então.
Não deixa de ser filosoficamente curioso que o atual debate se centre na proibição de um objeto e não na discussão, punitiva que seja, de comportamentos.
O QUE DIZ HOJE O ESTATUTO DO ALUNO
O Estatuto do Aluno e Ética Escolar determina (Art.º 10º alínea r)) que:
♦️os alunos não devem utilizar quaisquer equipamentos tecnológicos, designadamente telemóveis, equipamentos, programas ou aplicações informáticas, nos locais onde decorram aulas ou outras atividades formativas ou reuniões de órgãos ou estruturas da escola em que participem
♦️exceto quando a utilização de qualquer dos meios acima referidos esteja diretamente relacionada com as atividades a desenvolver
♦️e seja expressamente autorizada pelo professor ou pelo responsável pela direção ou supervisão dos trabalhos ou atividades em curso.
No tempo em que fui diretor, com esta lei tomei uma medida drástica para combater telemóveis em sala de aula: fiz uma informação geral a dizer que queixa de professor sobre telemóvel à vista em sala de aula dava obrigatoriamente 2 dias de suspensão. O problema acabou.
Quando renasceu, repetiu-se a nota.
E não cheguei a ter de suspender muita gente.
Talvez seja por coisas que a minha fama de gestor escolar inclui muitos “dislikes”.
Há quem queira ser popular e fofo hoje e quem pense no futuro.
No caso dos recreios passa por regulamentos internos bem feitos.
Na minha opinião, se os conselhos gerais e conselhos pedagógicos assumirem o que têm de fazer e os diretores agirem sem medo de certos pais, já hoje é possível resolver o problema. Com a lei que existe.
A escola de Lousada, de cuja gestão de telemóveis se fala tanto, prova o que digo.
Mas assino a petição porque, quanto mais não seja, o debate faz falta e pode ser que pais, professores e diretores laxistas percebam o que têm a fazer, mesmo no contexto desta lei atual.
Mas já repararam que falar deste tema até a mim desviou da minha “obsessão monotemática” sobre a luta e os concursos e o 6.6.23. Curioso, não é?
7 comentários
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A escola de hoje em dia está miserável. Quem manda são os pais e os alunos. A indisciplina grassa nas salas de aulas dando cabo das aprendizagens dos poucos que querem aprender e da saúde dos professores! O desrespeito pelos professores por parte doa alunos e os denominados “encarregados de educação” é uma coisa inenarrável! Mas tudo isto parece um tema tabu!
Os diretores eleitos não sei por quem, não pelos professores nem pelos auxiliares como era antigamente, parece que tem o rabo preso pelos excelentíssimos encarregados de educação, que na sua maioria são uns seres execráveis! Portanto isto é tudo um pântano e ai daquele professor que tentar agitar um pouco as águas!! Como dizia uma colega minha há uns anos “nós andamos aqui a fazer de professores e eles a fazer de alunos…”.
Detesto os dirigentes escolares “popular e fofo”.
Prefiro os que “pense no futuro”.
A frase citada merece correcção: nós fazemos de professores, mas eles nem sequer fazem de alunos.
Estas questões relativas à disciplina, à reposição da autoridade pedagógica dos professores, ao fim do figurino actual dos órgâos de gestão, que são as centrais, e que nem sequer implicam, para serem resolvidas, de milhões e milhões, deviam ter sido, desde o início, a par da contestação no novo regime concursal, as únicas questões a pôr em cima. O tempo roubado é, face a tudo isto, que tem que ver com o dia-a-dia no nosso local de trabalho e que mexe com a nossa profissionalidade, devia vir em segundo. De resto, seria muito mais fácil fazer com que nos contassem o tempo de serviço devido, caso aquelas exigências fossem atendidas. Assim, perdemos em todas as frentes.
RF…concordo inteiramente consigo!
De facto, as questões verdadeiramente importantes nem sindicatos nem professores as querem discutir e debater. Mas centram-se nas questões que lhes interessam, para ocupar o dia.
Como diz, a questão do tempo de serviço, por exemplo, deveria vir em segundo plano e é por esse motivo que a sociedade não compreende as reivindicações dos professores.
Afinal, preocupam-se com os alunos e com a escola, ou estão só preocupados com o tempo de serviço, reposicionamento de escalões e aumentos no vencimento?
Para justificarem estas reivindicações é que argumentam com o falso sentimento de que a escola pública se tem vindo a degradar….
Se invertessem as prioridades, era ver tudo a mudar…mas enfim, é a classe que se tem….
O grande problema da indisciplina nas escolas deve-se, fundamentalmente, à subserviência dos diretores aos encarregados de educação e nada mais, porque quem, de facto, lidera uma escola atualmente, são os pais e os alunos, o resto é tudo alvo de gozação completa. Não tenhamos a mínima dúvida! E enquanto, a escola não mostrar quem é que manda e sem medo, grassa a desordem total. O ME é que precisa de ditar as leis, enquanto não o fizer por interesse, continuaremos a chafurdar no pântano.
Esta LUTA é muito mais do que os 6A6m23D!!!
No meu agrupamento, quando um aluno usa o telm, em aula sem autorização, é obrigado a ir entregá-lo à Direção que o guarda no cofre da secretaria durante uma semana. Após este prazo, o enc. de educ. vai levantá-lo à Direção.
Está no RI.
A recusa na entrega dá procedimento disciplinar: nunca aconteceu.