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Os inspectores estão à porta, não, os inspectores estão na recepção, já estão na recepção e quando os inspectores já estão na recepção a primeira medida, tal como para todos quantos visitam a escola, é a confirmação da identidade para bem estar das crianças e restante comunidade escolar.
E nada como presumir um ataque directo à escola até porque num ataque directo à escola ninguém se vai preocupar em entrar pela recepção enquanto se trocam bons-dias e se aceita um chá, pois claro, um chá, “two sugars and milk, please”.
De resto, o recepcionista sofre de lumbago e está a anos-luz de um cinturão negro em jiu jitsu para o caso de haver problemas.
Voltando aos inspectores e ao chá – de resto servido em hectolitros desde tenra idade às crianças deste país e daí a sua preponderância para acalmar até os mais acirrados estados de espírito – o estado de humor do inspetor-chefe permite desde logo avaliar a montanha-russa das próximas 48 horas, sim, 48 horas, e se me perguntarem prefiro os inspectores carrancudos porque pelo menos já se sabe ao que vêm.
Com Covid ou sem Covid e agora pós-Covid, estamos há anos a preparar-nos para esta inspecção, os planos curriculares, os apoios curriculares, o contexto escolar, a demografia escolar e o plano educativo correspondente, as avaliações e progressão dos alunos, o absentismo escolar e as medidas tomadas contra o mesmo, o bem-estar dos alunos mas nem por isso dos professores, as almofadas para as crianças se sentarem no recreio (sim, leram bem), uma casa de banho por género (sim, leram bem outra vez) entre trans, intersexo, pansexuais, espíritos-duplos, transespécie e tantos outros e portanto casas de banho não faltam – faltam sim os alunos para as ditas mas tudo em nome da inclusão e ainda há pouco li sobre uma escola onde uma aluna se identifica e veste como um gato – e por falar em casa de banho as indicações para a dita traduzidas nas paredes da escola em 23 línguas e graças a Deus temos um professor de Hong Kong que sabe escrever em mandarim e entretanto o inspector-chefe já está a perguntar a uma professora sobre o plano de emergência e a professora emperrou.
Uma resposta mal dada, basta uma resposta mal dada para de imediato deitar tudo a perder, anos de trabalho, uma carreira, a reputação da escola e a presunção de culpa, sempre a presunção de culpa ao invés de mais apoios, a acusação como incremento aos cortes no orçamento escolar, o juízo por cima do congelamento das carreiras e a impossibilidade de uma inspecção incólume.
E o mais fácil é ter uma avaliação negativa quando uma criança tem uma reacção alérgica a uma cenoura entre um exantema e a ausência do correspondente plano de acção e primeiros socorros.
Não somos uma escola, somos um hospital, somos a segurança social, o banco alimentar, o centro de emprego de alunos e respectivos pais, somos a polícia e somos os bombeiros e já agora professores mas quando falta tudo não podemos fazer tudo, não podemos ser o tudo e o todo se o tudo e o todo é Sua Majestade e Deus acima de Sua Majestade.
Somos a vontade magnânima de um inspector na forma de uma palavra só e numa palavra só depositamos as nossas vidas, o nosso emprego, a casa, a família, o futuro, tudo no vermelho digo eu enquanto a esfera gira e gira e gira e gira.
Não trabalhasses com crianças e para as crianças e talvez não fosse assim e de certeza não seria assim quando mais nenhuma profissão ou carreira tem esta espada por cima e para sempre pendente.
Mas o que dizer se também nós fomos e somos crianças, as mesmas crianças, conhecemo-las melhor que ninguém pois a isso nos propusemos aquando deste juramento de Hipócrates e por conseguinte porquê colocá-las em causa, porquê esta ausência de fé, porquê esta falta de ajuda?
Por ser o propósito das inspecções a privatização das escolas com avaliação negativa desde a demissão da Direcção passando pela reestruturação de contratos de trabalho e redução salarial até à venda de terrenos escolares para construção.
É política. É a escola pública como uma escola de segunda categoria a formar cidadãos de segunda categoria. É a manutenção do status quo.
Mas é também o meu emprego, o único alcançado e a dois mil quilómetros de casa.
Aparentemente, o sacrifício não chega, a vida despendida na escola não chega, a dedicação não chega e até prova em contrário somos todos culpados e assim são os professores, culpados de lutar contra um mundo cada vez mais desigual e por conseguinte um alvo a abater.
Já estamos habituados: de onde viemos também era assim. Ainda é.
“Sofremos um ataque cardíaco porque as veias estavam entupidas de gordura ou algo aconteceu aos músculos do coração. É um problema técnico que tem uma solução técnica. A própria morte, em si mesma, é só um problema técnico”, escreve Yuval Harari (2018:33), em Homo Deus, que projecta lá para 2300 essa avalanche que associará a possibilidade de não morrer ao fim das artes, das ideologias e das religiões.
Noutro sentido, a morte do professor também pode vir a ser um problema técnico. Só que no dia em que a Inteligência Artificial (IA) declarar a morte do professor, morrerá também uma parte do humano actual. Aliás, essa é que é uma das grandes questões do presente e do futuro.
Há, a bem dizer, características humanas no ensino que não parecem ao alcance da IA nas próximas décadas: imperfeição, indecisão, lentidão, empatia, compaixão, capacidade de decisão perante subjectividades, paciência para questões longas e erros. A IA desculpa-se e promete mais trabalho, mas dificilmente concluirá que “só sei que nada sei”.
E ter humanos como professores pode ser salvífico para a humanidade pelo lado mais inesperado e incompreendido: a imperfeição. Será o que nos distinguirá das máquinas e uma lição.
Acima de tudo, o ensino lida com a ignorância como cada um aprende e ainda bem. Se analisarmos por um ângulo analítico “orwelliano”, a democracia da liberdade em respeito pela liberdade do outro não dispensa o ensino centrado em professores. Mas é insuficiente. Urge, e também a pensar no capitalismo da vigilância, que se discuta os limites democráticos da investigação sobre os processos da aprendizagem à luz das neurociências e da psicologia cognitiva.
Por outro lado, já percebemos como não olhar como rivais a natureza e a tecnologia e ter a segunda a pensar connosco. Por exemplo, é crucial a tecnologia usada com conhecimento pela gestão escolar avançada (que sintetiza as Ciências da Educação com as da Gestão e Administração) que não prescinde da análise e programação de sistemas de informação e liberta o ensino. Nas redes educativas é diferente. Exige muita prudência, como comprova a adicção tecnológica de crianças e jovens que é um legado inadmissível deixado pelas gerações que governam e educam.
Mas este debate tem um ponto nevrálgico: ser professor entrou irreversivelmente em crise. A perda de atractividade na Europa é incontestável. As políticas diabólicas de prestação de contas foram fatais. Não há profissão que sobreviva a tanta avaliação kafkiana, tanto inferno burocrático, tanta autocracia, tanta devassa mediática e tanta desautorização.
É irrealista pensar que nesta década se formarão os professores necessários. Pela Europa discutem-se desesperos: turmas para 60 alunos, eliminação de disciplinas menos populares (só o conceito é logo surreal), menos dias de aulas por semana e menos horas diárias na escola.
A equação complica-se se percebermos que a falta de professores não se deve apenas às aposentações e que se manteria com professores eternos. Para se ter uma ideia, a Inglaterra qualificou cerca de 300 mil professores na década de 2010 e um terço já abandonou a profissão. As percentagens serão idênticas em Portugal e na Europa, com excepção dos escandinavos.
Como os orçamentos dos estados, condicionados pela fuga de impostos para paraísos fiscais, desistiram da educação, o estado de emergência inscreve substituir professores por guardadores “uberizados” para as aulas por plataformas digitais ou, logo que possível, pela IA.
A mono-docência (modelo do 1º ciclo por cá) parece destinada à totalidade e alarga a incontestável infantilização da educação. Por mais ficcionada que pareça, é demasiado apelativa para as contas certas pelo lado extractivo da não distribuição da riqueza. Mas como sublinhou criticamente o mais alto magistrado da Nação no 10 de Junho, é o destino histórico português acentuado na ditadura do século XX.
A mono-docência reduzirá paulatinamente o número de professores. No nosso caso, de 130 mil para 50 mil. É fazer as contas. Para além dos 37 mil do pré-escolar e do 1º ciclo, os 20 mil no 2º ciclo passam a 2 mil e os 70 mil do 3º ciclo e secundário a 10 mil.
A IA assistente do professor da turma (ou do aluno-rei que circule pelas instalações a construir projectos como idealizaram na década de 1950 e nas seguintes os pedocentristas Freinet, Montessori e Summerhill) dominará instantaneamente os conteúdos das disciplinas, os que cada aluno já contactou e em que foi testado. Os mais apressados no linguajar da novilíngua designarão os professores como tutores.
A propósito de tudo isto, a OCDE traça um cenário, o três para 2035,que começa com um preocupante desprezo pela relação do poder escolar com a consolidação da democracia (é ler Hannah Arendt): “desaparecem os hábitos enraizados de dar notas aos alunos”. Além disso, aprender será uma actividade a tempo inteiro orientada por profissionais da educação, aberta a profissionais não docentes no ensino e nem sempre dentro das salas de aula e das escolas. Os professores agirão como engenheiros de actividades e ligados a múltiplas redes.
Sobre estas mudanças, o fundador do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab (2017:46), na “A Quarta Revolução Industrial”, conclui: “pode ser muito bom ou caótico”.
Em suma, terminou o tempo dos governos que desinvestiam na educação enquanto descredibilizavam professores e rezavam para que os efeitos, e ao contrário dos sistemas de saúde, das guerras e da economia, não fossem devastadores. Estamos numa encruzilhada, mas ainda temos a vantagem da democracia que reclama humanização e cooperação. Aliás, o grito dos professores portugueses vai nesse sentido e a falta de democracia nas escolas foi a mensagem cimeira da sua explosão. Está na mão dos que nos trouxeram até aqui, os governos de centro-esquerda e de centro-direita, abandonar dogmas e preconceitos e agir.
A uma semana do final do ano letivo para a educação pré-escolar e o 1.º Ciclo (carece de revisão este término tardio), enquanto alguns alunos gozam já as merecidas férias, outros encontram-se em época de exames nacionais, preparando o seu futuro, orientado e apoiado por distintos professores.
Apesar de ter sido um ano de intensa luta dos docentes, estes nunca se esqueceram da sua nobre missão de educar, de chegar aos seus queridos alunos, envolvendo-os num processo de aprendizagem contínua e motivada, construindo saberes, dotando-os de ferramentas para enfrentarem com sucesso o ensino superior (aqueles que o pretendem) ou seguindo uma outra via numa sociedade cada vez mais competitiva.
Os discentes mereceram sempre o apoio incondicional dos seus professores – a pandemia foi um excelente barómetro – e, num ano de reivindicações, nunca confundiram ou transpuseram o seu sentir, as suas dificuldades ou constrangimentos para a prática diária, encarando com elevado profissionalismo, que se lhes reconhece, o ato de ensinar, apoiar, guiar crianças e jovens pelos caminhos das experiências, do conhecimento, do percurso académico e pessoal.
Por isso, o futuro pertence-lhes! É dos alunos, mas na mesma medida dos professores e todos os profissionais da Educação.
Os discentes louvam o empenho dos docentes, que, num ano especialmente adverso, ainda se voluntariam para conceder, pro bono, apoios extra nos dias que medeiam o final do ano letivo e o início da época de exames, preparando-os o melhor possível para um desempenho de 1h30 a 2h30, decisor na tão desejada etapa seguinte. Este esforço suplementar, com um único objetivo, importa ser valorizado pela opinião pública, pois, realizado há muitos anos, passa despercebido, sendo este o momento próprio para o fazer.
Os professores viveram um ano letivo extenuante, como é do conhecimento público, perspetivando-se outro que poderá, lamentavelmente, ter características semelhantes e, por isso, de mau augúrio, arredadas que podem estar a paz e a tranquilidade, que tanta falta fazem à Escola Pública portuguesa.
O futuro passa pela renovação da Esperança, da alegria e bem-estar que deverão ser devolvidas às nossas comunidades educativas!
Para isso, é necessário atribuir um maior investimento no tocante aos recursos humanos, mas igualmente aos materiais e edificado. Será aconselhável aumentar a qualidade da Escola Pública e elevar cada vez mais alto os predicados reconhecidos a uma instituição que é de todos e para todos, onde se trabalha para a inclusão efetiva e plena como traço distintivo, dos mais valorosos e diferenciadores.
Todos deverão contribuir, na medida das suas possibilidades, experiências e competências, para o melhoramento de uma das áreas das mais importantes de qualquer país desenvolvido – a Educação – não sendo alheio a este desígnio o suporte inestimável e vigoroso de quem nos governa.
Quando a solidariedade é ilusória e efémera, ninguém se importa de vender a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, olha-se para o lado, ignora-se quem a trava, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, ninguém quer ser associado a quem a trava, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, quem a trava passa a ser visto como um leproso, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, deixa de haver “amigos”, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, ninguém arrisca comprometer-se com apoios públicos, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Quando a luta se torna séria, prevalecem os interesses pessoais, a solidariedade desaparece e vende-se a Alma ao Diabo…
Escusamos ter ilusões: na realidade, a solidariedade nunca existiu…
Escusamos de ter ilusões: no nascimento, na morte e no confronto com Direcções está-se, efectivamente, sozinho…
E é fundamental ter consciência disso…
Coitados dos que ainda se deixam enganar, acreditando que seja possível observar-se, em algum momento, a solidariedade dos seus pares…
Os pares preferem, quase sempre, vender a Alma ao Diabo…
Claro que esses mesmos pares também serão, provavelmente, alguns dos que, na próxima Manifestação em que participem, registarão todos os momentos, publicando muitas fotografias nas redes sociais…
“Reparem na minha rebeldia”, talvez queiram afirmar… Mas no dia seguinte estarão prontos para voltar à escola e obedecer escrupulosamente a todas as ordens e, até, em alguns casos, para voluntariamente, ir além das mesmas…
E nem as Férias que se aproximam, ajudarão a esquecer tamanha falta de coragem e de pensamento crítico…
Afinal, talvez dê muito menos trabalho obedecer e remeter-se ao conformismo…
A hipocrisia parece não ter fim…
Lutar de forma séria não é para cobardes…
Este “desabafo” é dedicado à Professora Anabela Magalhães, que não conheço pessoalmente, mas a quem reconheço uma enorme tenacidade, muita coragem e uma assinalável recusa em vender a Alma ao Diabo…
“No Inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise moral”…
(Discurso de John Fitzgerald Kennedy em Berlim Ocidental, Junho de 1963, aludindo a Dante Alighieri)…
Sei muito bem qual é o preço a pagar pela recusa da neutralidade e pela luta, explícita e assumida, contra um certo Poder discricionário, pautado por atitudes persecutórias e retaliativas… Mas remeter ao silêncio seria ainda pior…
Jamais me arrependerei de o ter feito… Em 2007, também fiquei sozinha, mas acabei por vencer…
Sim, já passou muito tempo, mas há coisas que nunca se apagarão da memória de quem as viveu…