26 de Dezembro de 2022 archive

Agenda para Amanhã

Encontro Nacional: 27 de dezembro 2022

 

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Um Longo Texto de Mário Nogueira no Observador

Sobre a luta dos professores: o que há a dizer sob a forma de FAQ

 

A FENPROF tem estado em convergência e unidade com outras organizações sindicais e tudo tem feito para manter essa união. Há quem caricature essa unidade, mas não a conseguiu destruir.

 

Os professores estão descontentes. Há razões para se sentirem assim. Estão disponíveis para lutar contra as causas do descontentamento e a prova disso é a luta em curso desde o início do ano letivo. Sobre a luta dos professores, contudo, é necessário esclarecer equívocos. Tentarei, sob a forma de FAQ, de novo em moda, responder a dúvidas que têm sido levantadas. Este texto só responsabiliza o autor. É que, por vezes, a caixa enche, a tampa salta e não é possível conter por mais tempo o acumulado.

É justa a luta dos professores?

Justíssima. Os professores são desrespeitados pelo poder político, os velhos problemas arrastam-se e surgem novos; a profissão tem-se desvalorizado e, de um momento para o outro, passou-se de um alegado excesso para a falta de professores em muitas escolas.

Quais são os principais problemas que afetam os professores?

Carreira: não contagem de todo o tempo de serviço cumprido, vagas na progressão, quotas na avaliação e o próprio modelo de avaliação; precariedade: quase 20% de vínculos precários, sendo necessários, em média, 16 anos de serviço para vincular; condições de trabalho: sobrecarga de trabalho, elevado número de alunos/turma, burocracia e abusos e ilegalidades nos horários; envelhecimento: falta um regime específico de aposentação respeitador do desgaste e que abra lugares aos jovens. Há outros problemas relacionados com quem é afetado por doença incapacitante, com quem trabalha em monodocência, com os docentes das escolas artísticas, com os que são tratados como técnicos especializados e um mar de outros.

A FENPROF tem apresentado propostas para resolver os problemas e lutado por elas?

Não há reunião no ME em que não sejam colocados todos os problemas, mesmo sem constarem da agenda. Até em tempo de bloqueio negocial, a FENPROF pressionou o ministério e esperou o ministro e o Primeiro-ministro em espaços públicos questionando-os. A contagem integral do tempo de serviço esteve em vias de ser obtida e só a ameaça de demissão de António Costa levou os partidos à sua direita a darem o dito por não dito no Parlamento.

Da luta que a FENPROF tem organizado há resultados?

Entre os mais recentes, temos: fim da divisão da carreira em categorias, revogação da requalificação para a qual estavam a ser empurrados milhares de docentes, fim das BCE, revogação da PACC que chegou a afastar mais de 5000 dos concursos, realização de concursos de vinculação extraordinários, eliminação dos cortes salariais e reposição integral do vencimento, descongelamento das progressões ou o início da recuperação de tempo de serviço que, segundo o governo, era para esquecer. A luta foi particularmente forte em momentos de maioria absoluta, quer PS, quer PSD/CDS. Os resultados obtiveram-se logo a seguir, quando perderam essa maioria.

Este ano a luta começou apenas em dezembro?

A primeira de maior visibilidade foi em 4 de outubro, com centenas de professores junto à Assembleia da República. Passou por inúmeras reuniões em escolas, plenários, vigílias, duas greves em novembro, em 2 e 18, nova concentração junto ao Parlamento na primeira greve, muitas iniciativas em escolas por iniciativa dos professores, presença de muitos docentes em Lisboa em 17 de dezembro, assinatura de abaixo-assinados como há muito não acontecia ou tomada de posição em reuniões dos órgãos das escolas.

A FENPROF não declarou greve por tempo indeterminado porquê?

Porque os professores não podem prescindir do salário por tempo indeterminado. Uma greve por tempo indeterminado não é intermitente, nem apenas simbólica. É parar sem se saber quando se regressa ao trabalho. Não sendo assim, seria o mesmo que estar em greve da fome e interromper para comer. Além disso, com o adiamento das negociações para janeiro, entendeu-se que as ações mais fortes deveriam ser guardadas para esse momento.

Há muitos docentes em greve por tempo indeterminado?

Desconhece-se. São visíveis formas diversificadas de luta, muitas promovidas pela FENPROF e também por outros sindicatos, mas ninguém, até hoje, revelou dados de adesão a essa greve.

Os professores têm desenvolvido formas de luta autónomas nas escolas?

Em algumas escolas sim, dando expressão pública ao descontentamento e contribuindo para a luta em curso, reforçando-a. Por vezes, a ação passa por contactar os pais antes de as aulas se iniciarem. A FENPROF tem um texto que tem sido distribuído aos encarregados de educação desde 2 de novembro.

A FENPROF não se tem unido a outras organizações sindicais?

A FENPROF tem estado em convergência e unidade com outras organizações sindicais e tudo tem feito para manter essa união. Há quem caricature essa unidade, mas não a conseguiu destruir.

A FENPROF recusa a união com algumas organizações sindicais?

A FENPROF privilegia a unidade, desde logo nas escolas, mas também entre as organizações. Mas é difícil unir-se a quem a convida e, simultaneamente, promove campanhas de descredibilização da FENPROF e dos seus dirigentes. Campanhas com acusações sobre inexistentes acordos por debaixo da mesa, alegadas traições aos professores, insinuações de os seus dirigentes beneficiarem de privilégios, apelos à dessindicalização dos sindicatos da FENPROF. Quem age desta forma não quer união e só usa essa alegada pretensão como forma de propaganda enganosa.

A FENPROF é um sindicato do sistema?

Se o sistema é a ordem democrática, a FENPROF respeita-a; se é protestar, mas também ter propostas com soluções, a FENPROF é assim que age; se é reunir com os professores e ter em conta a opinião da maioria, em relação à luta não substitui o contacto direto por inquéritos online; se é dizer à saída das reuniões no ministério o que disse lá dentro, a FENPROF não fala grosso à porta e fininho na reunião. A acusação populista que a extrema-direita alimenta no seu discurso de raiva e ódio, acusando os outros de serem do sistema, onde vingou deu maus resultados.

Há interesses escondidos por detrás das mais recentes movimentações dos professores?

No que respeita aos professores, o interesse é só um: defender os seus legítimos direitos, reclamar os seus justos anseios e valorizar a profissão. Se outros se querem aproveitar do seu descontentamento, isso cabe a cada um inferir. Por exemplo, há quem interprete o silêncio do ME e do PS como interesse em elevar o protesto dos pais para mexer na lei da greve ou para esgotar os professores agora, dificultando a sua mobilização quando for necessária; há quem ache nada inocente a colagem de Moedas ao protesto, as simpáticas palavras de comentadores da direita ou o artigo da autarca do PPD/PSD (partido anti-sistema?) advogando o princípio do fim dos sindicatos do sistema; há quem tenha reparado nas imagens da atual líder do MAS à frente de escolas… também não é despiciendo o envolvimento de pessoas tocadas por ressabiamentos passados ou por ofícios presentes. Portanto, não são os professores que se movem por interesses alheios aos seus, quando muito são esses que cavalgam os dos professores.

O Ministério divulgou umas FAQ sobre as suas intenções para os concursos, estão corretas?

Essas FAQ, enviadas a cada docente pelas direções das escolas, são enganadoras, pois não respondem às perguntas que suscitam mais contestação e às que respondem são equívocas e omissas no mais negativo. Se sobrepusermos essas respostas ao teor dos documentos apresentados nas reuniões com os sindicatos, vê-se que o objetivo não é esclarecer.

A luta dos professores deve continuar?

Sim, é essencial. É necessário que os professores lutem. Nas escolas, organizando-se, mas também participando nas ações que resultam da convergência das organizações sindicais. As lutas tornam-se importantes não pela sua duração, mas pelo nível de adesão, pois é esse que demonstra a insatisfação de quem luta. Como tal, o apelo é que os professores se unam e façam uma grande greve quando chegar a vez do seu distrito, participem no dia D e em concentrações previstas e que, em 11 de fevereiro, ninguém fique em casa e o protesto volte a encher a Avenida da Liberdade.

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Em janeiro poderemos ter uma luta como este país nunca viu

“Em janeiro poderemos ter uma luta como este país nunca viu”: professores endurecem discurso e prometem multiplicar greves e ações na rua

 

Fenprof admite 18 dias de greve. Sindicato STOP garante “luta” nunca antes vista

 

A convicção é animada pelo crescente mal-estar que se sente entre os professores e que teve no último sábado mais uma manifestação de descontentamento, com milhares de docentes nas ruas de Lisboa a desfilar até à Assembleia da República: “Em janeiro poderemos ter uma luta como este país nunca viu”, antecipa André Pestana, líder do Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP), criado há apenas quatro anos e que tem entregue, desde 9 de dezembro, pré-avisos de greve semanais consecutivos.

Ninguém sabe a adesão que estas paralisações têm tido e o próprio dirigente sindical admite-o. “Não vou estar a inventar números. Mas neste período houve centenas de escolas fechadas ou a meio gás, com milhares de professores a aderirem a este protesto, a concentrarem-se em frente às escolas, debaixo de chuva e a explicar aos pais porque ali estavam. É inequívoco que há um novo despertar da classe”, descreve André Pestana, ex-sindicalizado na Fenprof e colega do ex-ministro Tiago Brandão Rodrigues no curso de Bioquímica em Coimbra.

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O Sindicalismo ou é democrático ou perecerá

O Sindicalismo ou é democrático ou perecerá

Numa das maiores greves de sempre na educação nos EUA os professores de Chicago, 2018-2019, na Escola pública, dividida em comunidades, muitas segregadas e pobres, ganharam: aumentos de salários, contratação de mais professores, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, habitação social para alunos, turmas reduzidas. Como? Durante 1 ano organizaram em cada escola um comité de greve, eleito, esse comité esteve 1 ano a realizar encontros com as comunidades locais, de pais, desporto, cultura, assistência, explicando quais as razões de luta dos professores. Quando rebentou a greve toda a imprensa os acusava de destruir a vida dos alunos, sem aulas. Mas a cidade de Chicago apoiou-os em massa. As famílias sentiram-se parte do processo. O governo perdeu. E – incrível – os comités de greve exigiram que as negociações com o Governo fossem feitas em plenário aberto aos professores e aos membros da comunidade. Sim, não houve negociações à porta fechada.
Os professores em Portugal mobilizaram-se numa greve com uma manifestação que foi uma surpresa. O PS, que navega a ilusão do super poder da maioria absoluta, teve a primeira oposição real deste mandato. O Sindicato que a convocou trouxe algumas novidades ao panorama sindical – o STOP apresenta-se como um sindicato de mandatos finitos, os dirigentes são professores que ciclicamente estão nas escolas, os cargos de dirigente sindical são rotativos. Todos os que participaram na manifestação puderem ter acesso ao microfone. A greve parte de uma organização escola a escola, que elege um comité de greve. Os estatutos do STOP não são blindados, o que torna muito mais fácil e democrático apresentar listas alternativas à direção. Os acordos com o Governo não são assinados sem ouvir todos os membros.
Estes factos são conhecidos pelos historiadores sociais. Eram o padrão no século XIX, quando nasceu o sindicalismo. A ideia de que dirigentes não exercem a profissão, eternizam-se nos cargos, fazem plebiscitos (em vez de debates prévios e plenários para aprovar ou chumbar acordos), ou que as greves se decretam à sexta (em vez de se organizarem com tempo e fundos de greve) é uma ideia estranha ao movimento sindical até praticamente à II Guerra Mundial. O desafio está aí: que sindicalismo para o século XXI?

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Representantes dos beneficiários na ADSE prometem ser voz “alternativa”

Representantes dos beneficiários na ADSE prometem ser voz “alternativa”

 

Pela primeira vez, listas independentes elegem representantes para o Conselho Geral e de Supervisão da ADSE. Menos descontos, melhores serviços e entrada de novos beneficiários são as prioridades.

 

 

Menos descontos, entrada de novos beneficiários e melhores serviços. Estas são as causas que os dois novos representantes no Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE, indicados pelas listas “independentes”, prometem defender naquele órgão consultivo. Contrariando o que classificam como a “estagnação” do sistema de protecção na saúde dos funcionários públicos nos últimos cinco anos, prometem ser uma voz “alternativa” à dos sindicatos.

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Sou professora e todos os fins de semana, todos mesmo, percorro 560 quilómetros

Carla Bastidas é professora do ensino básico, tem 46 anos, mora em Viseu e dá aulas no Algarve. Tem feito greve juntamente com os colegas na luta por melhores condições de trabalho. Este é o seu testemunho

Comecei a dar aulas em 2000/2001, tenho formação base de ensino básico com a variante de educação física. Nesse ano apresentei um projeto, junto com outros colegas, a um agrupamento de escolas na minha área de residência e lecionámos as nossas disciplinas em todas as escolas do primeiro ciclo e pré-escolar, mas a ideia não teve continuidade. Nos anos seguintes, fiz pequenas substituições por doença ou licença de maternidade, de um mês e/ou quatro meses, pelo Algarve e em Lisboa, e nunca consegui trabalhar um ano letivo completo.

Em 2008/2009, fui colocada por três meses no Algarve, na EB 1 de Silves, e, entretanto, engravidei. Por sorte, nesse mesmo ano, em fevereiro, fui colocada a 40 quilómetros de casa, em Oliveira de Frades. No ano letivo seguinte fui colocada pela primeira vez para o ano inteiro, mas no Alentejo, em Aljustrel. Como estava em final de gravidez, não me apresentei logo ao serviço e foi aí começou o meu dilema.

Ao fim de cinco meses do nascimento do Diego, quando me ia apresentar ao serviço, não consegui creche para o meu filho e fui alertada de que poderia tirar licença alargada de oito meses. Não hesitei. Apresentei-me a 1 de junho de 2010 e, como não conseguia creche em Aljustrel, fiquei alojada em Armação de Pêra, em casa de familiares. Fazia 135 quilómetros diariamente para ir trabalhar.

No ano seguinte, fui colocada novamente no Algarve, em Ferreiras, Albufeira. Levei o meu filho comigo pois sabia que tinha vaga na mesma creche onde havia estado no ano letivo anterior. No entanto, com esta decisão para trabalhar na área/profissão para a qual me formei, privei o meu marido Marcos de acompanhar o crescimento do nosso filho.

Durante estes dois anos ia a casa de carro apenas uma vez por mês e na companhia dos meus pais ou da minha sogra, que se deslocavam desde Viseu e do Porto respetivamente, de autocarro, para me fazerem companhia nas viagens, de forma a que eu não viajasse sozinha com o bebé.

Entretanto fiquei desempregada e decidi abandonar o ensino pois com as despesas, o filho em crescimento, o crédito de casa… era necessário trabalhar. Encontrei emprego numa empresa privada, embora ligada ao ensino, no Grupo Porto Editora. Era consultora pedagógica em várias escolas na periferia de Viseu e dormia em casa todos os dias. Não havia dinheiro nenhum no mundo que pagasse o facto de eu poder dormir todos os dias na minha cama e estar junto da minha família. Entrei nos quadros da empresa e pensei que já não voltaria mais a lecionar, mas a vida prega-nos partidas.

“Tive uma baixa psiquiátrica”

Em 2018, com a gratuitidade dos manuais escolares e a baixa taxa de natalidade, fui dispensada das minhas funções. Voltei ao ensino, mas como já não tinha um ano de serviço, nos últimos seis anos [requisito para estar na 2.ª prioridade dos concursos de professores] fui inserida na 3.ª prioridade. Tive de alargar o concurso para Lisboa e Algarve, perto das zonas onde tinha estadia em casa de familiares, para que as despesas não aumentassem e fossem suportadas. Estive três meses numa escola no Montijo e não trabalhei mais nesse primeiro ano de regresso ao ativo.

No ano letivo seguinte (2019/2020) enganei-me a concorrer e fui trabalhar dois meses para Vila Real de Santo António, onde tive de procurar alojamento. E em janeiro já estava colocada em Alfornelos, Amadora. Fui sozinha, deixando o meu filho, então com 10 anos, só com o pai, tendo de se deslocar para a escola com boleias porque o horário de trabalho do meu marido não era compatível com o horário escolar do nosso filho.

Entretanto veio a pandemia e, no meu caso, ficar em ensino à distância foi bom, pois embora fosse muito mais trabalhoso do que estar no ensino presencial, conseguia estar junto da minha família e principalmente do meu filho.

No ano seguinte (2020/2021), fui colocada em Lisboa, nas Olaias. Lá voltei eu a andar com a “casa às costas” para casa da minha tia, abandonando o meu lar e a minha família mais uma vez. A experiência não correu bem, entrei em baixa psiquiátrica e fui seguida em psiquiatria e psicologia. Tive de tomar medicação e não regressei a essa escola.

Dizem que, depois da tempestade, vem sempre uma bonança. Em 2021 /2022 consegui voltar nos concursos à 2.ª prioridade e fui logo colocada para iniciar funções a 1 de setembro no Agrupamento de Escolas Silves Sul, na EB1 de Alcantarilha, onde fui muito bem acolhida por colegas, funcionários e direção da escola. No presente ano letivo estou com o meu contrato reconduzido no mesmo agrupamento.

“Estar longe é uma enorme dor”

Embora tenha um ambiente de trabalho espetacular, todos, mas mesmo todos os fins de semana, desde o ano letivo 2018/2019, vou a casa de autocarro para conseguir estar um pouco com a minha família. São 560 quilómetros de distância. Faço 16 horas de autocarro – viajo das 16h20 às 00h25 à sexta-feira e das 16h00 às 23h30 ao domingo – para conseguir exercer a profissão de que tanto gosto e tentar aproveitar estar o mais possível com a minha família.

Tenho uma casa de familiares à disposição no Algarve e pago as despesas do dia-a-dia, mas não tenho de suportar uma renda. Ainda assim, com o atual nível de vida e os gastos que temos, continua a ser incomportável. Por esse motivo, o meu marido e o meu filho passaram a viver com os meus pais em Viseu, pois decidimos vender a nossa casa.

Consigo poupar dinheiro no almoço, pois levo uma marmita todos os dias e só me desloco para o Algarve na minha viatura no começo e no fim do ano letivo porque não é possível suportar o preço do combustível e das portagens.

Neste momento, o bilhete de ida e volta de autocarro tem o custo 66 euros por fim de semana, o que totaliza cerca de 250 euros por mês. Entre portagens e combustível, se eu levasse carro, aquilo que gasto mensalmente com as viagens de autocarro era o que iria gastar por fim de semana. O meu marido é administrativo, ganha o ordenado mínimo e é ele quem está com o meu filho e tem aguentado emocionalmente toda esta situação. Os dois continuam a ser o meu grande suporte.

Acabo por conseguir recuperar um pouco o sono durante a semana porque estou sozinha e deito-me mais cedo. De igual modo, o trabalho que tenho de fazer extra-aulas (preparação de aulas e correção de testes, por exemplo) fica circunscrito aos dias úteis porque não levo trabalho para casa ao fim de semana. Gostava que as pessoas percebessem que os professores têm muito trabalho invisível e que não termina nas horas em que damos aulas.

Vivemos numa constante adaptação. Estar longe de casa já levou o meu filho a verbalizar que quer que eu deixe o ensino. Ele diz-me: “Vem para Viseu e vai trabalhar para um supermercado”. Eu respondo-lhe que não é fácil arranjar um novo trabalho com a minha idade.

Não consigo deixar de me emocionar quando penso numa certa madrugada de novembro quando recebi uma mensagem do meu filho às 3h30. Dizia: “Mãe, não me sinto bem”. O Diego estava doente e mesmo sabendo que ele está muito bem com o pai, em momentos de aflição recorre à mãe. Não descansei até chegar a sexta-feirapara ir para casa. Estar longe nestes momentos é uma enorme dor.

Porque faço greve

Enquanto contratados, o nosso primeiro foco é entrar nos quadros. Este ano consegui renovar contrato na mesma escola para onde entrei no ano passado, mas nos moldes em que atualmente estão os concursos, o ano letivo de 2023/2024 seria o meu terceiro contrato e entraria em quadro de zona, neste caso no Algarve, mas poderia pedir destacamento por aproximação à residência. Com esta nova modalidade que o Ministério da Educação (ME) quer impor aos concursos, isso está fora de questão. O ME quer criar o que se intitula de mapas de pessoal, em que depois é impossível aproximarmo-nos à zona de residência porque os mesmos estão agregados a um município.

Defendemos que deve ser mantida a modalidade de concurso e não passar para a municipalização. Na proposta do Ministério, os municípios passam a ter autonomia para a colocação dos professores e os critérios deixam de ser a nossa graduação de lista e a nossa classificação profissional.

O dia 9 de dezembro foi o primeiro dia de greve e desde dia 12 que a mesma tem funcionado por tempos letivos. Neste momento, a greve continua por tempo indeterminado. Obviamente, temos muitas penalizações a nível salarial porque os tempos em que fazemos greve são descontados no nosso vencimento.

Ser professor nestas condições é ser resiliente, contra tudo e contra todos. A vida de professor não é fácil em muitos aspetos e é preciso gostar muito do que se faz. Os risos e os abraços que recebo dos meus 24 alunos todas as segundas-feiras ajudam-me a ganhar novo fôlego e a suportar um pouco melhor a dor que sinto por estar longe da família.

 

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O porquê do vandalismo na escola de Carnaxide

 

Ensinar implica obrigatoriamente versar sobre o desenvolvimento humano, o mesmo desenvolvimento responsável pela produção das crianças e adolescentes com as quais o professor trabalha todos os dias. Todos os dias. Mesmo quando não trabalha. Já o disse, por fascínio, pela bandeira, pela tomada de consciência deste papel na sociedade. Um sentido para a vida. O tal espírito de missão. O mesmo espírito passível de compreender, ou pelo menos tentar compreender, o porquê de determinados comportamentos, mesmo se extremos e especialmente se extremos, antes de apontar o dedo ou sequer pensar em apontar. Quer queiramos ou não, e muitos não querem, fruto das frustrações impostas por um mundo cada vez mais desigual e onde dois adolescentes são facilmente o pão e o circo onde se descarrega toda uma bílis, estamos a falar de crianças entre os 14 e 15 anos de idade. Impulsivas, ou não estivesse o seu aparelho cognitivo ainda por formar e assim é o cérebro adolescente onde a imaturidade dos córtices frontal e pré-frontal levam este cérebro a recorrer à amígdala para a tomada de decisões, amígdala essa directamente associada às emoções, ao comportamento agressivo e aos instintos.

Why Do Adolescent Males Demonstrate Impulsive Behavior? (stonewaterrecovery.com) Ergo, um cérebro mais primitivo dentro do qual as emoções, para não dizer o conflito, as paixões, os sentimentos, o altruísmo, as causas, os traumas, as vitórias e conquistas vivem fora de limites e não há limites, tudo é possível e somos invencíveis, imortais e inférteis. Todos os adolescentes sabem-no. Os adultos é que não. Os adultos resignados, os adultos conformados para não dizer vencidos e aborrecidos, tementes e para quem escorregar na banheira equivale a um dia inteiro de emoções.

Conclusão imediata: os adolescentes responsáveis pelo vandalismo na escola de Carnaxide agiram por impulso. Agora resta saber a origem deste impulso. E aqui abrimos outra janela, mas uma janela para um universo inteiro. Se as consequências jurídicas e legais prestam-se céleres, como garantir que tal não aconteça com estes ou outros adolescentes? Qual o contexto familiar e socioeconómico destas crianças? Qual o historial familiar? Porquê esta necessidade de destruir, esta vontade de destruir? Se o Director da escola se mostra surpreso diante dos repórteres, estarão outros elementos da comunidade escolar igualmente surpresos ou teriam estas crianças dado a entender alguma inquietação para não dizer revolta? Chegam estas crianças tarde a casa? E porquê? Com quem se relacionam dentro e fora da escola? Estarão estes jovens na periferia ou já parte de um gangue? E quanto a avaliações psicológicas e neurológicas? Estarão as mesmas disponíveis? Tendo em conta a sua presença junto das autoridades na companhia dos pais, tal denota laços familiares ainda presentes, um sinal de esperança na resolução de conflitos, sinal esse cada vez mais raro nos dias que correm. Porque por maior que seja esta vontade, sem o apoio da família a reinserção social é quase uma impossibilidade quando a família é a própria sociedade para a qual se quer, ou não, voltar. As perguntas supracitadas, muitas, são prementes e necessárias e as respostas, nem por isso imediatas mas antes atempadas, ainda mais necessárias se queremos evitar o sofrimento destas e tantas outras crianças.

Se o seu sofrimento traz consequências, visíveis nos recentes acontecimentos na escola de Carnaxide, a sua responsabilidade última é e será sempre dos adultos ao redor, os adultos que formaram, ou não, as crianças agora presentes às autoridades, e repito, felizmente na companhia dos pais.

 

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A caminho da “digitalização da ignorância”…

A caminho da “digitalização da ignorância”…

 

O Ministério da Educação parece, cada vez mais, comprometido com a “digitalização da ignorância”…

De forma assumida, o IAVE tem procedido à “regulação” da dificuldade dos Exames, conforme declarações do seu Presidente em 26 de Dezembro de 2020, relativas ao modelo de Exames aplicado em 2020 e ao que se preconizava, nessa data, para o ano de 2021:

“O presidente do Instituto de Avaliação Educativa (Iave), Luís Pereira dos Santos, reconhece que o modelo usado nos exames nacionais do ensino secundário no último ano lectivo contribuiu para que fossem dadas notas demasiado elevadas” (Jornal Público em 26 de Dezembro de 2020)…

Referindo, ainda, na mesma publicação que: “As provas do 9º, 11º e 12º anos vão manter perguntas opcionais, como no ano passado, mas o nível de dificuldade das alternativas será semelhante para evitar classificações acima do normal”.

Como se não bastasse a existência de uma “regulação” que, pelas alegações anteriores, não pode deixar de se considerar como forçada e artificial, realizada anualmente pelo IAVE, relativa ao grau de dificuldade dos Exames e aos respectivos critérios de correcção, parece que teremos também o reforço de um modelo de Exames/Provas centrado em “cruzinhas”…

Comprovando o anterior, em 17 de Novembro de 2022, o Jornal Público noticiou que: “O Ministério da Educação confirmou esta semana que as provas de aferição do 2º, 5º e 8º anos de escolaridade obrigatória vão ser realizadas por todos os alunos em suporte electrónico”…

Ou seja, prevalecerão as Provas inteiramente digitais, ou se se preferir “de cruzinhas”, em que não será exigida aos alunos qualquer produção escrita…

Os Exames Nacionais e Provas de Aferição compostos apenas por questões de escolha múltipla, vulgarmente designados por Testes “de cruzinhas” ou “à americana”, não serão, com certeza, o mais adequado para os alunos, em particular para aqueles que se encontrem abrangidos pela Escolaridade Obrigatória…

Desde logo porque, em termos gerais, esse modelo de avaliação não parece estimular nem incentivar, e muito menos valorizar, o espírito crítico com recurso à capacidade de argumentação escrita…

A argumentação, oral ou escrita, pressupõe a exercitação do pensamento lógico e da capacidade reflexiva. No caso presente, se a argumentação for escrita, tal implicará que esse pensamento seja organizado num discurso coerente, o menos ambíguo possível e linguisticamente correcto…

Consequência do anterior, os Exames e Provas que apenas exijam respostas “de cruzinhas”, permitirão, com maior facilidade, escamotear e dissimular a eventual ausência de conhecimentos dos alunos sobre determinados temas ou a respectiva dificuldade em expor certos pontos de vista, contribuindo assim para a obtenção de resultados potencialmente enganosos e ilusórios…

Mas, e na verdade, talvez seja esse o derradeiro objectivo do Ministério da Educação:

– Pouco importará se os alunos sabem ou não escrever e falar correctamente ou se conseguem ou não reflectir e defender ou contestar determinados argumentos, o que efectivamente parece relevar será a obtenção de elevadas taxas de “sucesso”, ludibriando os próprios alunos, assim como os respectivos pais/encarregados de educação…

Face ao anterior, relativamente aos pais/encarregados de educação, também não pode deixar de se estranhar e de lamentar o silêncio e a inacção das Associações que supostamente os representam…

Incompreensível esse assentimento e essa conivência, perante o facilitismo que tem vindo a ser difundido pelo Ministério da Educação e pelo decorrente incentivo à ablação do pensamento crítico, que previsivelmente tornará os actuais jovens mais permeáveis e susceptíveis à manipulação por terceiros e à crença em falsas proposições…

O Ministério da Educação/DGE (Aprendizagens Essenciais/Cidadania e Desenvolvimento), espera que a escola prepare “os alunos para a vida, para serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas”…

Mas, e de forma paradoxal e inconcebível, tudo isso poderá, afinal, resumir-se a um conjunto de “cruzinhas” que, no limite, até poderá corresponder a um número indeterminado de respostas dadas ao acaso ou de forma aleatória…

A facilidade com que a actual Tutela “diz e se desdiz” começa a ser verdadeiramente surreal e confrangedora…

Os Exames Nacionais/Provas de Aferição até poderiam contemplar perguntas de escolha múltipla, mas não deveriam abdicar de também considerar perguntas cujas respostas requeressem a elaboração de um discurso escrito coerente e lógico, idealmente sem vícios do ponto de vista linguístico…

A maior parte dos jovens que “consome” diariamente conteúdos propalados pelas redes de comunicação virtual como o Facebook, o Instagram, o WhatsApp, o Twitter, o TikTok ou o Youtube adopta, frequentemente, uma espécie de “linguagem alternativa”, marcada por um jargão próprio, onde abundam, por exemplo, abreviaturas, estrangeirismos e expressões idiomáticas…

Sem defender a ortodoxia da Língua Portuguesa e sem querer concebê-la como uma realidade rígida e imutável, se o contexto académico não prezar o domínio da mesma, falada e escrita, a interiorização dessa “linguagem alternativa” acabará por conduzir a uma amálgama linguística, sem regras e sem identidade…

Por outro lado, não poderá ignorar-se o número significativo de jovens universitários que apresenta dificuldades notórias, por exemplo, na redacção de documentos, nomeadamente ao nível da correcção ortográfica, o que denota um frágil domínio da Língua Portuguesa…

E nem o facto da Língua Portuguesa ser “muito traiçoeira” (Herman José em “Casino Royal”) poderá servir como justificação de tais dificuldades…

Se os Exames Nacionais/Provas de Aferição servirem apenas para “branquear” um Sistema Educativo obscuro e à deriva, à custa de um “sucesso contrafeito”, ficarão essas avaliações irremediavelmente desvirtuadas e vazias de qualquer sentido ou significado…

A ser dessa forma, restarão à Escola duas funções: por um lado, entreter e, por outro, legitimar a “digitalização da ignorância”…

A “doutrinação”, sob a forma de propaganda, de muitas “Formações Holísticas, Metafísicas e Transcendentais” e de profusos discursos “lírico-melosos”, costumeiramente hipócritas e patéticos, a fazerem lembrar a sensação de ter uma pastilha elástica colada ao sapato num dia tórrido de Verão, vão servindo para ludibriar e mascarar a realidade da maior parte das Escolas Públicas…

Mas dentro dessas escolas há crianças e jovens em processo de desenvolvimento e de formação…

Que modelos de aprendizagem psicossocial são disponibilizados a esses jovens por uma Educação Formal que, ao mascarar a realidade, dificilmente os preparará para a enfrentar?

Será legítimo exigir a esses jovens a responsabilidade e a maturidade esperadas em função da sua idade, quando os exemplos e referências que lhes são apresentados costumam ser maus e vir “de cima”?

“Eu sempre pensei que o objectivo da Educação era aprender a pensar por si mesmo”…

(John Keating, personagem interpretada por Robin Williams, no Filme “O Clube dos Poetas Mortos”)…

O actual Ministério da Educação faz de conta que esse também é um objectivo da Escola que dirige, mas na prática renega aos alunos a capacidade de “pensar por si mesmos”, em particular através da reflexão escrita, que tem vindo a ser desvalorizada e preterida pela própria Tutela…

Os absurdos e as contradições made in Ministério da Educação sucedem-se…

Os resultados obtidos pelos alunos nos Exames Nacionais/Provas de Aferição que ignorem a produção escrita e a reflexão crítica poderão ser considerados como dados significativos e fidedignos na avaliação do próprio Sistema Educativo?

Que valor terão dados estatísticos potencialmente obtidos de forma artificial, duvidosa e enviesada?

E a Escola lá continua a escamotear a realidade e a enganar os jovens, com toda a desfaçatez…

Dando azo ao sarcasmo, também continua o inestimável contributo do Projecto MAIA que, em vez de simplificar a avaliação dos alunos, veio adensar ainda mais algumas trapalhadas e contribuir para a fantasia reinante, fundamentando-se em pressupostos teóricos inconcretizáveis em termos práticos e ignorando as condições humanas e materiais existentes na maioria das escolas…

Dando azo ao sarcasmo, o conforto proporcionado por alguns Gabinetes e a distância que os separa de qualquer escola e, em particular, das salas de aula, poderão ser verdadeiramente enganadores, na medida em que costumam ser péssimos “conselheiros”…

Dando azo ao sarcasmo, a visão “holística, inclusiva, integradora e auto-reflexiva”, defendida pelo Projeto MAIA (Folha 14), o que quer que isso seja, será sempre muito fácil de concretizar quando se está longe de uma sala de aula e se desconhece o funcionamento diário de uma escola…

Dando azo ao sarcasmo, por último, uma pequena referência aos Sindicatos da Educação que recentemente “acordaram para a vida”, depois de terem sido apanhados desprevenidos por uma Manifestação:

“Se não puderem ajudar, atrapalhem. Afinal, o mais importante é participar”…

(Roubado da Internet, de autor desconhecido).

(Paula Dias)

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Cuidem-se os Professores

…com esta nova ferramenta capaz de elaborar trabalhos fazendo uso de alguma inteligência artificial.

 

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