A pandemia docente

 

A pandemia docente

No presente artigo escrevo sobre uma problemática gravíssima e cada vez pior com o avançar galopante da pandemia: a situação dos professores. É imperativo que se desmistifiquem algumas ideias adoptadas pela sociedade em geral mas que, em várias situações, não correspondem minimamente à realidade.

Em primeiro lugar, começo com uma pergunta para o leitor interiorizar: Quantas vezes já se ouviu o chavão de que os professores ganham muito bem e são ricos? Provavelmente muitos dirão “muitas vezes”. A verdade, se procurada com rigor, revela-se completamente antagónica àquilo que é a ideia formatada. Vejamos, raro é o professor que consegue um salário superior aos 1600 euros, isto muito por força da exorbitante carga fiscal. Poder-me-ão responder “mas 1600 euros é muitíssimo”. Tenho a perfeita noção de que os salários em Portugal são, no seu geral, muito baixos, mas considerarmos que um professor que receba esses 1600 euros é rico é, no mínimo, descabido, até porque esse profissional se formou ao nível superior e investiu muito para isso. A somar ao previamente referido, raro é o professor que chegue ao último escalão das progressões. Para que isso aconteça, é necessário, entre outras coisas, que o professor tenha trabalhado sempre sem nenhum ano de interregno.

Para ascender de escalão, o professor necessita de trabalhar sem interregno. Até este desenlace há todo um outro caminho muito desconhecido a ser percorrido: o percurso cheio de obstáculos até à efectivação. Até que isto se concretize, muitos estão susceptíveis a serem colocados completamente fora do quadro de zona, aliás, completamente fora dos máximos humanamente aceitáveis, com a existência de casos de colocações a mais de trezentos quilómetros dos seus lares.

Por outro lado, podendo não parecer, é um ofício deveras desgastante. Muitos dos que aqui estão a ler, decerto serão pais e sabem, melhor que ninguém, que cuidar um filho, por vezes, não é a coisa mais simples do mundo. Com isto, peço que se imaginem com 25 ou 30 crianças juntas numa mesma sala. Por conseguinte, este é um tema que desencadeia problemáticas umas atrás das outras. Imagine-se o que será um professor, com o cenário exposto, cuja idade seja superior a 60 anos. Sim, porque segundos dados da OCDE a média de idades dos professores em Portugal é altíssima, situando-se nos 49 anos e com a agravante de cada vez menos jovens se interessarem pela carreira docente.

Este dado tem a particularidade de ser comparável à nossa economia, pois se na economia batalhamos para não sermos ultrapassados pelo bloco de leste e ex-comunista (URSS), neste caso das médias de idades dos professores acontece justamente o mesmo: estamos a batalhar por não sermos ultrapassados por países como a Bulgária, Lituânia ou a Geórgia, o que revela muito do défice de reformas estruturais a todos os níveis em Portugal, em particular, na instrução (isto porque dispenso chamar-lhe educação, pois, na minha óptica, a educação é transmitida pela família e os ministérios da Educação são as casas de cada um). Dito isto, é necessário que se esclareça que a função de um professor é transmitir conhecimentos e ensinar e não ocupar-se de transmitir educação, que deve ser responsabilidade dos pais. Ainda neste campo, por muito que a jornada de trabalho de um professor oficialmente não seja das maiores, entenda-se que é raro o dia em que não leva trabalho para casa, seja em reuniões, na preparação de aulas (sim, elas são preparadas), entre outras coisas.

Se a pandemia nos mudou e trouxe muita coisa de novo às nossas vidas, a vida de um professor foi das que mais mudou (muitas vezes para pior). Vejamos, os professores tiveram que se reinventar. As aulas online são o exemplo mais vincado. Sem qualquer formação e preparação, muitos (inclusive aqueles com mais dos 60 anos previamente referidos) tiveram que se adaptar à nova e difícil realidade. Em acrescento, e numa altura em que muito se fala em impactos económicos e no fosso, ainda maior, da pobreza, os professores depararam-se com a inexistência de qualquer apoio estatal. Ainda que o Governo tenha, mais uma vez, falhado nas promessas relativas à entrega de computadores, alguns (muito poucos) foram entregues, mas nunca, nunca houve qualquer ajuda para os docentes. Fora a situação (esta já antiga) dos professores contratados, que muitas vezes nem para a segurança social nem para a ADSE podem descontar. Sim, não é nos EUA, é mesmo cá.

Em suma, sem qualquer tipo de objectivo em lançar anátemas, espero ter elucidado um pouco mais para este problema complexo tratado de uma forma assustadoramente simplista. Mil e poucos euros não é nada, meus caros. Para quem gasta metade em combustível ou em rendas para pagar (a situação de alguém, por exemplo, colocado em Lisboa a receber esse montante, mas a perder metade também na renda), essa quantia é irrisória. Peço muito humildemente que se valorize a profissão, arrisco mesmo a dizer, a mais importante. Um professor ensina o diplomata, o médico, o enfermeiro, o engenheiro, o construtor civil, o artista, o mecânico, entre todos os outros. Não os julguem, valorizem.

 

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8 comentários

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    • Pintassilgo on 23 de Março de 2021 at 12:27
    • Responder

    “Tenho a perfeita noção de que os salários em Portugal são, no seu geral, muito baixos…”

    Claro que SIM….Portugal é a “africa” da Europa em termos de salários….Ganha-se mal e porcamente de uma forma geral……..o salário minimo em Portugal é de 665, 00 Euros ILIQUIDOS ….o trabalhador desconta 11% para (73,15 euros)…..ou seja, o Salário Liquido é de 591,85 Euros LIQUIDO. Situação MISERÁVEL

    Portugal, em várias áreas, nomeadamente nos TEXTEIS compete diretamente com a TURQUIA onde tambem são pagos salários Miseráveis. Portugal é o NOJO da Europa……Portugal é Bom para os cidadãos de países Europeus virem para cá passar férias e fazer compras devido ao preço da mão-de-obra ESCRAVA de que o País se orgulha.

    Um País em que se atribuem condecorações como Comendador da Ordem do Infante D. Henrique a Treinadores de Futebol como Jorge Jesus e Abel Ferreira…..em que se dá um nome de um jogador de Futebol a um Aeroporto (Aeroporto Cristiano Ronaldo) é um NOJO….é um PAÍS SUBDESENVOLVIDO.

    Os professores relativamente a este contexto estão efetivamente bem pagos. Diga-se que um ordenado LIQUIDO de 1.200,00 …1.300,00….. Euros é Muito Bom nesta Terra Miserável.

    Portugal é a “áfrica” da Europa e é assim que é vista lá fora.

      • Pintassilgo 2 on 23 de Março de 2021 at 18:30
      • Responder

      Olá Pintassilgo, digo Atento!

    • Maria on 23 de Março de 2021 at 12:39
    • Responder

    Meus caros o desrespeito pela profissão e pelos professores não se situa somente nos salários, desde logo pela carga de trabalhos, graças ao estatuto do aluno que, quase se faz “o pino” para que alunos que nada querem fazer e faltam sem qualquer justificação, ultrapassando o limite de faltas injustificadas… Para quem sobra todo o trabalho de recuperação das aprendizagens que nunca aconteceram porque os malandros não vão às aulas?! Para os professores!!! Planos mais planos e planinhos…. haja exigência, isso sim!!! Não querem?! Há mais quem queira aprender…

    • Fernando, el peligroso de kas verdades. on 23 de Março de 2021 at 14:15
    • Responder

    Muito bem! Educação em casa. Instrução na escola.
    Só que os pais grunhos não querem fazer nada com os filhos.
    Ora, filho de grunho dá grunho! Mas não interessa, pois o rendimento mínimo cai no fim do mês. E se a grunha velha for parideira, isso dá muitos grunhos, o que aumenta o pecúlio monetário mensal.
    Vamos aturar isto, esta grunhagem?

      • Micas on 23 de Março de 2021 at 20:38
      • Responder

      o que propõe ?

      extermínio em massa?

      gaseamento em duches comunitários?

        • Fernando, el peligroso de kas verdades. on 24 de Março de 2021 at 5:31
        • Responder

        Não, isso não! Gaseamentos, não!
        Proponho aumento do rendimento mínimo para os grunhos andarem ainda mais contentes!
        E você, o que propõe?

  1. O chavão “os professores ganham bem” é tão válido como o chavão “os professores ganham mal” , embora apenas este seja verdadeiro.
    Obviamente, quem escolhe ser professor sabe que jamais será rico, mas também não precisaria de ” ganhar mal”. Escuta-se do empresário amigo, do gestor conhecido, do advogado vizinho, do médico familiar que os professores ganham mal. Escuta-se de cidadãos menos informados, menos privilegiados ou mais invejosos que os professores ganham bem. Tanto faz. Não se pode é aceitar que quem decide, considere que os professores “ganham bem”.

    • Isabel on 25 de Março de 2021 at 9:33
    • Responder

    Quanto ganha um professor?! No início da carreira? No meio da carreira? Como e quando se progride na carreira? Cada vez mais difícil… subir de escalão e a grande maioria não chega ao topo… impedida por barramentos de vária ordem… A EDUCAÇÃO VEM DE CASA. A INSTRUÇÃO ADQUIRE-SE NA ESCOLA.

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