O atual modelo de administração e gestão das Escolas, de 2008, introduziu duas alterações muito significativas em relação ao anterior, de 1998. A primeira foi a substituição do conselho executivo pelo diretor, ou seja, de um órgão de gestão colegial por um órgão unipessoal. Com esta simples mas significativa mudança, a responsabilidade nas Escolas públicas passou a ter um rosto, uma pessoa concreta, perfeitamente identificada e conhecida de toda a comunidade, a quem se podem exigir respostas e contas. A segunda foi a diluição do peso da comunidade escolar na escolha direta do órgão de gestão: uma boa parte do poder de decisão na escolha do diretor foi transferida dos professores e funcionários para novos protagonistas – a autarquia e os representantes da comunidade local.
Mesmo considerando algumas debilidades que enunciarei adiante, o atual modelo é o que melhor responde às necessidades de uma Escola Pública de qualidade e o mais democrático que tivemos depois do 25 de Abril, porque mais do que qualquer um dos anteriores reflete e acolhe a diversidade de todos os interessados locais na educação dos jovens.
Para além dos professores, funcionários e alunos, este modelo trouxe à Escola e deu representatividade e poder efetivo aos pais, à autarquia e aos representantes da comunidade local. Foi com ele que o Estado central transferiu uma parte da responsabilidade da gestão das Escolas e, por conseguinte, da administração da Educação, para os que são os primeiros interessados (e os mais afetados) por ela. Um enorme passo no reforço da democracia, portanto. Foi com ele que se abriu a Escola à comunidade e se encontrou um assinalável equilíbrio na distribuição de competências e responsabilidades pelos quatro órgãos de administração e gestão (conselho geral, diretor, conselho pedagógico e conselho administrativo), nos quais, note-se bem, a comunidade educativa está inequivocamente representada.
Caso o Governo seguisse as teses defendidas por alguns “especialistas” que têm vindo a criticar o atual modelo, voltaríamos a ter uma gestão das Escolas de cariz excessivamente corporativo, maioritariamente dependente daqueles que nelas trabalham. Seria um imenso retrocesso que em nada beneficiaria a Escola pública, antes pelo contrário, desviá-la-ia da sua principal missão, que é a de proporcionar uma Educação de qualidade a todos os alunos do ensino público.
A qualidade da democracia que se vive nas Escolas, tal como a da que se vive no país, depende em muito da capacidade de intervenção, do envolvimento, da participação e da responsabilização de todos os elementos da comunidade escolar, nomeadamente dos professores. A pessoa que dirige a Escola é apenas mais um ator, cuja ação se rege por princípios legais e éticos, como a de todos os outros. Por isso, a utilização dos argumentos da falta de democracia nas Escolas ou da degradação da sua qualidade, não é mais que fumaça lançada sobre um debate que se deveria querer objetivo e transparente.
Obviamente, também não colhem as recentes críticas de que o diretor concentra em si demasiados poderes e que é uma figura autoritária, cuja ação impede a convivência democrática nas Escolas. Desde logo, porque não se vê que “poderes” são esses e em que outros órgãos deveriam estar sedeados. Nem os críticos os identificam, nem apresentam factos ou situações que possam configurar autoritarismo ou falta de democracia. Uma discussão honesta impõe que o façam.
Mesmo considerando o atual modelo o melhor, há quatro aspetos que devem merecer reflexão tendo em vista o seu aperfeiçoamento:
1) No que diz respeito ao recrutamento, o regime híbrido de escolha do diretor, caracterizado por um procedimento concursal seguido de eleição, não promove a transparência, nem ajuda a credibilizar o processo, uma vez que o candidato mais votado pode não ser aquele que apresenta melhores argumentos concursais. Ou seja, em tese, quer o currículo quer o projeto apresentados por cada candidato perdem valor face à eleição por voto secreto. Ora, se o que verdadeiramente conta na escolha do diretor é a eleição, então justifica-se que o processo de seleção tenha por base, exclusivamente, a eleição, verificados que sejam os requisitos exigíveis para apresentação a concurso.
2) O atual modelo apenas permite a eleição de diretores sem habilitação específica quando a concurso não surja nenhum candidato com essa habilitação. Daqui resulta que esta “exigência” descredibiliza o cargo de diretor e menoriza os eleitos, abrindo portas à existência de diretores “de primeira” e “de segunda”. De facto, ou a habilitação específica é necessária, obrigatória, e em caso algum pode ser escolhido diretor que não a possua, ou, como defendo, é dispensável e, em todos os casos, o conselho geral poderá eleger qualquer um dos docentes admitidos a concurso, tenham ou não essa habilitação. Desta forma, para além de se alargar o universo de candidatos disponíveis, impedia-se que o Estado continuasse a utilizar um expediente vexatório para suprir a falta de candidatos habilitados.
3) Com a transferência de competências do Estado central para as autarquias, iniciada em 2008, em muitas Escolas do país o pessoal não docente passou a estar vinculado às autarquias, as quais ganharam uma expressão eleitoral que pode fazer desequilibrar em seu favor o balanço dos interesses locais representados no Conselho Geral.
4) Parece-me mal a falta de simultaneidade entre o mandato do diretor e o do conselho geral que o elege. De facto, a lei não impede que um diretor seja eleito por um conselho geral com composição substancialmente diferente daquele que o acompanha no desenvolvimento do mandato. Esta situação, bastante frequente e estranha à lógica do modelo, pode causar entropia e prejudicar o desejável relacionamento entre órgãos, o que seria de evitar. Assim, a legislação deveria caminhar no sentido de fazer coincidir os mandatos do conselho e do diretor, i.e., eleger primeiro o conselho e este, depois de instalado, iniciar os procedimentos para a eleição do diretor.
O modelo não é perfeito, concedo. No entanto, o debate que se vier a fazer sobre os seus méritos deve ser iluminado por uma racionalidade que procure o seu aperfeiçoamento e não por uma lógica contaminada pelo desejo (incontido) de regresso a um passado conhecido e que não foi capaz de promover a qualidade da Escola Pública.
José Eduardo Lemos
Diretor da Escola Secundária Eça de Queirós
Póvoa de Varzim