Primeiro trimestre do ano letivo 2024-2025 demonstrou falta de eficácia das medidas tomadas pelo MECI; à falta de professores juntou-se a falta de ambição para dar resposta ao problema
No final do primeiro trimestre do ano letivo 2024-2025, coincidente com o final do primeiro período letivo nos agrupamentos e escolas que se organizam dessa forma, o número de alunos sem, pelo menos, um professor não é muito diferente do que se registava em 2023-2024.
Para esta situação contribuem fatores como:
- A redução efetiva do número de professores que resulta, em grande parte, da diferença entre saídas e entradas na profissão;
- O crescente número de aposentações, tendo-se atingido os 1686 entre 1 de setembro e 31 de dezembro; se tivermos em consideração o ano civil, houve 3981 aposentações. Em 2025 as saídas manter-se-ão elevadas, com mais 374 docentes a aposentarem-se no próximo mês de janeiro;
- A falta de medidas para recuperar os docentes que abandonaram a profissão. De acordo com o ministro, terão sido mais de 14 500 só nos últimos seis anos; dois meses depois, ainda segundo o governante, só 667 terão regressado, após abandonarem a escola pública há, pelo menos, um ano;
- O aumento do número de alunos, em especial imigrantes, que são hoje mais de 140 000, apesar de esta ser uma boa notícia;
- O fraco impacto das medidas aprovadas pelo governo, quer no âmbito do designado Plano +Aulas +Sucesso, quer outras avulsas, como confirmam números já conhecidos: adesão de aposentados: 63 (previam-se 200); adiamento da aposentação, com atribuição de suplemento remuneratório: 285 (previam-se 1000); novos docentes no sistema, na sequência do concurso externo extraordinário: 265 (abriram 2309 vagas). Desconhece-se o resultado de outras medidas, tais como a contratação de docentes do ensino superior e investigadores, doutorados e mestres com habilitação própria, bolseiros de doutoramento ou imigrantes devidamente qualificados.
Em relação às medidas cujo impacto se desconhece, a FENPROF requereu informação ao MECI, a qual, até hoje, não foi recebida. Amanhã, 19 de dezembro, expira o prazo previsto no Código de Procedimento Administrativo para o ministério responder, podendo a FENPROF recorrer a Intimação Judicial para obter a informação requerida.
- Horas extraordinárias: acima de 60 000 só durante o primeiro trimestre
As horas extraordinárias terão sido uma prática comum, tendo em consideração a obrigatoriedade de aceitação.
De acordo com o levantamento feito pela FENPROF, com base em amostra de 203 agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas (AE/EnA), distribuídas pelas diversas regiões do continente, correspondendo a 25,1% do total, os docentes que exercem atividade nas escolas, ao longo do 1.º período, terão sido sobrecarregados com mais de 60 000 horas extraordinárias. Este é o número estimado a partir do número de horas extraordinárias atribuído nos 203 AE/EnA do levantamento, que foi de 15 253. Em média, 1 em cada 2 docentes teve uma hora extraordinária, no entanto, como há escolas sem horas extraordinárias atribuídas, noutras o número é muito elevado, ultrapassando as 5 por docente previstas no ECD.
Em Aveiro e em Sintra há agrupamentos de escolas com serviço extraordinário atribuído a mais de 50 docentes. Há, ainda, outros agrupamentos com um número elevado de docentes com horas extraordinárias atribuídas: em AE de Évora e de Santarém são 44, em Castelo Branco 41, em Albergaria a Velha 35, em Torres Vedras 26, em Braga 25, na Ericeira 23, em Portimão 22 e nas Caldas da Rainha 21.
Este número irá aumentar, devido à saída, todos os meses, de centenas de docentes para a aposentação, provocando, à medida que o ano letivo avança, um número crescente de professores em situação de exaustão.
Exemplos em que o número de horas extraordinárias foi mais elevado neste 1.º período, há, entre muitos outros, os seguintes: AE da Ericeira – 351; AE de Aveiro – 294; AE Professor António da Natividade, Mesão Frio – 264; AE de Albergaria a Velha – 194; AE Amadeu Souza Cardoso, Amarante – 177; AE Ferreira de Castro, Sintra – 152; AE Gabriel Pereira, Évora – 82; AE Poeta António Aleixo, Portimão – 68; AE Rainha D. Leonor, Sintra – 66; AE de Pedrógão Grande – 60; AE de Valongo – 60.
Estes números só contabilizam as horas extraordinárias assinaladas no horário porque, como é do conhecimento geral, muitas escolas usam e abusam da vida dos professores, obrigando-os a participar em reuniões e a desenvolver atividade docente muito para além das 35 horas semanais que a lei estabelece. Alertadas para o problema, as sucessivas equipas ministeriais têm recusado resolvê-lo, daí a greve ao sobretrabalho que a FENPROF convoca já há alguns anos, permitindo aos professores aderir sempre que entendam fazê-lo.
- Número e natureza de horários para contratação confirmam recurso abusivo a vínculos precários, mas, também a crescente falta de professores
As chamadas necessidades temporárias dos AE/EnA começaram por ser preenchidas através da Contratação Inicial (CI) e, a partir daí, das Reservas de Recrutamento (RR).
Por via da CI e da RR tivemos, até 13 de dezembro, 13 085 colocações, das quais 5947 (45,4%) foram em horários anuais. Destes, 4687 (78,8%) eram horários completos. Estes números confirmam que se continua a recorrer, abusivamente, a docentes com vínculo precário para satisfazer necessidades permanentes das escolas.
Os restantes 7138 horários eram temporários, sendo 3978 completos e 3169 incompletos, muitos dos quais provenientes da aposentação de docentes.
Porém, ao longo do 1.º período letivo e até ao final da semana passada, foram colocados em oferta de escola, para contratação direta, 9696 horários, dos quais 5299 (54,7%) anuais e 4397 temporários.
Temos, assim, mais de 22 000 horários preenchidos por docentes com vínculos precários, número que é revelador da falta de docentes nos quadros, mas, também, nas reservas de recrutamento. Número que destaca, ainda, um nível elevado de precariedade na profissão, da ordem dos 18%.
Numa apreciação mais fina, por distrito, os cinco em que foi lançado um maior número de horários na plataforma para contratação de escola são: Lisboa (3801), Setúbal (1529), Faro (1037), Porto (519) e Santarém (453).
Por Grupo de Recrutamento, a ordem decrescente é: GR 110 (1.º Ciclo) – 1078 horários; GR 910 (Educação Especial) – 842 horários; GR 550 (Informática) – 763 horários; GR 300 (Português) – 771 horários; GR 100 (Educação Pré-Escolar) – 509 horários; GR 420 (Geografia) – 484 horários.
Exemplos de agrupamentos de escolas que tiveram de lançar mais horários na plataforma destinada à contratação der escolas, alguns repetidamente, por falta de candidatos, temos: AE de Silves (92); AE Aqua Alba, Agualva, Sintra (67); AE de Odemira (67); AE Queluz-Belas (64); AE Vergílio Ferreira, Lisboa (58); As João Villaret, Loures (57); AE Eduardo Gajeiro, Loures (57); AE Leal da Câmara, Sintra (53); AE Fernando Namora, Amadora (52) e AE Rainha D. Leonor, Lisboa (50). Assinale-se que, com exceção de Silves e de Odemira, os restantes AE são da área da Grande Lisboa.
- Não pode valer tudo para evitar tomar a medida de fundo!
A falta de professores está a levar à contratação do maior número de sempre de docentes com habilitação própria, que serão, hoje, na ordem dos 4000.
Esgotado esse recurso, muitas escolas começaram a recorrer a pessoas sem qualquer requisito habilitacional (habilitação profissional ou própria), contratando-as como “técnicos especializados”. Da parte do MECI, a informação prestada nas reuniões realizadas é de que, nestes casos, as escolas terão de continuar a colocar os horários a concurso, no entanto, as orientações que a administração educativa parece estar a dar às escolas vai noutro sentido. É o que decorre do PowerPoint apresentado em Webinar com os diretores no dia 11 de outubro, p.p..
Naquela apresentação é referida a possibilidade de serem contratados técnicos especializados com formação científica adequada, seja isso o que for, mas, também, sem formação adequada. Estes últimos realizam atividades, ainda que não concorram para a disciplina e não sejam avaliadas, afirma-se; já os primeiros aplicam os instrumentos de avaliação e se esta se aproximar dos resultados médios esperados, poderá ser considerada. Isto é, a administração educativa admite que alunos sejam avaliados por pessoas sem qualquer tipo de habilitação para a docência, deixando ao critério de cada escola a sua consideração, ou não, podendo gerar inadmissíveis quebras de equidade, mas, também, demonstrando fraca confiança em pessoas que estão nas escolas com funções letivas atribuídas.
No mesmo PowerPoint, admite-se a atribuição de horas do GR 550 (Informática) a docentes de qualquer outro grupo de recrutamento detentores do nível 3 ou 2 da formação designada “Capacitação Digital de Docentes”. Também para o GR 910 (Educação Especial) refere-se que “Podem ser atribuídas horas deste grupo de recrutamento a docentes dos GR 260 e 620 ou outros, que possuam, na sua formação de base, certificação que lhes permita suprir determinada necessidade deste grupo”.
Entende a FENPROF que não pode valer tudo, mas parece já estar a valer para evitar tomar a medida que se impõe urgentemente, aquela que poderá valorizar a profissão, tornando-a atrativa.
- Número estimado de alunos que, neste primeiro trimestre, nem sempre tiveram todos os professores
Apesar das medidas tomadas, o impacto da falta de professores, este ano, não andou longe do verificado no primeiro trimestre do ano transato. Pelo que tem sido possível contabilizar, e que fica abaixo da realidade, a FENPROF estima que, neste primeiro período:
– Cerca de 2000 alunos não tiveram pelo menos 1 professor ao longo de todo o período;
– São na ordem dos 30 000 os que se encontram, neste momento, sem um professor, para o que contribui, em grande parte, a aposentação de 506 docentes, só em dezembro;
– Ao longo deste primeiro período, sem considerar as ausências de curta duração, mais de 300 000 alunos estiveram, no mínimo, três semanas a um mês, sem um professor.
A falta de professores não é um problema exclusivo das escolas públicas. No ensino privado o problema é tão ou, ainda, mais sentido, embora a opacidade desse subsistema o esconda. A falta de professores é, pois, um problema do país, cuja resolução não pode continuar a ser adiada.
- Só há uma solução: valorizar a profissão, tornando-a atrativa
A valorização da profissão passa, em grande parte, pela revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD). O próprio ministro Fernando Alexandre tem afirmado isso, mas das palavras à concretização parece ir uma distância de… 3 anos.
No próximo dia 27 de dezembro haverá uma reunião no MECI para aprovação de um Protocolo Negocial para a revisão do ECD. Esta reunião já esteve prevista para 13 e para 17 de dezembro, mas foi adiada. De acordo com o primeiro calendário avançado pelo ministério, a entrada em vigor só aconteceria em 2027, após aprovação de lei da Assembleia da República.
A FENPROF não concorda com a integração do ECD em lei, pois ficaria sujeito a alterações conjunturais por conveniência política, tomadas à margem nas normas legais da negociação coletiva. Como tal, defenderá, no próximo dia 27, que a negociação decorra até final do presente ano letivo e que o novo ECD, revisto e valorizador, entre em vigor em 2025-2026.
Nesse sentido, na reunião de dia 27 de dezembro, entregará no ministério um abaixo-assinado com milhares de assinaturas e se for imposto outro calendário não subscreverá o Protocolo Negocial, não abdicando, contudo, do direito que lhe é legalmente reconhecido de participar no processo negocial.
Lisboa, 18 de dezembro de 2024
O Secretariado Nacional da FENPROF