15 de Dezembro de 2024 archive

“Quem fica calado, esconde melhor a sua dor”?

Não é intencional que este texto seja lamechas, mas se calhar é lamechas… Se for, paciência… Afinal, até as miríficas e indispensáveis Cartas de Amor serão ridículas, intuindo-se que também sejam lamechas, nas geniais palavras de Álvaro de Campos…

Além de lamechas, também é possível que este texto possa ser julgado como um bocadinho chato… Mas, em minha defesa, lembrem-se que Edmund Husserl continua a ser lido, e até idolatrado, por muitos “ devotos fiéis”, apesar de também haver quem o considere como “o maior de todos os chatos”, com uma mensagem iminentemente indecifrável e ininteligível para o comum dos mortais

Agora que já me desculpei, ou pelo menos tive esse intuito,obviamente à procura de justificações que possam levar àabsolvição, cá vai:

Na Escola Pública, cada vez mais, se finge que está tudo bem, cedendo-se, amiúde, à toxicidade da “ditadura” dos afectos positivos e da felicidade impingida, onde dominaa falácia das aparências optimistas e a contenção dos sinais exteriores de desânimo ou de infelicidade

Implicitamente, chega-se, até, ao cúmulo de correlacionar (in)felicidade com (in)competência:

– Quem não é feliz, quem não se mostra feliz, é porque é incompetente…

Mas a realidade, por vezes dolorosa e frustrante, de difícil admissão para muitos, encontra-se frequentemente pontuada por problemas e dificuldades muito concretos, impossíveis de serem ignorados ou escamoteados

Há uns dias atrás, ouvi alguém, afirmar o seguinte:

– “Quem fica calado, esconde melhor a sua dor”…

Quem fica calado, esconde melhor a sua dor? Talvez…

Ainda que também se comunique pelo silêncio, ficar calado acaba mesmo, muitas vezes, por ser uma forma de esconder a dor, de dissimular ou omitir o que realmente se sente

O silêncio de quem fica calado, nem sempre é sinónimo depaz interior, de serenidade ou de apaziguamento… Muitas vezes, essa aparente e ilusória tranquilidade decorre do sentimento de vergonha e do medo de mostrar certos estados emocionais, em particular os que possam ser interpretados como “fragilidades” ou “fraquezas”

Quanta tristeza, quanta solidão, quanta vergonha, quanto desânimo, poderão estar aprisionados no silêncio dos que ficam calados?

Nas escolas parece existir muito silêncio dos que escondem a sua dor, sobretudo motivada pelo desânimo e pela exaustãofísica e psicológica

Tantas vezes se clama por Liberdade, tantas vezes se enaltece a Liberdade, tantas vezes se diviniza a Liberdade, mas tantas vezes não a praticamos connosco próprios…

Suponho que, por vezes, tenhamos medo e vergonha de praticar a Liberdade connosco próprios Talvez tenhamos medo e vergonha da possibilidade de ficarmos “desnudados”, demasiado expostos e à mercê dos julgamentos e do cinismo alheios…

Opta-se, então, muitas vezes, pelo fingimento e também pelos sorrisos forçados

E não estou sequer a falar daquele fingimento com um sentido intencionalmente perverso, destinado a enganar terceiros porvia da falsidade

Estou a falar de um fingimento mais ingénuo, de certa forma também menos doloso, que costuma enganar, em primeiro lugar, aquele que o pratica

E, tantas vezes, se finge tão bem e se é enganado pelo próprio fingimento

Parece, até, haver exímios praticantes da “arte do fingimento”, aparentemente capazes de o elevar ao mais alto patamar, chegando mesmo a “fingir que é dor, a dor que deveras sentem”, assim à laia de um poeta fingidor como o de Fernando Pessoa

Mas com franqueza, que se lixem os julgamentos e o cinismo alheios!

Conseguir verbalizar e exteriorizar o próprio sofrimento ou os problemas que nos afectam, aparece frequentemente como uma impossibilidade: o medo e a vergonha, que nos levam a reprimir a expressão de tais contrariedades, ganham muitas vezes esse desafio…

Nessas circunstâncias, resta-nos a prisão do silêncio, ficar aturdido pelo som do silêncio ou cego pela escuridão do silêncio…

Mas por que raio havemos de ter medo e vergonha de expressar as nossas angústias, os nossos problemas? Acaso isso nos fragiliza? Acaso isso nos torna menores? Acaso isso não faz parte de nós?

Mas por que raio será tão difícil assumir o que nos preocupa, as nossas desventuras, as nossas inquietações ou as nossas inseguranças?

Acaso estaremos rodeados de semideuses, invencíveis, perfeitos, imaculados, sempre virtuosos e acima de qualquer padecimento humano?

Cada um de nós, pelas suas características pessoais irrepetíveis, é um ser único…

Cada um de nós também é um ser inteiro… Quando se abdica de ser inteiro, implicitamente, perde-se a Liberdade, tolera-se a prisão e aceita-se ser coarctado

Quem quererá viver assim?

No ideal, cada um de nós deveria ser capaz de viver a vida na condição de inteiro, sem necessidade de recorrer ao silêncio para esconder a dor, sem medo e sem vergonha de a assumir…

Sem medo, sem vergonha e, já agora, sem esquecer este imperativo:

– “Para ser grande, sê inteiro” (Ricardo Reis)…

Viver é preciso!

A morte, ainda que metafórica, é dispensável e pode esperar…

Que se lixem os julgamentos e o cinismo alheios!

Paula Dias

Link permanente para este artigo: https://www.arlindovsky.net/2024/12/quem-fica-calado-esconde-melhor-a-sua-dor/

WP2Social Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
Seguir

Recebe os novos artigos no teu email

Junta-te a outros seguidores: