Nos últimos dias, lembrei-me da personagem de Desenhos Animados, Franco-Belga, Iznogoud, que passava na televisão no final dos Anos 90…
Resumidamente, Iznogoud, personagem criada por René Goscinny e Jean Tabary em 1962, é um Grão-Vizir, do Califa de Bagdad (Haroun El Poussah), deveras malvado e maquiavélico, que vive obcecado por usurpar, a qualquer custo, o trono deste último e tomar o seu lugar…
O nome da personagem Iznogoud, pretensamente Árabe, é na realidade uma alusão à frase em Inglês: “He´s no good”, que é como quem diz: “Ele não é bom, ele não presta”…
Iznogoud, uma espécie de “adorável patife” (pelo menos, para mim), tem uma frase icónica, um lema célebre, repetido por si em todos os episódios das suas desventuradas e sempre mal sucedidas peripécias e que, de certa forma, também o define: “Eu quero ser o Califa no lugar do Califa!”…
O Califa, propriamente dito, é uma personagem ingénua, crente incorrigível na bondade e no bom carácter de Iznogoud, incapaz de reconhecer as malvadezas empreendidas contra si, por esse vilão…
O novo modelo de contratação de Professores, preconizado pelo Ministério da Educação, tem suscitado, nos últimos dias, muitas declarações, entre elas, as da ANDAEP, pela voz do seu Presidente…
Ao ler as declarações de Filinto Lima, dir-se-ia que a postura da ANDAEP, fará lembrar a do Califa:
Absolutamente crente na boa-fé de todos os seus pares, defendendo que não se pode duvidar da capacidade de liderança, nem da idoneidade dos Directores (Diário de Notícias, em 20 de Novembro de 2022), como se não existissem, no passado recente, suficientes suspeitas e algumas evidências do contrário…
Fará lembrar o Califa, ainda que aqui possa existir uma linha muito ténue a separar o que se considere como ingenuidade ou como sonsice…
Já os Directores que aceitem, sem reservas, esta nova delegação de poderes, proposta pelo Ministério da Educação, farão, por certo, lembrar Iznogoud, com uma pequena diferença:
– “Eu quero ser um Deus no lugar de um Deus”!
Talvez possa ser esse o lema a adoptar…
Quantos Directores estarão dispostos a assumir o papel similar ao de “um qualquer Deus”, aceitando a delegação do Poder necessário para decidir soberanamente acerca dos destinos profissionais de tantos Professores?
E bem se poderá perorar com o facto de os Directores também serem Professores, que isso não apaziguará, nem anulará, a desconfiança instalada face à credibilidade de Concursos de Professores descentralizados, nos moldes, até agora conhecidos, propostos pelo Ministério da Educação…
Na maior parte dos casos, os Directores parecem ter esquecido, há muito tempo, o que é ser Professor, alguns plausivelmente mal aconselhados pela distância que separa os respectivos Gabinetes do contexto real de Sala de Aula…
Ao contrário de Filinto Lima, certamente que alguns Directores não verão com bons olhos a descentralização do concurso para a contratação de Professores…
É o caso de Arlindo Ferreira, ao reconhecer que os receios de favoritismo, por parte dos Professores, são legítimos e que a “cunha” se constitui como um efectivo factor de compensação, dada a ausência de mecanismos que a impeçam (Diário de Notícias, em 20 de Novembro de 2022)…
Se existissem mais Directores a afirmar, frontalmente, que o dito modelo de Concursos apresenta, à partida, uma fidedignidade duvidosa e questionável, talvez o Ministério da Educação retrocedesse nas suas intenções…
Lastimavelmente, adivinha-se que a maioria dos Directores aceitará de bom grado mais este “desafio”, demonstrando, inequivocamente, que a sua principal função é servir os desígnios do Ministério da Educação…
Apesar de nem todas as lideranças existentes nas escolas pautarem a sua actuação pela prepotência e pelo défice democrático, não é possível ignorar uma realidade por de mais evidente:
Em muitas escolas existe medo.
Medo de represálias, de censura e de intimidação, através do qual se mantém a hierarquia, se desincentivam eventuais insurreições e se obstaculiza parte significativa das acções reivindicativas…
Desde a criação do cargo de Director em 2008, e à luz do que se tem conhecido acerca da conduta profissional de muitos Dirigentes Escolares durante os últimos 14 anos, de Norte a Sul do país, não será possível depositar uma fé inabalável na sua idoneidade, em termos absolutos…
Além disso, os privilégios concedidos aos Directores permitem-lhes o exercício do Poder de forma totalitária, abusiva e discricionária, se for essa a sua vontade…
Se, concomitantemente, lhes forem atribuídos poderes adicionais ao nível da contratação de Professores, adivinha-se mais uma catástrofe para a Classe Docente que, previsivelmente, deixará de poder escolher o que quer que seja, vendo-se obrigada a aceitar as decisões unilaterais dos Conselhos Locais de Directores…
Apesar de faltarem informações acerca da operacionalização do novo modelo de contratação de Professores, não se lhe auspiciam grandes virtudes, sobretudo tendo em consideração uma constante, registada na postura do actual Ministério da Educação: o que se concretiza costuma ser pior do que aquilo que se esperava…
A Democracia na Escola Pública encontra-se anémica, tem vindo a ser, cada vez mais, jugulada e garroteada e, por certo, faltará pouco para ficar definitivamente moribunda…
A Escola Pública não sobreviverá a tantos ataques ignóbeis e já não é possível continuar a fingir que está tudo bem, cedendo à falácia das aparências optimistas ou à demagogia da propaganda…
E até Iznogoud, esse estratega ardiloso, ficaria deveras perplexo com a capacidade inventiva do Ministério da Educação, nomeadamente a forma ligeira com que se demite da resolução de problemas, atribuindo esse ónus a terceiros:
Incapaz de resolver o imbróglio da falta de professores, mas sem o reconhecer, delega, acobardadamente, essa responsabilidade nos Directores, acreditando que a maioria não enjeitará o fascínio pela atribuição de mais Poder…
De uma só penada, o Ministério da Educação parece tentar livrar-se de uma responsabilidade e de um problema, “seduzindo” os Directores com mais Poderes e reforçando, por essa via, a aliança com os mesmos… Ou, pelo menos, com parte significativa desse universo…
“Brilhante!”, diria Iznogoud…
(Paula Dias)
Post scriptum:
Aproveito a oportunidade para relembrar a importância de todos os Beneficiários da ADSE exercerem o seu direito de voto nos próximos dias 28, 29 e 30 de Novembro, relativo à Eleição do Conselho Geral e de Supervisão desse Subsistema de Saúde, por qualquer dos meios que têm à sua disposição.
E, sim, este também é um apelo “descarado”, e sem complexos, ao voto na LISTA D: POR UMA ADSE MAIS JUSTA, MAIS SOLIDÁRIA E MAIS FAMILIAR, liderada por Arlindo Ferreira, e da qual faço parte, enquanto elemento suplemente.
Porque a LISTA D poderá significar uma “lufada de ar fresco” e de renovação da ADSE…