A “coisa” foi debatida há 12 anos….
Não deixei de ser um “esquerdalho”, como me chamam agora, mas sólido e assumido. Alguns que nem sabem o que são, por ter proposto isto, atiraram-me com suposta incoerência com os ideais de esquerda.
Da mesma forma, não me comovi por ser insultado de “Salazarista” ao propor.
Um ilustre oposicionista de antes de 74 ensinou-me que devo medir as injúrias pela fonte e que, em matérias de punição, não há sistema mais legitimado que uma democracia.
O que li, ontem, sobre uma escola de Ponte de Sôr e, hoje, sobre uma escola da Amadora (espero que, pelo menos, as unhas arrancadas fossem de gel….) fez-me pensar que temos de voltar a estes assuntos e lembrou-me como o debate politiqueiro no parlamento desvirtuou uma abordagem simples:
– se alunos menores fazem disparates nas escolas, não deve haver ação e pressão incisiva junto dos pais?
Para os que me quiserem colar à direita por dizer isto, só respondo: não há ideia mais de esquerda que defender uma escola pública em que todos aprendem em paz e sossego e que, por isso, supera o clima que as envolve em certas ruas ou famílias e eleva o espírito dos que só tenham paz nela.
A natureza da escola é a elevação das aprendizagens. Mas à cultura permanente da finalidade, da exigência e da regra, associa-se o afecto, a amizade e o drama. Por isso, a moderação na tomada de decisões é um património inalienável. Até na inovação organizacional. Inovar com consistência implica um sólido conhecimento do que existe e a concretização exige sensatez. Ou seja, equilíbrio e conhecimento são vocábulos decisivos mais ainda quando a Europa assume um modelo social único pautado por valores como a liberdade, a democracia e a igualdade de oportunidades.
Só que o debate sobre a escola desequilibrou-se e descolou da realidade. Emergiu um mar de radicalidades (da natureza das coisas) que ignorou a existência de salas de aula. Por exemplo, é insensato e desproporcional querer ainda mais dias lectivos para recuperar aprendizagens. Não há dados para o exigir com rigor. E se já éramos um dos países da OCDE com mais dias lectivos, não tarda e seremos o espaço em que alunos e professores mais desesperam por férias com o desconfinamento possível. As desigualdades existiam e foram destapadas pela pandemia. Há muito que se sabe que o elevador social se desenha num universo em que a escola é apenas uma pequena galáxia; e com uma irrefutabilidade: o aumento da escolaridade é directamente proporcional à redução da pobreza.
E convenhamos: muito se realizou para garantir aprendizagens durante a pandemia. Os governantes é que oscilaram nos extremos. Rapidamente passaram do marciano sucesso da escola do século XXI no primeiro confinamento para o falhanço nos seguintes (palavras recentes do ministro do sector). É um marketing político descolado da realidade. Não é saudável. Importa recuperar a pedagogia e o equilíbrio. A arte de ensinar e aprender parte sempre daí. Para além de tudo, existe um elenco prioritário por resolver.
Por exemplo, impressiona a discussão sobre a produtividade dos professores. Como se sabe, um professor lecciona menos aulas à medida que a idade avança. É justo. Pois o debate institucional esgota-se, e por incrível que pareça, na designação dessas horas de redução omitindo o essencial que é o que se relaciona com as salas de aula: turmas numerosas, inclusão para todos (alunos, professores e outros profissionais), carga burocrática associada ao exercício, princípios pedagógicos dos horários escolares (onde nem a grave supressão do tempo de intervalos é matéria discutível) e atrasos civilizacionais e pedagógicos como quadros de mérito a partir dos 10 anos de idade (ou antes disso) e obrigatoriedade da publicitação antecipada do calendário de testes nas diversas disciplinas que é, para além de tudo, uma nefasta mensagem de “só se estudar para os testes”.
Ainda neste domínio, é inaceitável que se teime em manter esta avaliação de professores. Assim, não se reequilibra uma contradição dilacerante da atmosfera escolar. O que existe é demasiado insensato, injusto e antipedagógico. Aliás, a própria ministra Maria de Lurdes Rodrigues (a face do processo) recusou-se a ser avaliada neste modelo uns anos depois (Expresso, 16/12/2016). Argumentou com “um processo burocrático que nega a essência da avaliação”. Tinha razão. É evidente a farsa burocrática aplicada com cotas e vagas e com um elenco interminável de arbitrariedades e injustiças.
E a inacção governativa não se pode escudar na municipalização que aí vem. Não é equilibrado deixar estas mudanças a 308 mini-ministérios da Educação num país com esta dimensão e que já é uma babilónia na organização territorial. Bem se sabe que temos o bom exemplo dos Açores que nunca aplicou esta avaliação dos professores e muito menos o modelo autocrático de gestão das escolas. Mas o que já se conhece em muitos municípios é preocupante.
Acima de tudo, estas políticas desequilibradas resultaram na inequívoca falta estrutural de professores. É grave. Percebe-se que a inércia se instala porque as escolas abrem sempre em Setembro. Com horários e constituição de turmas todas abrem. Não há memória do contrário. Até nos sítios menos favorecidos do planeta. É como um sol que nasce para todos e só brilha para uns quantos. O marketing político excessivo até se torna caricato ao celebrar o acontecimento (ou a comemorar resultados em testes internacionais). É que, e como já se provou, a inacção, e a insistência num debate descolado da realidade, dissolve no ar a mais sólida das certezas.
Uma rapariga de 18 anos, aluna de um curso de profissional da Escola Seomara da Costa Primo, na Amadora, foi espancada numa sala de aulas por colegas. A vítima viu algumas unhas arrancadas “a sangue frio” e recebeu tratamento hospitalar. A direção do agrupamento fala num desentendimento entre a vítima e uma colega, referindo que esta última já está suspensa.