“Os rankings e o anoitecer espiritual e moral
A perversidade dos rankings está amplamente denunciada pelos que usam a cabeça para pensar e não se limitam a sustê-la entre as orelhas. Porém os seus arautos teimam em vir a terreiro, tentando obnubilar a lucidez e conformar as consciências. Por isso é preciso dizer as coisas à martelada, à pedrada e à lapada.
Os rankings são tributários da visão calculista e obsessivamente produtivista, utilitarista, mercantilista, comercial, contabilista, competitiva, elitista e segregacionista da vida e da educação, a tender para a barbárie. Como se o valor do humano residisse somente na laboração produtiva, tudo devesse ser submetido a ela e nada houvesse de valioso no que excede a produtividade! A insanidade é taxativa: todo o euro investido tem que dar lucro e ser rentabilizado com um produto palpável e quantificável. Logo, as disciplinas científicas e humanistas e os fins educativos, que não correspondam a tal exigência, suscitam um olhar de desqualificação.
Aquele e aquilo que não compreende a valia do ‘inútil’ e só considera o sentido restrito da utilidade, o que pode ser medido, objetivado e pesado, tem em si o veneno e destino da ruína. Sim, as últimas décadas, as do império da religião dos rankings, trouxeram a regressão civilizacional, a veneração dos fortes e a flagelação pública dos frágeis, envenenaram e arruinaram o teor cultural e humanista da educação e formação, tanto na escola como na universidade. É notório o avanço da ignorância, do fanatismo e do obscurantismo, da corrupção, da exclusão, da marginalização, dos conflitos, das inimizades, da indiferença, da intolerância e do ódio.
Como disse Victor Hugo, não basta que cuidemos de iluminar as praças e ruas da cidade; urge acender archotes para a mente, porquanto a escuridão espiritual e moral também se abate sobre nós. É, portanto, curial uma ‘instrução’ orientada pelo apreço do belo e do ético, da dádiva e da gratuidade, que não encare a existência como um jogo da bolsa, como uma loja de cambistas e mercadores, de competidores e concorrentes na busca desabalada do sucesso, com pressa de chegar vá lá saber-se onde.
O aprimoramento das competências, das habilidades e dos conhecimentos, inerentes ao bom desempenho profissional, não pode ser menosprezado. Todavia, a educação e a formação devem privilegiar a cultura do intelecto. O saber é um bem não mercantil ou negociável, um dom, poder e tesouro que beneficia, em primeiro lugar, quem o possui; através deste, influi na sociedade.”
Jorge Bento