12 de Maio de 2021 archive

Quando é necessário sacar uma faca dentro de uma escola…

“Estavam constantemente a meter-se com ela”, garante mãe de aluna “apalpada, empurrada e cercada” na Secundária de Ponte de Sor.

Ponte de Sor. “A minha filha puxou da navalha porque já não aguentava”

A tensão vivida entre a direção, os professores, os auxiliares, os encarregados de educação e os educandos da Escola Secundária de Ponte de Sor, em Portalegre, tem vindo a escalar. Desta vez, a mãe de uma aluna institucionalizada desmente o diretor do agrupamento, Manuel Andrade, e justifica o uso de uma navalha pela filha.

Depois de ter lido o artigo que o i publicou, na passada segunda-feira, acerca do clima vivido na escola, Bernardete Alves Martins Fonseca não podia ficar em silêncio. A mãe de Mariana (nome fictício), de quase 16 anos e estudante do curso de Línguas e Humanidades, ficou “espantada” com o modo como Manuel Andrade se referiu à adolescente nas declarações que prestou ao i.

Recorde-se que o dirigente explicou que havia sido “identificada uma aluna com a posse de um pequeno canivete”, sendo que “e escola, na presença desta situação, abriu o respetivo procedimento disciplinar tendo suspendido a aluna”.

“A minha filha já se tinha queixado à diretora de turma e à direção porque era apalpada, empurrada e cercada pelo tal grupo de rapazes problemáticos”, começa por revelar, aludindo ao grupo de “seis, sete alunos” que “são o terror dentro da escola” como um dos docentes explicitou também ao i.

“A situação já se prolongava há bastante tempo e, naquele dia, depois de se ter dirigido novamente à direção da escola sem que nada fosse feito”, Mariana envolveu-se numa “confusão”.

“Começaram a bater no ex-namorado dela. A navalha era minha, não desminto, foi um erro meu, mas não lha dei para que ela a levasse para a escola, era para se defender quando saía à noite”, frisa a mulher que não esquece aquela tarde do início do ano letivo corrente.

“Todos os dias é a mesma coisa” “Foi fechada numa sala ao pé da do diretor, com o namorado, durante duas horas. A escola não contactou ninguém, o senhor diretor não pode dizer que os pais não querem saber dos filhos”, explica a encarregada de educação, que somente terá sido informada da situação quando foi à rua tomar café e foi abordada por colegas da rapariga que a alertaram.

“Estavam constantemente a meter-se com ela, mandavam bocas e tocavam-lhe. A minha filha puxou da navalha porque já não aguentava o assédio”, declara. “Eu confrontei-a e ela disse ‘Estou farta, todos os dias é a mesma coisa’”, salienta.

Ao i, o dirigente mencionou que “neste momento, esta aluna encontra-se institucionalizada numa instituição de acolhimento de crianças e jovens em risco” e garantiu que “para além deste caso não há referência a outros semelhantes”.

“O senhor diretor refere que a minha filha se encontra institucionalizada, e está, mas não foi por essa questão. Está lá há um mês por decisão minha porque a situação não estava fácil em relação ao namoro que ela tinha”, destaca, opondo-se a Manuel Andrade que, ao i, afirmou que “no decurso do procedimento disciplinar apurou-se que a aluna tinha na sua posse esse objeto a pedido da própria mãe”.

O motivo apresentado foi o de que Mariana se defenderia “do padrasto se tal fosse necessário” com a arma em questão, mas Bernardete assegura que “não existe padrasto nenhum”.

“Impediu a minha entrada na escola” “Fomos a tribunal com uma técnica da Segurança Social, o processo ficou suspenso por seis meses”, clarifica Bernardete.

“Ele mostra-se sempre indisponível para falar seja com quem for. Um dos irmãos dos outros miúdos também quis falar com ele, mas supostamente estava em reunião. Ficámos do lado de fora da escola”, adianta. “Inclusivamente, impediu a minha entrada na escola”, remata.

“É a palavra dele contra a minha, e ele está num cargo de poder, mas quem for ver o histórico da minha filha sabe que foi boa aluna e jogadora de basquetebol, desviou-se do caminho há dois anos, quando foi para esta escola”, finaliza.

No seguimento das denúncias realizadas, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco de Ponte de Sor enviou um comunicado ao i, assinado pela presidente Patrícia Lopes-Maia, que lamenta “a imagem denegrida que se estendeu a nível regional e nacional referente ao Agrupamento e toda a comunidade escolar”, indicando que o i questionou a CPCJ acerca de “situações que não correspondem à veracidade dos acontecimentos” e que se encontram “no limiar judicial”.

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Apregoam-se valores, praticam-se conveniências – Santana Castilho

 

1. O Supremo Tribunal Administrativo deu razão a Joaquim Sousa, professor de geografia e antigo director da Escola Básica 123 do Curral das Freiras, e mandou pagar-lhe os vencimentos relativos a seis meses de suspensão, com que foi castigado na sequência de um procedimento disciplinar.
Joaquim Sousa foi o obreiro principal do projecto educativo que levou a escola da vila mais pobre e isolada da Madeira a ser considerada, em 2016, uma escola-modelo, tão-só a melhor escola pública no exame de Português do 9.º ano de 2015. De nada lhe valeu o apoio da opinião pública e os apelos feitos ao Presidente da República, aos partidos com assento no parlamento regional e respectivo governo. Os burocratas de serviço falaram mais alto.
Do meu posto de observação segui o kafkiano processo e fui lendo testemunhos de professores e alunos de uma escola profundamente humanizada por Joaquim Sousa. E se nada disse na altura foi porque Bárbara Reis, aqui, em 29 de Março de 2019, disse tudo. A Joaquim Sousa pagaram agora os salários, injustamente sonegados. Mas mandaria a decência mínima que lhe pedissem desculpa pela violência indizível que manchou a honra de um professor que acertou, num reino de desacertos. Tanto mais que, por ele, marcaram-lhe, também, a mulher e dois filhos e extinguiram, por via escabrosa, a sua escola-modelo. Tudo o que dela resta piorou. Mas tudo parece cumprir, agora, a bíblia dos imprestáveis: o regulamento.
Esta saga mostra que, 47 anos depois, na mente capta de muitos dirigentes públicos, persistem os três grandes princípios da administração pública de outrora: não te rales mas não te entales, a iniciativa vem sempre de cima e nunca ninguém foi castigado por não fazer nada.
2. Inês Trindade, doutorada em Psicologia Clínica e investigadora em Medicina Comportamental, emigrou aos 30 anos, revoltada por não conseguir sobreviver em Portugal. Contou aqui a sua história (Balada de despedida: a insustentabilidade das carreiras científicas em Portugal, Público de 12.3.21). A balada de despedida desta cientista é um libelo acusatório (mais um) à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que acusa, com exemplos graves, de controlar de modo iníquo e arbitrário a maior parte do financiamento para a ciência. Referindo-se a um concurso de que saiu vencida (Estímulo ao Emprego Científico), disse Inês Trindade que as suas “métricas científicas eram equivalentes às dos cinco investigadores melhor classificados, juntos”, coisa que acontece, afirmou, constantemente, há anos. E falou de outros cientistas que “ficam largos meses desempregados à espera de burocracias infindáveis, ou simplesmente a trabalhar gratuitamente na esperança de um dia obter uma posição”.
3. Estes dois flagrantes da nossa vida colectiva, somados ao debate sobre o Novo Banco ou sobre os acontecimentos de Odemira, são um retrato do país. As crises sucessivas do nosso viver colectivo, da bancarrota de Sócrates à pandemia de Costa, passando pela troika de Passos, mostraram que os gananciosos e os oportunistas políticos apenas tiveram de alterar as formas de manter os seus indecorosos lucros e poder. Porque a demagogia dos discursos esconde sempre que, na política, a única coisa que a dita são os interesses e o poder.
Bem pode António Costa fazer a apologia da solidariedade social, para a Europa ouvir, que a boçalidade consentida de Eduardo Cabrita e a grunhice ignorada de João Galamba dizem o quê e quem ele protege. Bem pode Tiago Brandão Rodrigues, também para a Europa ouvir, proclamar que Portugal “é orgulhosamente conhecido como país que está na vanguarda da inclusão” que, quando já ninguém se lembrar dele, ainda todos estaremos a pagar o custo das suas medidas paroquiais, que criaram um sistema de ensino cada vez menos fermento de espírito crítico e alforge de competências para ler o mundo de forma livre, mas cada vez mais vergado a teorias pedagógicas datadas e às necessidades de um deus-mercado de serviços de baixo valor.
Apregoam-se valores, praticam-se conveniências. A propósito, António Costa poderia estar mais atento à imprensa internacional, antes de dizer que não há capacidade de produção de vacinas. Se as patentes fossem levantadas, há fábricas disponíveis para produzir centenas de milhões. Tem a lista aqui: AP News, 1.3.21 e The Guardian, 24.4.21.

In Público de 12.5.21

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