“Quem tem medo do lobo mau?”
As escolas parecem estar permanentemente ligadas a um aparelho tecnológico, sem “certificação de qualidade”, altamente complicado e complexo, e que carece das mais elevadas qualificações para ser devidamente dominado e manuseado…
Em muitas escolas, alguns esforçam-se, frequentemente, por “inventar” e fazer aplicar as suas “criações” e as suas “descobertas”, certamente fruto da sua imensurável criatividade, imaginação, engenho, brilhantismo e competência… E mesmo quando tudo parece já ter sido inventado, eis que surge quase sempre mais alguém com uma enorme capacidade “inovadora”, munido de mais um “guião de procedimentos” que, em última análise, servirá apenas para complicar o que, à partida, poderia e deveria ser simples, eficaz e despretensioso…
O problema principal reside, muitas vezes, na aplicação prática e na eficácia de tais “criações” e “invenções”, sobretudo aquelas que acabam por não beneficiar efectivamente ninguém… Que eficácia pode ser atribuída a uma medida ou a um procedimento se os seus resultados não se traduzirem em vantagens/benefícios para alguém ou para um grupo de pessoas? E se, em vez disso, criarem ainda mais dificuldades e obstáculos?
Quanto de cada um é “consumido” dentro de cada escola em tarefas, procedimentos ou medidas de natureza burocrática? Quantos registos e quantas comunicações escritas (entre relatórios, actas, preenchimento de grelhas, comunicações para múltiplas entidades…) se vê obrigado a fazer um Director de Turma ou um Professor ao longo de um Período Lectivo ou de um Ano Lectivo? Quantas horas do seu tempo diário são gastas nesses procedimentos burocráticos obrigatórios? Que tempo e que disponibilidade mental e física lhes resta para se dedicarem ao essencial e prioritário que, e até prova em contrário, deveria ser o trabalho directo com os alunos? Que contributo decorre desses procedimentos burocráticos para a melhoria do trabalho pedagógico a desenvolver com os alunos?
Paradoxalmente, uma das justificações mais ouvidas para a existência de tantos e tão complexos procedimentos burocráticos prende-se com o objectivo de incrementar o sucesso escolar dos alunos…
A contradição parece evidente: como podem os professores dedicar-se à sua principal função que é Ensinar por via do trabalho directo com os alunos, se as exigências burocráticas que sistematicamente lhes são feitas ignoram ou escamoteiam a importância desse mesmo trabalho? No mínimo, tal justificação suscita perplexidade… E este é apenas um exemplo paradigmático do que se vai passando em muitas escolas: um objectivo inicialmente válido e pertinente torna-se inatingível, inviável ou perde consistência porque, incompreensivelmente, se complexificaram todos os procedimentos para o atingir…
O que resta depois de tudo isto? Resta pouco. Mas restam, quase sempre, os chamados “floreados” ou “fogos de artifício” e o “show-off”, que muitos, intencionalmente, confundem com estratégias muito inovadoras, também elas, por certo, sinónimo de muito dinamismo, iniciativa e eficácia ou, se se preferir, muita proactividade, numa terminologia muito moderna e actual…
E nem os tempos que correm, com todas as suas contrariedades, fizeram alterar a perspectiva da Escola que tudo pode e tudo tem que saber fazer e resolver… Enquanto não se assumir que isso não é aceitável nem exequível, a Escola, em particular os profissionais que nela trabalham, continuarão “presos na ratoeira” da Escola Omnipotente, vista como uma espécie de Entidade Suprema, plena de poderes mágicos ilimitados, capazes de resolver todos os problemas… Em consciência, as escolas não podem aceitar que lhes seja atribuído esse papel, nem que lhes seja imputada essa responsabilidade.
Não é legítimo exigir à Escola aquilo que ela, objectivamente, não pode dar, nem deve dar, porque não é da sua competência fazê-lo. E conseguir afirmar isto com clareza não é sinónimo de incapacidade ou de indolência, mas antes sinónimo de realismo, honestidade, pragmatismo e sensatez. Não colocar limites às expectativas sobre as acções que a Escola pode e deve empreender, criando falsas ambições, conduz quase sempre à frustração, à decepção/desilusão e ao desânimo… Quando, à partida, as exigências realizadas são impossíveis de serem satisfeitas, o resultado mais óbvio é, inevitavelmente, o fracasso e a insatisfação… E tudo isto “mói” muito, cansa muito e vai-se tornando numa espécie de doença em estado crónico que deveras incomoda pelos sintomas permanentes e persistentes que provoca…
Carpir mágoas em surdina pelos corredores da escola ou “andar, envergonhadamente, a chorar pelos cantos” até pode aliviar, mas não resolve o problema… Resolvê-lo implica conseguir falar alto e nos locais próprios, como em reuniões de Grupo de Recrutamento, de Departamento ou de Conselho Pedagógico. Também implica que os representantes dos professores (Coordenadores de Grupo ou de Departamento, Coordenadores de Directores de Turma, Coordenadores de Ciclo, entre outros) nos vários órgãos da escola consigam ser efectivos porta-vozes dos seus pares e não meros “ornamentos florais”… O que se espera desses representantes junto das Direcções?
“Quem (ainda) tem medo do lobo mau?” “Domesticar o lobo mau” diz respeito a todos e a cada um, dentro de cada escola… E se não se assumir esse desígnio em termos individuais perde-se a legitimidade para posteriormente reclamar. Calar primeiro e só reclamar depois parece ilógico, incongruente e contraditório… Não calar pode dar trabalho, causar desconforto e acrescer preocupações? Pode. Mas se não for feito, nada mudará…
Alerta: O sarcasmo e a ironia presentes podem ferir algumas sensibilidades…
Matilde
3 comentários
São ornamentos florais, na medida em que, os nomes destes são indicados pela Direção. Apenas se pode votar entre 2 ou 3 ornamentos florais e, a partir daí tudo está minado…
Muito bem Matilde.
A expressão diz tudo: “Carpir mágoas em surdina pelos corredores da escola ou “andar, envergonhadamente, a chorar pelos cantos” até pode aliviar, mas não resolve o problema…”.
Há muito que a tutela não me choca. O quer realmente me choca é a “neutralidade” assumida na ação dos colegas.
“O mundo não está ameaçado pelos maus, mas sim pelos bons que toleram os maus.”
Concordo consigo, Rui.
A “neutralidade” é o mais incompreensível disto tudo… Essa neutralidade, tão tolerante para com todos os atropelos que vão sendo cometidos, faz definhar e “seca” tudo à sua volta… São os “eucaliptos”da nossa escola…