Plano do Ministério da Educação para alunos de “grupos de risco” inspira-se nas medidas em vigor para as crianças e jovens com doença oncológica. Ordem dos Médicos alerta que graus de risco são “muito variáveis” e que têm de existir normas mais específicas por parte da DGS.
Combate à pandemia obrigou a um reforço do investimento nas escolas, que enfrentam um clima de enorme incerteza.
Sabe-se como começa, não se sabe como vai acabar. O ano escolar 2020-2021, que arranca na semana de 14 a 17 de setembro, é um dos mais desafiantes de sempre devido à pandemia do novo coronavírus. As escolas vão voltar a funcionar no modo presencial para todos os anos escolares. Mas estão preparadas para mais dois cenários possíveis: aulas em regime misto (presencial e online); e aulas exclusivamente online. Quem vai decidir será o governo, com base na evolução das estatísticas dos novos casos de infetados e mortes por covid.
O ensino público arranca assim com o maior orçamento desde 2011, antes da crise da dívida soberana que atirou Portugal para um resgate financeiro internacional e para a austeridade. São 5391 milhões de euros inscritos no Orçamento do Estado para as despesas dos estabelecimentos públicos de ensino – que comparam com 5299 milhões de euros de dotação orçamental em 2019. Face à última década, a verba não era tão alta desde os 5480 milhões de euros registados em 2011.
Para os diretores escolares, a ginástica financeira vai, no entanto, continuar a ter de ser feita, face aos encargos anuais elevados, que neste ano contemplam mais despesas devido à pandemia. Com base na experiência adquirida durante o final do segundo e terceiro períodos do último ano letivo, está a ser feito todo o trabalho na preparação do próximo. Livros, salas vedadas e refeições em take-away “Desde logo, através da construção, pelas escolas, de um plano de ensino presencial, misto e à distância, da obrigatoriedade do uso da máscara a partir do segundo ciclo, da reorganização das escolas – transformação das salas específicas em salas de aulas normais, atribuição de uma sala a cada turma”, etc., explica Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
Os alunos vão ter acesso condicionado a alguns espaços, incluindo bar, salas de informática e biblioteca. E haverá regras específicas para as aulas de Educação Física. As escolas têm ainda de contemplar servir almoços em regime de take-away.
Em termos pedagógicos, as orientações do Ministério da Educação obrigam as escolas a prestar apoio aos alunos para recuperação e consolidação das aprendizagens nas primeiras cinco semanas de aulas. Todos os alunos terão neste ano livros novos, já que foi decidida a suspensão da reutilização dos manuais escolares para minimizar a hipótese de contágios.
Os diretores escolares estão também expectantes quanto à “promessa do governo de investir 400 milhões de euros em computadores e rede wi-fi no âmbito da Escola Digital, acrescidos de 125 milhões para a contratação de professores, pessoal não docente e técnicos especializados, incluindo assistentes sociais, psicólogos e mediadores, etc.”, destaca Filinto Lima. Mas mostra preocupação. “Ano após ano, o valor absoluto decresce, tendo já atingido o músculo da instituição – a Escola. O Ministério das Finanças não tem agido corretamente com a Educação”, acusa mesmo, salientando que “neste ano a tendência inverteu-se na maior parte dos casos, tendo sido reforçado o orçamento das escolas”, mas os números ainda estão “longe do necessário para fazer face a despesas que não apenas as essenciais, como água, luz, telecomunicações, ou máquinas de fotocópias”.
Doenças de risco dão direito ao teletrabalho, mas escola arrancará em presença. Pedido “esclarecimento urgente”.
Daqui a pouco mais de duas semanas, milhares de professores e funcionários, com doenças de risco, poderão exigir o teletrabalho ou, em alternativa, faltar de forma justificada, durante um mês, com salário por inteiro. Os diretores de escola já estão a receber declarações médicas e, sem saber como atuar, exigem ao Ministério da Educação “esclarecimento urgente”.
Diretrizes para as escolas mantêm-se, apesar das críticas
As diretrizes para a reorganização das escolas no regresso às aulas foram consideradas ambíguas pelos diretores de escolas e pelos professores, deixando à mercê de cada instituição um conjunto de regras que só se aplica caso seja possível.
Segundo o documento assinado por Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, para orientar as escolas neste período, na sala de aula os alunos devem, idealmente, manter uma distância de segurança de dois metros. Assim, numa sala de aula com 45 m2 ou 50 m2 passam a caber entre 12 a 14 alunos, respetivamente. Seria preciso desdobrar as turmas, atualmente com 28 e 30 estudantes. No entanto, apesar de ser essa a recomendação do Ministério da Educação (ME), as turmas mantiveram-se, na maioria dos casos e segundo Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, com a mesma dimensão da dos anos anteriores, por falta de professores. A Fenprof diz que está longe de se conseguir a promessa do ME de ter mais 2500 professores nas escolas no próximo ano letivo para fazer face aos projetos de recuperação de matérias que ficaram por consolidar devido à pandemia, porque, embora tenham sido chamados ao serviço, “só 1511 vão substituir os que se reformaram este ano”.
Outro dos aspetos que preocupam os professores e os pais dos alunos é a indefinição sobre o que fazer com quem que se encontre nos chamados grupos de risco. “Há escolas com alunos em risco que solicitaram a autorização para terem resposta, nomeadamente, de ensino à distância, que não está a ser autorizado pelo ME”, denuncia Mário Nogueira. Por seu turno, entre os professores, grupo profissional envelhecido em que metade tem mais de 50 anos, há cerca de 10% com doenças que os colocam em grupos de risco.
LÁ FORA: ASSENTOS FIXOS, “GRUPOS BOLHA” E MÁSCARAS
Em alguns países da Europa as aulas já começaram. A lição a retirar, segundo o ME, em resposta do Expresso, é que “muitos dos ajustes que nos últimos dias têm vindo a ser observados em alguns países europeus tendem a aproximar esses países das regras que Portugal decidiu adotar e que foram definidas desde o início da preparação do próximo ano letivo”. Em Berlim e em Brandeburgo, negligenciou-se o distanciamento social, embora seja obrigatório o uso de máscaras nas escolas, ainda que nem sempre nas aulas. Pelo menos 41 das 825 escolas de Berlim reportaram casos. Após o fecho de algumas devido a casos de covid-19, foi acionado um plano de “grupos bolha”, que não se misturam, e um misto de aulas presenciais e à distância.
Em França, no Reino Unido e em Espanha, assim como em Portugal, as máscaras são de utilização obrigatória, mas essa obrigatoriedade difere consoante as idades. Cá, só os alunos a partir do 2º ciclo terão de a colocar; no país vizinho, que começará as aulas na mesma altura que Portugal, é obrigatória para todos os níveis de ensino, assim como são determinados assentos fixos nos autocarros e na cantina da escola, sendo sempre respeitada a distância de um metro e meio. Quando um caso de desenvolvimento da doença for detetado, o estudante será imediatamente isolado e todo o “grupo bolha” será colocado em quarentena. A escola inteira só será fechada se o surto se espalhar. Para isso, o Estado espanhol conta contratar 11 mil professores adicionais. A medida é acompanhada por Itália, que vai contratar 40 mil professores temporários.
Pensar em não abrir as escolas ou criar ainda mais dificuldades, em vez de se procurar soluções, não faz sentido e só pode ser explicado pela permanente procura de conflitos por quem diz liderar os professores
Sou filho de uma professora. Do então chamado ensino preparatório. A escola tem poucos segredos para quem cresce entre correção de testes, horários, direções de turma, reuniões com pais, alunos rebeldes, casos perdidos, os esforçados, os ‘quatros’ e os ‘cincos’. Confesso saudades das maratonas de correção de testes onde servia de secretário da minha mãe entre montanhas de papéis cuidadosamente rasurados a caneta vermelha. E lembro-me da dedicação aos alunos, dos olhos que brilhavam de orgulho quando marcava um ‘muito bom’ no canto superior esquerdo ou da tristeza quando a esperança era desfeita por mais uma negativa.
Os tempos dessa escola eram bem mais difíceis do que os de hoje, os meios escassos e arcaicos, a sala de aula gelada no inverno e a escaldar no verão. Só tinha um quadro negro gasto pelos pauzinhos de giz que riscavam a ardósia num chinfrim arrepiante. Isto quando havia giz. Mas no centro da escola estava sempre o aluno. Lá em casa também.
Não conheço tão bem a escola de hoje, mas vejo uma classe abandonada. Vejo professores dedicados e outros que fingem querer saber. Acima de tudo, a escola deixou de colocar o aluno no centro para viver à volta do corporativismo dos professores. Mal pagos, mal preparados, desmotivados e com excesso de trabalho. Mas, acima de tudo, mal representados por sindicatos que todos os dias ajudam a cavar mais um pouco o buraco onde insistem meter a escola pública.
A ideia de Mário Nogueira, líder da Fenprof, admitir poder avançar para uma greve na abertura do ano letivo, à semelhança do que irá acontecer em Espanha, só pode ser uma piada de mau gosto.
As escolas fecharam a 16 de março e a grande maioria nunca mais se sentou numa sala de aula. Por muitas alternativas que tenham sido criadas o encerramento compulsivo teve impacto na aprendizagem. E é hoje claro que o fecho das escolas acentuou as iniquidades, favorecendo os alunos de famílias com mais rendimentos e cujos pais têm maiores graus de educação.
É claro que Mário Nogueira se esconde (e se alimenta) do medo de as escolas poderem tornar-se centros de infeção e assim contribuir para o espalhar da doença. E podem. Mas também podem as praias lotadas, os restaurantes, os supermercados ou a Festa do “Avante!”, onde Mário Nogueira marcará de certeza presença.
Os especialistas acreditam que as escolas não têm um papel central na transmissão do vírus, desde que o grau de contágio na comunidade seja baixo. Mas se esse grau for alto, qualquer sítio numa comunidade tornar-se-á um fator de preocupação, escola ou não.
Um pouco por toda a Europa, as escolas já abriram ou estão quase a abrir. E até agora a situação parece controlada. Na Alemanha, as críticas sobre o reinício das aulas foram idênticas às que por cá se fazem. A solução passou por regras para manter a distância social, obrigação do uso de máscara (mas não durante as salas de aulas, já que os alemães acreditam que o uso da máscara durante muitas horas seguidas prejudica a capacidade de aprendizagem dos alunos), boa ventilação das salas e horários desalinhados, para que as diferentes turmas se cruzem o menos possível. Até agora, os números de casos registados em escolas alemãs estão controlados. Em Berlim, há apenas registo de algumas dezenas de casos entre alunos e professores, que foram imediatamente isolados e testados. No total, foram afetados 600 alunos, numa comunidade de 366 mil.
Pensar em não abrir as escolas ou criar ainda mais dificuldades, em vez de se procurar soluções, não faz sentido e só pode ser explicado pela permanente procura de conflitos por quem diz liderar os professores. É claro que o Estado tem de garantir condições, mas, tal como na Alemanha, onde muitos duvidavam da eficácia destas medidas e para já admitem estar errados, é preciso ver primeiro o que funciona.
Desconheço se Mário Nogueira alguma vez corrigiu um teste ou se ficou triste ao ter de dar negativa a um aluno. Mas ficava-lhe bem pensar que a escola serve os alunos, não os professores e muito menos os sindicatos.