Do regresso às aulas

 

Do regresso às aulas

Pensar em não abrir as escolas ou criar ainda mais dificuldades, em vez de se procurar soluções, não faz sentido e só pode ser explicado pela permanente procura de conflitos por quem diz liderar os professores

Sou filho de uma professora. Do então chamado ensino preparatório. A escola tem poucos segredos para quem cresce entre correção de testes, horários, direções de turma, reuniões com pais, alunos rebeldes, casos perdidos, os esforçados, os ‘quatros’ e os ‘cincos’. Confesso saudades das maratonas de correção de testes onde servia de secretário da minha mãe entre montanhas de papéis cuidadosamente rasurados a caneta vermelha. E lembro-me da dedicação aos alunos, dos olhos que brilhavam de orgulho quando marcava um ‘muito bom’ no canto superior esquerdo ou da tristeza quando a esperança era desfeita por mais uma negativa.

Os tempos dessa escola eram bem mais difíceis do que os de hoje, os meios escassos e arcaicos, a sala de aula gelada no inverno e a escaldar no verão. Só tinha um quadro negro gasto pelos pauzinhos de giz que riscavam a ardósia num chinfrim arrepiante. Isto quando havia giz. Mas no centro da escola estava sempre o aluno. Lá em casa também.

Não conheço tão bem a escola de hoje, mas vejo uma classe abandonada. Vejo professores dedicados e outros que fingem querer saber. Acima de tudo, a escola deixou de colocar o aluno no centro para viver à volta do corporativismo dos professores. Mal pagos, mal preparados, desmotivados e com excesso de trabalho. Mas, acima de tudo, mal representados por sindicatos que todos os dias ajudam a cavar mais um pouco o buraco onde insistem meter a escola pública.

A ideia de Mário Nogueira, líder da Fenprof, admitir poder avançar para uma greve na abertura do ano letivo, à semelhança do que irá acontecer em Espanha, só pode ser uma piada de mau gosto.

As escolas fecharam a 16 de março e a grande maioria nunca mais se sentou numa sala de aula. Por muitas alternativas que tenham sido criadas o encerramento compulsivo teve impacto na aprendizagem. E é hoje claro que o fecho das escolas acentuou as iniquidades, favorecendo os alunos de famílias com mais rendimentos e cujos pais têm maiores graus de educação.

É claro que Mário Nogueira se esconde (e se alimenta) do medo de as escolas poderem tornar-se centros de infeção e assim contribuir para o espalhar da doença. E podem. Mas também podem as praias lotadas, os restaurantes, os supermercados ou a Festa do “Avante!”, onde Mário Nogueira marcará de certeza presença.

Os especialistas acreditam que as escolas não têm um papel central na transmissão do vírus, desde que o grau de contágio na comunidade seja baixo. Mas se esse grau for alto, qualquer sítio numa comunidade tornar-se-á um fator de preocupação, escola ou não.

Um pouco por toda a Europa, as escolas já abriram ou estão quase a abrir. E até agora a situação parece controlada. Na Alemanha, as críticas sobre o reinício das aulas foram idênticas às que por cá se fazem. A solução passou por regras para manter a distância social, obrigação do uso de máscara (mas não durante as salas de aulas, já que os alemães acreditam que o uso da máscara durante muitas horas seguidas prejudica a capacidade de aprendizagem dos alunos), boa ventilação das salas e horários desalinhados, para que as diferentes turmas se cruzem o menos possível. Até agora, os números de casos registados em escolas alemãs estão controlados. Em Berlim, há apenas registo de algumas dezenas de casos entre alunos e professores, que foram imediatamente isolados e testados. No total, foram afetados 600 alunos, numa comunidade de 366 mil.

Pensar em não abrir as escolas ou criar ainda mais dificuldades, em vez de se procurar soluções, não faz sentido e só pode ser explicado pela permanente procura de conflitos por quem diz liderar os professores. É claro que o Estado tem de garantir condições, mas, tal como na Alemanha, onde muitos duvidavam da eficácia destas medidas e para já admitem estar errados, é preciso ver primeiro o que funciona.

Desconheço se Mário Nogueira alguma vez corrigiu um teste ou se ficou triste ao ter de dar negativa a um aluno. Mas ficava-lhe bem pensar que a escola serve os alunos, não os professores e muito menos os sindicatos.

 

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19 comentários

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    • Rui Monteiro on 29 de Agosto de 2020 at 11:34
    • Responder

    Ainda vai que existe o Mário Nogueira com todos os defeitos que tem. É a única maneira de isto não ser uma missa.

    • Matilde on 29 de Agosto de 2020 at 12:03
    • Responder

    “Os tempos dessa escola eram bem mais difíceis do que os de hoje, os meios escassos e arcaicos, a sala de aula gelada no inverno e a escaldar no verão.”

    O JVP não faz a mais pálida ideia das condições físicas da maior parte das escolas portuguesas, se fizesse saberia que na maioria delas AINDA há salas de aula geladas no Inverno e a escaldar no Verão e nem é preciso ir para os lugares mais recônditos do Interior do país, basta dar umas voltinhas pelas escolas da cintura urbana de Lisboa…

    A esse propósito, sempre quero ver como vão sobreviver alunos e professores dentro de salas de aula geladas no próximo Inverno e a obrigatoriedade de ter janelas abertas naqueles dias em que às 8 horas da manhã os termómetros assinalem 1 ou 2 graus positivos… Isto, sim, parece uma “piada de mau gosto”… Mas isso serão, por certo, minudências para muitas pessoas como o JVP…

    “…a escola serve os alunos, não os professores e muito menos os sindicatos.”

    Concordo que o principal foco da escola devem ser sempre os alunos, mas isso não pode significar que os profissionais que nela trabalham, sejam professores ou outros, não tenham o direito de associação sindical e que não devam lutar por obter melhores condições de trabalho a todos os níveis…

    “… permanente procura de conflitos…” Mas que conflitos? Os provocados por um Sindicato que tem estado “adormecido”, fazendo-se de “morto”? E que ameaça com uma eventual, mas mesmo muito eventual, greve, querendo com isso dar apenas uma espécie de “prova de vida”?

    Portugal é um país de mal habituados, país onde o Povo é sempre tão sereno, mas tão sereno, que não é capaz de encetar uma luta séria, mesmo quando a mesma se justificaria…

      • enfim on 29 de Agosto de 2020 at 14:15
      • Responder

      Pois vivo num local onde no inverno às 8h da manhã temos dias de -4ºC, como tal, não ficaremos doentes de covid, mas ficaremos doentes do frio.

        • Roberto Paulo on 30 de Agosto de 2020 at 18:45
        • Responder

        Exato! Na vizinha zona de Bragança, o record de 2019/2020 foi -6º. E já houve pior, pois o pretérito ano escolar não foi dos mais frios.

    • Francesc Ferrer Y Guárdia Um Bocadinho Manco on 29 de Agosto de 2020 at 12:09
    • Responder

    Outra vez o Mário Nogueira??? Devem sonhar permanentemente com o Mário Nogueira!!! Volto a dizer que estou-me borrifando para o Mário Nogueira e que sou a favor da abertura das escolas. Mas o que o articulista devia deixar o Mário Nogeira quieto: porque só serve para desviar as atenções, como já vimos com a estratégia ensaiada pelo senhor ministro da educação e responder ao seguinte:
    – Há uma garantia de que o vírus quase não circula na comunidade?
    – Há regras de distanciamento adequado nas escolas?
    – As turmas foram reduzidas de modo a garantir esse distanciamento? (que agora , supostamente até será mais de 2 m num local fechado…)
    – Foram tomadas medidas para acautelar as infecções nos transportes dos alunos?
    – As escolas têm meios para higienizar espaços e pessoas?
    – Ao contrário do que se pensava os aerossóis são , supostamente, um factor determinante para propagação da doença. O que fazer em cantinas apinhadas? O que fazer nas salas de aula do 1º Ciclo e do Pré escolar onde os alunos não usam máscaras e as turmas são enormes?O vírus ficará a porta?
    – São fornecidos aos professores kits de protecção individual para que se protejam adequadamente? (no 1º ciclo, e pré, por exemplo, máscara e viseiras?)
    – Estão previstos testes de despistagem para o início do ano letivo para que as coisas não comecem logo mal?
    Alega ainda o autor com o caso da Alemanha… Mas a Alemanha sempre esteve melhor que nós e tem meios que não temos… O articulista já visitou uma escola sobre-lotada das periferias?
    Por fim resta dizer que desejo ardentemente que as coisas corram bem e as escolas estejam sempre abertas, mas não ficarão se as infecções crescerem exponencialmente e puserem em risco a resposta do SNS à epidemia… Isto não é alarmismo é preparar as coisas com pés e cabeça para que , precisamente, as escolas não encerrem… Neste momento nada está devidamente preparado,sei do que estou a falar, e o risco existe…
    Se a epidemia se espalhar , se houver muitos professores e alunos infestados, se o sistema de saúde não der resposta às solicitações? Responda-me o articulista… Onde ficará a economia? Ficarão abertas as escolas?

      • Matilde on 29 de Agosto de 2020 at 14:33
      • Responder

      Francesc Ferrer Y Guárdia Um Bocadinho Manco, as questões que coloca são todas muito pertinentes…

      Alunos, encarregados de educação e profissionais de educação mereciam, no mínimo, respostas honestas e inequívocas a essas questões…

      Mas quanto a isso, parece-me que podemos esperar sentados: O ME não dará respostas porque, efectivamente, não as tem… Tem apenas banalidades, vacuidades e muito senso comum…

    • Duma on 29 de Agosto de 2020 at 12:09
    • Responder

    Quem é o autor do texto?

      • Matilde on 29 de Agosto de 2020 at 12:30
      • Responder

      João Vieira Pereira (Jornal Expresso).

    • Fernando, el peligroso de las verdades. on 29 de Agosto de 2020 at 14:06
    • Responder

    Isto não está para brincadeiras.

    • Maria Indignada on 29 de Agosto de 2020 at 14:25
    • Responder

    Também sou filha de prof, e depois?

    Que escolas é que não são geladas no Inverno e estufas infernais de Verão?

    Que restaurantes, praias, festas e afins não está com a lotação reduzida e controlada?

    E qual é o único setor de atividade que funcionará sem lotação reduzida e controlada E em ambiente fechado?

    E volta a meia o pessoal insiste em falar na Alemanha, mas têm alguma noção que as condições de ensino, instalações, dimensões das turmas, idade média dos profs e capacidade de resposta do sistema de saúde são bastante distintas das do nosso país? (e estou a falar de escola públicas “normais”, onde tenho andado a trabalhar) .

    Quero lá saber se é o Mário, Francelino ou o Aparício a reclamar outra abordagem. Se vem de esquerda, direita ou centro.

    As condições sanitárias de funcionamento nas escolas portuguesas serão muito reduzidas, com os profs na linha da frente a enfrentá-las, sem nenhum suporte, condições ou restrições como noutros sectores.

    • Dora on 29 de Agosto de 2020 at 16:31
    • Responder

    Não tenho mais paciência para ler o que o JVP escreve.

    • Maria on 29 de Agosto de 2020 at 18:22
    • Responder

    Pois também acho que o autor do texto não conhece a realidade de muitas das escolas portuguesas.
    No agrupamento onde trabalho, o calor nas salas de aula é insuportável! É, literalmente, o suor a escorrer pela cara e professores e algumas crianças a passar mal! Não é frequente, mas já aconteceu desmaios.
    Ui! E agora com as máscaras colocadas! OMG

    • Alexandra Almeida on 29 de Agosto de 2020 at 19:05
    • Responder

    SE… os partidos PS, PSD e CDS não tivessem “deitado abaixo” na AR a redução do número de alunos por turma…
    É aqui que reside o cerne do problema!

    • Luís Miguel Cravo on 29 de Agosto de 2020 at 20:33
    • Responder

    EXCELENTE ARTIGO DE OPINIÃO!!! Enquanto Professor, com P grande, agradeço ao Arlindo a oportunidade de um artigo destes aqui!! MUITO OBRIGADO!!!
    Sô Mário Nogueira, carpideiras e carpideiros de serviço, tenham juízo! Leiam algo de útil e de jeito na vossa vida!!!

      • Roberto Paulo on 30 de Agosto de 2020 at 18:48
      • Responder

      O caro é um cravo que cheira muito mal.
      Professor com P grande? Eu diria que é, sobretudo, um rato com R gigantesco ou um lambe-cus com um L estratosférico.

    • Fernando, el peligroso de las verdades. A calar o Cravo. on 29 de Agosto de 2020 at 21:10
    • Responder

    Mas alguém lhe pediu opinião senhor Cravo?
    Você só a dá se lha pedirem. De resto, caladinho. Certo?

    • Teresa Rino on 30 de Agosto de 2020 at 9:54
    • Responder

    Quem assina este (e outros) texto? Não é da mais elementar transparência subscrever imediatamente por baixo a autoria das ideias, tomadas de posição e opiniões?

    • RUI AMARO on 30 de Agosto de 2020 at 15:40
    • Responder

    Senhor Rui Cardoso, eu sou professor com 37 anos de serviço, estou em consonância consigo apenas nas suas recordações do que era ser professor antes da era tecnológica e digital. De tudo o resto que escreveu só tenho a dizer que me fez sorrir, não rir, apenas sorrir por o considerar uma autêntica anedota. Tenha tento na língua e sobretudo mais respeito pelas pessoas e pelas ideias diferentes das suas.

    • Manuela Martins on 31 de Agosto de 2020 at 14:16
    • Responder

    Concordo inteiramente com o conteúdo desta reflexão. Haja condições para se trabalhar nas escolas, com segurança para todos.

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