O festim pidesco de um governo morto – Santana Castilho

1. Por entre os temas que dominam os noticiários, passou de fininho uma sinistra proposta do Governo (Proposta de Lei n.º 89/XV), que pretendia, entre outras coisas e de sorrelfa, criminalizar o pensamento, a palavra livre e a opinião que expressasse críticas sobre convicções políticas ou ideológicas alheias.
A proposta, entretanto abandonada, tem relevância para lá do que tentou. Com efeito, foi mais uma manifestação da continuada conduta desrespeitadora de direitos constitucionais, por parte de António Costa.
Sim, porque foi ele que, em plena gestão da pandemia, assumindo a Constituição da República Portuguesa (CRP) como um estorvo, que não como a referência que devia respeitar e cumprir, teve o topete de dizer que se faria o que ele decidisse, dissesse a CRP o que dissesse.
Sim, porque foi sob sua égide, como secretário-geral do PS, que foi ensaiado um conúbio com o PSD para promover uma revisão constitucional que visava suprimir o direito à liberdade, consignado no Artº 27º da CRP, para que os cidadãos pudessem ser detidos sem ordem judicial, para que a livre circulação pudesse ser proibida sem necessidade de decretar o estado de emergência e para que o Estado pudesse devassar as comunicações privadas, com a mesma ligeireza com que a PIDE devassava o correio.
Sim, porque António Costa ficará para a posteridade como o primeiro-ministro que mais vezes recorreu a mecanismos de excepção para impedir greves e permitiu os maiores atropelos ao seu exercício, de que são exemplos as discutíveis requisições civis de enfermeiros e professores, polícias a baterem à porta de motoristas de viaturas de transporte de matérias perigosas e polícia de choque usada para intimidar grevistas e proteger fura-greves, no caso dos estivadores.
Por outro lado, a proposta em análise apresentou-se simplesmente coerente com o festim pidesco de um governo morto, bem ilustrado pelos casos que se seguem.
2. A directora do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis, em Gondomar, foi acusada de violação dos deveres de imparcialidade e lealdade porque, na sede do agrupamento que dirige, um grupo de docentes afixou uma tarja onde se lê “Estamos a dar a aula mais importante das nossas vidas”. Ao que consta, a “nota de culpa” propõe agora a sanção de suspensão, que implica a perda de salário, e a perda de mandato.
Não há o delito de opinião no ordenamento jurídico vigente, muito menos admitido no conceito de Estado de Direito Democrático, expresso no Artº 2º da CRP. Portanto, só a hipocrisia de quem manda e a coluna vertebral gelatinosa de quem obedece explica este grosseiro atropelo ao Artº 37º da CRP, que institui o direito à liberdade de expressão e informação, exercido pela comunidade de docentes do Agrupamento de Escolas Júlio Dinis.
Neste caso, não assistimos apenas à submissão da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) aos desígnios políticos da casta que se apossou do Ministério da Educação (ME) e à sua utilização para exercer um execrável controlo ideológico sobre tudo e todos. Assistimos, também, ao resvalar das intervenções da IGEC, outrora respeitável e independente, para metodologias de cariz pidesco.
3. Como é sabido, o poder judicial já havia declarado ilegais os serviços mínimos impostos para dias de aulas e para as avaliações finais dos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 10.º anos. Agora, conhecemos um novo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que declarou ilegais os serviços mínimos impostos à greve às avaliações dos anos com provas finais ou exames (9.º, 11.º e 12.º anos). Depois desta exposição do ME como vulgar fora de lei na matéria, ficaria bem uma palavra de contrição. Mas das consciências cavernosas dos governantes só nos chegou um cobarde silêncio.
4. Num belo lance de grosseira demagogia, um comunicado do ME deu-nos a conhecer que a Direção-Geral da Educação (DGE) passou a ter um conselho consultivo de alunos, que participarão nas reuniões mensais de dirigentes daquele órgão, podendo, entre outras atribuições, discutir propostas no âmbito da competência da DGE. Entendamo-nos, ministro João Costa: quem poderia opinar neste contexto são os professores, não alunos em processo de formação e crescimento. Enxergue-se, ministro João Costa! Mesmo a demagogia tem limites!
In “Público” de 6.12.23

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6 comentários

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    • Simplex on 6 de Dezembro de 2023 at 11:27
    • Responder

    Na primeira pessoa:

    – Tive uma deliberação favorável do Tribunal de Beja de um caso de deliberada intenção política de me afastarem da docência .
    – O Juiz confirmou a má conduta da Direção Regional ao recurso hierarquizo que tive de submeter à referida instância.
    – Depois veio o silêncio e consequentemente ao não direito à reposição das ilegalidades a que fui submetido.

    • Luís Miguel Cravo on 6 de Dezembro de 2023 at 14:08
    • Responder

    Verdadeiramente triste neste processo aqui descrito e que o mesmo poderia ser tudo o que o Chega faria (ou pior, porque advoga bem pior!), mas a coisa é mais grave quando falamos do partido fundado por Mário Soares. Os apologetas da Liberdade e da Democracia pluralista já provaram o que, e durante o maldito covid inventado na China, podem fazer com a Constituição da República Portuguesa. Irregularidades atrás de irregularidades, atropelos e atropelos à nossa “Bíblia”, vulgo Constituição, foram a norma! Fomos o pais que, dentro da UE, adoptou as medidas mais espartanas e anti democráticas. Em nome do medo, os Portugueses prescindiram de Liberdade. Porque os Portugueses, infelizmente, são medrosos e provincianos. O caso da directora de Gondomar e dos meninos à volta do chefe dos Escuteiros só confirma o estado de maniqueísmo e muitas aproximações à extrema direita portuguesa que fariam Sá Carneiro, Mário Soares ou Freitas do Amaral darem muitas voltas centrífugas nos seus túmulos. Afinal, entre “extremos” e “moderados graças a Deus”, o que separa as visões sobre a qualidade da escola portuguesa, a exigência, o mérito, o rigor e o ensino de excelência que deveria ser bandeira de qualquer país civilizado do mundo?….. Era bom que esclarecessem quem diz que vota em vocês…. Não lhes mintam, vá!

    • Rui M M da Silva on 6 de Dezembro de 2023 at 14:21
    • Responder

    Felizmente nas escolas não há violação dos deveres de imparcialidade.

    Petição: Abolição da Avaliação de Desempenho Docente (ADD).
    https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=abolir-add

    • Alice on 6 de Dezembro de 2023 at 19:31
    • Responder

    É por essas e por outras que os professores, principalmente os professores, no dia 10 de março, devem ter memória de todas as atrocidades cometidas contra a ESCOLA PÚBLICA.
    O ministro João Costa será recordado como o ministro que pior tratou a classe docente.

      • orquídea Neves on 9 de Dezembro de 2023 at 17:24
      • Responder

      O ministro da educação é um sucedaneo , o cabecilha original é o António Costa que nunca gostou da classe docente.

    • mentecaptos on 6 de Dezembro de 2023 at 22:56
    • Responder

    Blogue infectado de chiganos…
    São professores?
    Se sim, a escola pública está mesmo nas “lonas”…

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