Por falar em ser ouvido por quem nos devia ouvir

 

É ou não foi?

Já foi assim, mas há mais de 48 anos: aos sindicatos não era dada a palavra, mesmo sobre aqueles que representavam. Excluídos do debate público, em particular o que era difundido pelos órgãos de comunicação social controlados pelo governo, a desvalorização dos trabalhadores e das suas organizações representativas não passava apenas pelo controlo e repressão, passava também pelo silenciamento. Foi assim, mas será que já não é? Foi, mas, infelizmente, na “nossa RTP”, são muitas as vezes em que continua a ser. Senão vejamos:

Ontem, 19 de abril de 2022, a RTP, serviço público de rádio e televisão em Portugal, emitiu o programa “É ou não é” sobre o futuro da Educação. Em debate estiveram, entre outros aspetos, os relativos à falta de professores, à sua carreira e às condições de exercício da profissão. Uma vez mais (!), as organizações sindicais de docentes foram excluídas, o que significa que a RTP voltou a prestar um mau serviço, amputando o debate público de participações e pontos de vista importantes para ele.

A FENPROF é a organização sindical mais representativa de docentes em Portugal, em todas as regiões do país, incluindo nas regiões autónomas, através dos sindicatos de professores que a integram. A FENPROF é a organização que mais tem alertado para os problemas que afetam a Educação em Portugal, tendo apresentado propostas visando a sua resolução em diversas instâncias do poder político, tanto governo, como Assembleia da República, participando ativamente no Conselho Nacional de Educação, reunindo e dando contributos nos mais diversos fóruns e espaços de reflexão sobre temas da Educação, integrando órgãos de organizações nacionais e internacionais de Educação e/ou de natureza laboral. A FENPROF tem trazido ao debate público temas de inquestionável relevo, como aconteceu com a falta de professores e perda de atratividade da profissão docente, assunto durante muito tempo ignorado até pelo poder político mas que, finalmente, começa a merecer atenção na nossa sociedade.

É, pois, vasta a atividade que a FENPROF desenvolve na área da Educação, debatendo, refletindo, propondo e lutando pelos direitos dos docentes, que representa, mas, igualmente, por uma Escola Pública e uma Educação de qualidade, para todos, inclusivas e gratuitas, ou seja, por uma Escola Democrática.

Entendeu a produção do referido programa da RTP que, apesar do trabalho desenvolvido por esta organização que representa cerca de 50 000 docentes, não havia interesse em conhecer os seus pontos de vista, o diagnóstico que faz das atuais situações da Educação e dos professores em Portugal. Poderia pensar-se que a opção da RTP teria sido a de não ter representantes de entidades ou organizações, mas não foi o que aconteceu, uma vez que estiveram no debate, por exemplo, a presidente do Conselho Nacional de Educação e o presidente de uma associação de diretores. Estiveram professores, sim, mas exceção feita aos que desenvolvem determinados projetos, os demais eram representantes de si próprios, condição que não se altera por serem dinamizadores de blogues. Não se vislumbra a justificação para privilegiar representações individuais em detrimento de coletivas e, mais do que isso, para excluir estas no que toca aos professores, grupo profissional determinante para os assuntos em análise.

Não pondo em causa os convites que foram feitos, não se pode deixar de assinalar o facto de ter estado presente a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, no mandato da qual os professores foram tremendamente atacados nos seus direitos, incluindo a grave desvirtuação do seu estatuto profissional, nas suas condições de trabalho e na sua dignidade, tendo sido posto em causa o seu profissionalismo e a sua dedicação à atividade que desenvolvem. Já nesse tempo, foi a FENPROF quem se destacou na organização e mobilização dos professores. Mesmo assim, entendeu a produção do programa da RTP deixar de fora a FENPROF.

Escusaria a FENPROF de dar conta da importância da atividade que desenvolve, da representatividade que tem e da capacidade que para construir e apresentar propostas, pois tudo isso é do domínio público, certamente também de quem decide os convites para os programas em que a Educação e o seu futuro estão no centro do debate. Ao excluir esta importante organização que representa um grupo profissional essencial, a RTP voltou a prestar, insiste-se, um mau serviço, pois impediu os telespetadores de conhecerem pontos de vista significativos para o debate em curso. Infelizmente, não é a primeira vez que a RTP – que, como outros órgãos de comunicação social, não raras vezes recorre à FENPROF para obter informações e explicações importantes para notícias sobre Educação, para obter dados ou para conseguir testemunhos que possam ilustrar as suas reportagens – decide excluir esta organização de docentes dos debates que organiza, numa clara discriminação em relação a organizações que representam outros membros da comunidade educativa.

Será que o canal público de televisão, 48 anos depois do 25 de Abril, ainda não reconhece aos sindicatos – e em particular à FENPROF – o papel representativo que têm?

Por tais posturas verificadas no canal público, a FENPROF apresentou, ao longo dos tempos, repetidos protestos. Mais uma vez se vê na necessidade de protestar e reclamar veementemente pela exclusão de que foi alvo. De forma inequívoca, afirmamos que isto não é serviço público.

 

Lisboa, 20 de abril de 2022

O Secretariado Nacional da FENPROF

 

 

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12 comentários

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    • Maria on 21 de Abril de 2022 at 13:26
    • Responder

    Foi uma falha imperdoável , a da RTP, canal público por ter excluído do debate as organizações sindicais.

      • zeco on 21 de Abril de 2022 at 14:15
      • Responder

      E o que sabem eles de dar aulas, de ser professor? O tema era falta de professores. Nem a sinistra nem os diretores deveriam ter ido. Juntamente com as traições dos sindicatos e as respectivas dispensas da componente lectiva são os causadores do problema. Portanto não se pode colocar o veneno a curar a ferida!

    • cesar on 21 de Abril de 2022 at 13:56
    • Responder

    Não fizeram falta nenhuma…sinto me mais representado por um tipo do terreno, da sala de aula, do que por tipos do gabinete e que em muitos casos nem dão aulas há anos.

    • Manuela Gonçalves on 21 de Abril de 2022 at 14:00
    • Responder

    De facto foi discriminação propositada.

    • zecos on 21 de Abril de 2022 at 14:07
    • Responder

    A RTP prestou serviço público porque eliminou um elemento de compadrio com o PS. Nem sei como arriscou tanto em tempos de oligarquia e formatação social!

    • João Branco on 21 de Abril de 2022 at 14:13
    • Responder

    A opinião dos sindicatos é conhecida e a (in)eficácia dos seus protestos também.
    Falta na classe docente uma verdadeira ordem profissional, cuja função é distinta dos sindicatos, sendo estes mais vocacionados para reivindicações de caráter profissional e cabendo aquela a seleção dos candidatos e à sua valorização/atualização, do ponto de vista científico e pedagógico.
    Uma ordem profissional nos professores é ainda mais importante dada a diversidade de origem dos seus profissionais e à sua frequente desunião.
    Estão contra esta ordem os próprios sindicatos, como se com a sua existência fossem privados de algum protagonismo, o que é absurdo.

  1. Acho que foi uma lufada de ar fresco não ter de ouvir a “cassete” dos sindicatos e ouvir professores que trabalham mesmo no terreno.
    Senti-me representados pelos professores presentes no debate. O mesmo não posso dizer da maioria dos sindicatos nos últimos anos.

  2. É surpreendente ler comentários tão negativos neste blog, acerca daqueles que ainda tem coragem e vontade de defender a classe docente.
    Não se limitem a dizer mal daqueles que dão o corpo ao manifesto. Deem soluções, colaborem na resolução dos problemas que tanto afetam os docentes.
    Já chega de comentadores de bancada que opinam sobre tudo e mais alguma coisa e não se aproveita nada.

      • João Santos on 21 de Abril de 2022 at 22:43
      • Responder

      Uma solução: acabar com os sindicatos que dão tacho a barrigudos, desdentados, arruaceiros, malcriados, que dão pontapés na gramática e que estão sempre de férias. Isso acabaria com a má imagem que durante anos deram de uma classe que não representam mas que dizem representar. Seria um excelente serviço à classe docente: irem trabalhar, nem que fosse nas obras onde há tanta falta de mão de obra.

    • Mário N. on 21 de Abril de 2022 at 18:52
    • Responder

    Ó sr. LB, “aqueles que dão o corpo ao manifesto” são precisamente os professores que dão aulas. Não são os emprateleirados que estão há décadas nos sindicatos a defender os direitos deles mesmos e só esses. Infelizmente ainda há colegas crentes que lhes pagam do seu salário ganho com o suor da sala de aula para os parasitas coçarem o c.. nos gabinetes com ar condicionado e sem cheiro a sovaco de adolescente.
    Está na altura de por essa “malta porreira” a trabalhar no duro nas escolas e preencher os horários em falta.
    Em que é que os sindicalistas de cigarro no canto da boca “deram o corpo ao manifesto”?
    Na escola faltam professores, nas prateleiras sobram parasitas há mais de 30 anos.
    Por uma reforma urgente da lei que permite a estes “pás” andarem a comer sem trabalhar e a parasitar sobre quem trabalha.

    • Manel Tavares on 21 de Abril de 2022 at 19:58
    • Responder

    O canal,dito público, pago por todos nós, é pior do que a RTP de antes do 25 de Abril de 1974.
    Está ao serviço do partido do regime e do seu governo. Basta ver a quantidade de “conversas em família” que vai fazendo o Costa.
    Mais, com a multipicidade de canais que temos, mesmo os privados, temos sempre as mesmas notícias em todos os telejornais. Será que a fonte é a agência Lusa? O certo é que estamos como antes de 1974

  3. Ó Sr. Mário! Não são os sindicatos ” que dão o corpo ao manifesto”, são aqueles professores que estiveram no debate que decorreu no canal da RTP 1 a expor os muitos problemas que afetam a classe docente e que a FENPROF tanto criticou, bem como alguns comentadores deste Blog.
    Quando refere que são “os professores que dão aulas” que dão o corpo ao manifesto, tem toda a razão, mas isso já não é novidade, pois tal como eles, também eu há 28 anos que dou aulas.

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