Da falta estrutural de professores: avisos, culpas e soluções
Sucedem-se as análises sobre a tragédia anunciada da falta de professores e discutem-se os remedeios. Mas debata-se o estrutural para que se aprenda com os erros. Aliás, se o essencial não mudar, e se a OCDE concluiu que “os professores portugueses são, na Europa, os mais desgastados, os que mais preenchem burocracia inútil e que são vítimas de uma organização de trabalho que os adoece”, rapidamente os novos professores entrarão em exaustão e se arrependerão da escolha profissional.
E ainda como ponto prévio, é finalmente inquestionável que os jovens rejeitam o ensino como profissão. Mas agravou-se, e contrariou expectativas, porque a robotização do ensino supervisionada por super-humanos (em “de volta ao futuro da Educação – quatro cenários da OCDE“) desacelerou com o imperativo, também evidenciado na pandemia, de recolocar o humano comum no centro das preocupações.
Num resumo sistémico, comece-se pela sonoridade dos avisos; e como a não audição persiste, convoque-se Milan Kundera: “a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”. E faça-se o que tanto se exigia aos professores: prestação de contas.
O primeiro grito ecoou na histórica manifestação de 8 de Março de 2008 contra a asfixia democrática e a precarização dos professores, numa sociedade convencida pelo discurso anti-professor que incluía uma suposta instrumentalização. Mas em 16 de Abril de 2008, a plataforma de sindicatos assinou um entendimento fatal com o Governo para a testagem das políticas de divisão da carreira e de avaliação. Nessa suspensão do tempo, alterou-se a gestão das escolas – decreto-lei 75/2008 de 22 de Abril – e consolidou-se a tragédia. Quebrou-se a solidariedade em ambiente escolar e sobrepôs-se obsessivamente o individualismo e o utilitarismo ao cooperativo e ao gregário. Percebeu-se, desde logo, que a falta estrutural de professores seria uma questão de tempo.
Apesar de tudo, ainda se fez, em 17 de Junho de 2013, uma dificílima greve aos exames do secundário. Impediu-se que o maior despedimento colectivo da história – 20 mil professores – não duplicasse, mas não se travou o aumento de alunos por turma, a prova de acesso à profissão, a bolsa de contratação pelas escolas e mais agrupamentos. E recorde-se que, enquanto se noticiava um excesso de procura nos professores, precarizava-se a eito. A comunicação social e os governantes, por desconhecimento ou omissão, insistiam, a cada concurso, “nos professores a mais“ sem a devida explicação: por exemplo, cada candidato, até do quadro, podia apresentar candidaturas a várias disciplinas; ou seja, 40 mil não colocações podiam ser apenas 10 mil pessoas.
Sabemos que as causas da falta de professores incluem as “novas políticas de gestão pública” iniciadas nos EUA e RU (anos 80 do século XX) e lançadas na Europa dez anos depois. Foram aplicadas entre nós na primeira década do milénio e mantêm-se.
Mas houve um contributo de quem não lecciona no ensino não superior; até de professores. Aliás, um técnico da Portugal Telecom, em 2006, indignou-se com o discurso “anti-professor e de alergia à escola” da generalidade dos professores dos serviços centrais do ME. Noutro exemplo que convém ter em conta, assistiu-se a uma tensão entre o discurso de um dirigente escolar que defendeu (no Público de 16 de Abril de 2022) a sobrecarga dos horários com mais turmas, e das turmas com mais alunos, como solução para a falta de professores e as veementes discordâncias sugerindo a atribuição de 1 ou 2 turmas aos dirigentes que não leccionam (serão 2 a 3 milhares).
Por outro lado, um estudo (2022) da Fundação Belmiro de Azevedo concluiu da “falta de experiência na área de cerca de um terço dos formadores dos professores do básico e secundário” o que explicará a infernal tecnocracia didáctica que terá contribuído para a perda de atractividade dessa formação e para o desvario na formação contínua.
Discuta-se então soluções de curto e médio prazos que oxigenem a atmosfera:
1. Eliminar as cotas e as vagas na avaliação e abrir um concurso extraordinário;
2. Considerar sempre como horários completos as colocações com 14 ou mais horas e o tempo de serviço para a segurança social dos professores contratados;
3. As habilitações, a profissionalização, o acesso aos quadros e a estrutura da carreira devem recuar para algo semelhante ao que acontecia há duas décadas;
4. Incluir os horários com 6 ou mais horas nos concursos por mobilidade interna, regressar à recuperação do tempo de serviço e eliminar a componente não lectiva a partir dos 55 anos de idade;
5. Concretizar, até 2030 e como avaliação da municipalização, 18 alunos por turma no pré-escolar e no primeiro ciclo, 20 nos 2º e 3º ciclos e 22 no secundário;
6. Recuperar, dos seguintes modos, a gestão democrática de proximidade a pensar também na descentralização:
a. um conselho geral por concelho, em vez de um por agrupamento ou escola, e uma agência municipal, em rede com as escolas, para os assuntos administrativos;
b. um conselho directivo (não apenas executivo e eleito como o que existiu até 2009) e um pedagógico em cada escola com 2º e 3º ciclos e ensino secundário;
c. um delegado escolar concelhio, sediado no município, eleito pelas escolas do pré-escolar e do 1º ciclo, um coordenador eleito em cada uma e um conselho pedagógico concelhio destes níveis de ensino.
Por fim, o primeiro-ministro declarou que o que conta é a redução de 13% para 5,6% no grupo dos 18 aos 24 anos inscrito no IEFP. É óbvio que é fundamental reduzir o abandono escolar, mas não é o único indicador que importa. Aliás, o ministro da Educação declarou (5 de Abril de 2022) que “as escolas devem ser laboratórios de democracia e oficinas de paz”; acrescente-se um para todos: alunos e profissionais da educação. É que, e como se comprova, a escola é, há década e meia, um laboratório de exclusão dos professores. É, portanto, crucial que se cuide dos que existem, também para que quem testa a possibilidade não se confronte com um clima de desconfiança, insanidade e arbitrariedade, e entre não só em regime de fuga como desaconselhe o exercício.
2 comentários
Propostas razoáveis.
Mas, infelizmente, continuo a achar que a aposta é numa escola pública barata, com a qualidade possível, com a meia dúzia de professores pindéricos possíveis (que não conseguiram escapar/antever a tempo, eu incluída), que terá apenas e só como destinatários as camadas sociais mais desfavorecidas.
Sobre a falta de professores nas escolas portuguesas:
a) se o tempo das baixas médicas fosse descontado para efeitos de concurso teríamos milhares de professores “doentinhos” a ficarem bem para regressarem às escolas.
b) se a Mobilidade por Doença tivesse cotas nos Agrupamentos, não teríamos agrupamentos com 12 (doze), não é engano, educadores de infância a tropeçar uns nos outros.
Quantos atestados médicos são metidos por professores donos de Centros de Estudo ou que lá trabalham sem fazer descontos? Não trabalham com os alunos das turmas com o mesmo afinco, claro!
A chico-espertice na profissão docente é que retira dignidade e consideração aos professores.
E como em outras situações não se consegue separar “o trigo do joio”, logo “paga o justo pelo pecador”!
Os sindicatos conhecem bem esta enormidade, mas se falassem abertamente perdiam os associados e o dinheiro das respetivas cotas, não é?