Classe Docente: o círculo vicioso da auto-sabotagem…

 

A hecatombe da Classe Docente começou a desenhar-se, sobretudo, a partir de 2005, ano em que a personagem José Sócrates designou a indizível Maria de Lurdes Rodrigues como Ministra da Educação…

Ao longo dos últimos anos 17 anos foram sendo cometidos os mais diversos atropelos à Classe Docente, culminando, no momento actual, com a assinalável falta de Professores e com a exaustão física e psicológica, assumida pela maioria dos que se encontram no activo…

Motivos para verdadeiras rebeliões na Classe Docente não faltaram ao longo desses anos, mas paradoxalmente poucas vezes se assistiu à manifestação categórica da sua oposição às muitas ignomínias cometidas contra si, nem a “motins” ou “revoltas na Bounty”…

Insurreições ou levantamentos parecem não ser apreciados pela Classe Docente que, aparentemente, prefere continuar a conformar-se e a resignar-se, sublimando e recalcando o seu descontentamento e a sua indignação…

A Classe Docente parece ter sido tomada pela auto-sabotagem, alicerçada na vitimização, na procrastinação e em crenças falsas, na medida em que frequentemente age contra si mesma, elegendo-se a si própria como um dos seus inimigos:

– Continuamente, reclama-se muito, mas quase sempre apenas de forma oficiosa. As “contestações” mais comuns costumam ser realizadas em surdina, num grupo restrito de pessoas ou por via das redes de comunicação virtual… Oficialmente, os protestos ou as reclamações raramente são visíveis ou se concretizam, existindo quase sempre as mais variadas “desculpas” para justificar a inacção e o silêncio tácito…

Quase sempre, essas “desculpas” costumam significar que não se assume a quota-parte de responsabilidade pelas soluções de problemas, recorrendo-se, em vez disso, à vitimização…

– Continuamente, procrastina-se, adiando a tentativa de resolução dos problemas de fundo que dizem respeito a todos e que afectam todos, quer seja os que ocorrem dentro de cada escola, quer seja os que são originados pelas políticas educativas impostas pelo Ministério da Educação, mas em simultâneo espera-se o respeito pela Classe e a valorização do seu trabalho…

– Continuamente, a Classe Docente, ancorada em crenças falsas, parece atribuir a outros a responsabilidade pela “solução mágica” dos seus problemas, acreditando e esperando pela vinda de um Outro, Redentor, uma espécie de “D. Sebastião” ou de um “Mahdi” que a salve…

O pensamento dominante parece basear-se na ideia de que não vale a pena lutar porque ninguém ouve os Professores…

Como poderão ser ouvidos, se o silêncio e a resignação fazem parte das suas características?

E se o silêncio e a resignação não fizerem parte das suas características, como se compreenderá que o actual modelo de administração e gestão, que instituiu a Ditadura nas escolas, esteja em pleno vigor desde 2008? Nos últimos 14 anos, como se materializou a luta dos Professores contra esse modelo?

Como se compreenderá que a fórmula vigente de ADD continue sem alterações significativas desde 2012, apesar de todas as injustiças e vícios propalados pela mesma? Nos últimos 10 anos, como se materializou a luta dos Professores contra essa fórmula?

Como se compreenderá que, em 2017, os Professores tenham sido vilipendiados em mais de 9 anos de tempo de serviço, com implicações e prejuízos definitivos em termos de progressão na carreira e de salário, e que em 2022 continuem com mais de 6 anos por recuperar? Nos últimos 5 anos, como se materializou a luta dos Professores contra esse roubo?

A conclusão inevitável parece ser esta: dificilmente outra Classe Profissional teria aceite, de forma tão pacífica, ser desrespeitada e maltratada por via de três circunstâncias similares às anteriores…

No seio da Classe Docente, mais facilmente se censuram e elegem os próprios pares como “bodes expiatórios” de muita frustração e descontentamento do que se luta eficazmente pelo bem comum…

Perdoe-se a analogia, mas a Classe Docente arrisca-se mesmo a ser retratada como um “saco de gatos”, onde ninguém se entende e onde facilmente se instala a confusão… E o resultado mais óbvio disso costuma ser a divisão insanável e permanente da Classe…

Carpir recorrentemente mágoas e frustrações é mais fácil e cómodo do que agir…

Contrariamente à passividade da indiferença e da inércia, agir significa ter a coragem de actuar e de intervir, assumindo com toda a frontalidade as divergências e os desacordos…

Mas muito poucos parecem estar dispostos a fazê-lo, optando-se quase sempre pela via da “paz podre” e por se tolerar o intolerável, como a Ditadura encapotada de Democracia que se experimenta em muitas escolas…

Ao invés de agir, a Classe Docente parece ter-se deixado enredar num círculo vicioso de auto-sabotagem:

1 – A Classe Docente tem motivos inquestionáveis para reclamar. Reclama muito, mas apenas oficiosamente. Sem união e firmeza de Classe, não consegue contribuir para a eliminação desses motivos;

2- Frustrada e insatisfeita, a Classe Docente vitimiza-se por as suas reclamações não serem ouvidas, mas na verdade a sua voz raramente é audível;

3- Adia sistematicamente qualquer tomada de posição vigorosa e consequente, acreditando e esperando que outros, miraculosamente, consigam resolver os seus problemas;

4- Porque nenhum problema se resolve sem a participação activa dos Professores, subsistem os motivos das reclamações. A Classe Docente continua a reclamar, mas sempre muito baixinho e de forma aveludada… E volta tudo a 1), que é como quem diz “daqui não se sai para lado nenhum”…

O impasse parece inultrapassável: repetem-se os erros, as rotinas e o conservadorismo de funcionamento e o círculo vicioso torna-se praticamente impossível de quebrar, anulando-se a possibilidade de se operar qualquer mudança ou progresso…

Mas, e por muito que se escalpelize o tema, será sempre impossível escapar a esta conclusão: ninguém poderá “libertar” os Professores, a não ser eles próprios…

Aos Professores não se pede “super poderes”, nem heroísmos, nem missionarismos, apenas a coragem de não sucumbirem ao silêncio e de não serem derrotados pela resignação…

O que têm ganho os Professores com uma atitude recorrentemente submissa, silenciosa e de acomodação ao ritual? Algum dos problemas que afectam a Classe Docente foi resolvido por essa via? Conseguiram conquistar, dessa forma, o tão almejado respeito ou a valorização do seu trabalho?

E, de repente, estas palavras de José Afonso (1985) parecem, assustadoramente, actuais:

“O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E, nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de homenzinhos emulherzinhas. Temos é que ser gente, pá!”

(Matilde)

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11 comentários

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  1. No meu caso, continuo a lutar da forma que posso, mas a verdade é que, após as manifestações que fizemos no tempo da intragável Lurdes Rodrigues, a sensação com que fiquei é que os sindicatos «venderam-nos», traindo a classe docente que dizem representar… sei que muitos pensam assim.
    Mas também concordo com o que diz, é verdade que a classe docente parece resignada e submissa e parece aceitar tudo o que vem do ministério ou direção do agrupamento… é muito triste…

    • José Gabriel on 30 de Abril de 2022 at 10:47
    • Responder

    O que sucedeu ontem na bolsa de recrutamento é notório como estratégia realizada nestes últimos anos: a tomada de decisões avulsas, aparentemente com cedências da classe, que têm como propósito a divisão desta mesma classe pelas injustiças que são criadas. Fácil apontar o dedo às ditaduras e lenta e disfarçadamente estamos a lidar com escolas em estruturas não democráticas! Viva o 25 de Abril

    1. Da forma que estamos só juntando pais e professores se mudará alguma coisa. Os pais estão ao rubro pela falta se professores para os seus filhos e os professores pela falta de democracia. A discrionaridade parece que só o Stop detetou, parece que é o único que percebe de professores…

    • Ana Andrade on 30 de Abril de 2022 at 12:35
    • Responder

    Se as listas das RR saem à sexta, por que motivo o tempo de serviço e a remuneração só começam na 3a seguinte?! Os Açores já têm as listas graduadas do concurso prontas, e no continente que andam a fazer?! Onde estão as datas oficiais do concurso?! Concordo com a libertação dos colegas nos escalões, mas e a subida do ordenado dos contratados que são o parente pobre de todos os professores?! Dentro de pouco tempo estão encostados ao salário mínimo! Mais vale ir para as caixas de um hipermercado… Por que motivo um horário incompleto anual não tem a hipótese de ser renovado, se é do interesse dos intervenientes? Isto tudo, e mais ainda, são a prova do desrespeito total que existe pelos docentes! Pudera estarem em vias de extinção… Até é para admirar como é que ainda há tantos! Mas basta entrar numa sala de professores para perceber que a maioria procura alternativas para sair do ensino. Muitos já foram e outros estão em vias de sair, eu sou uma delas. Basta!

    • Rui Filipe on 30 de Abril de 2022 at 12:49
    • Responder

    Parabéns colega Matilde pelo excelente texto.
    A responsabilidade também é pessoal. Não é só coletiva.
    Quem não é capaz de levantar a voz nem por si mesmo, não tem direito a queixar-se, e não merece melhor sorte.
    A dignidade dá muito trabalho! Não há nada que pague uma boa consciência. Uma só , vale por milhares sujas.

    • Estamos assim… on 30 de Abril de 2022 at 12:55
    • Responder

    O que mais temos nas escolas, INFELIZMENTE, são “mulherzinhas e homenzinhos. Com a “têmpera” da maioria da classe docente as mulheres ainda hoje não teriam direito de voto e o 2( de abril nunca teria acontecido.
    Pior, este imenso grupo de conformistas, atávico, apático e anódino, ainda acha que quem tem opinião é que está errado!!!!!
    Nota: neste grupo há alguns INTERESSEIROS que estão confortavelmente instalados no 10.° escalão, nas reduções, nos tachos e nos “suplementos” de uma gestão de “putinhos” e cuja postura é, uma forma de manipulação dos escravos.

    • Prof Possível (aka Maria Indignada) on 30 de Abril de 2022 at 13:13
    • Responder

    A classe docente tem o tratamento e o respeito da tutela que merece.

    Somos mansos, individualistas, acomodados e comodistas.`

    E, alguns de nós, creio ser uma minoria (espero), de forma invejosa e pouco digna, aproveita qualquer espaço para denegrir colegas, tais como:

    – os que estarão mais perto de casa
    – os que estarão em MpD
    – os que estarão no 10º escalão
    – os que (na opinião deles) eventualmente burlarão o sistema se houver incentivos para professores deslocados
    – os que estarão em direções
    – os que estarão em sindicatos
    – os que obtiveram licenciaturas/mestrados em piagets e afins
    – os que estão num ciclo de ensino inferior
    – os que estão numa área disciplinar, na sua opinião, menos digna
    etc, etc, etc…

    Promovem divisões, fazendo um excelente favor à tutela. Dividir para reinar. E assim contribuem para condições mais favoráveis para que a tutela nos continue a (des)tratar conforme lhe apraz.

      • Professor, mesmo… on 30 de Abril de 2022 at 14:08
      • Responder

      Colegas, DIRETORES e SINDICALISTAS?????
      Conhece algum???
      Eu não, não conheço.

      • maior on 30 de Abril de 2022 at 14:11
      • Responder

      Eu gosto é da FAMOSA pergunta:
      É colega ou contratado?

      • Cidália Luís on 30 de Abril de 2022 at 14:22
      • Responder

      Excelente texto!
      Tudo o que digo há 20 anos. Sempre fiz e continuo a fazer a minha parte. Lamento que a maioria não o faça, por comodismo, por medo, por medo da opinião pública, etc. Infelizmente parte considerável do que passamos deve-se precisamente à inércia da classe.

    • Cérbero de Hades on 1 de Maio de 2022 at 22:16
    • Responder

    É engraçado: todos dizem fazer a sua parte, mas ao fim de 20 anos constata-se que ninguém fez porra nenhuma!

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