“As escolas devem ser laboratórios de democracia e oficinas de paz”, terá afirmado João Costa, no passado dia 5 de Abril, à margem do Conselho Europeu de Ministros da Educação…
Frases premeditadas, proferidas à porta de um Conselho Europeu, podem tornar-se em meros chavões inúteis, destinados a mascarar a realidade, desmentidos pela imparcialidade factual:
Nessa visão das escolas parece estar implícita a concepção das mesmas como lugares idílicos, propícios à criação de condições para a observância da democracia, da paz, da felicidade, do pensamento crítico, do pensamento independente ou da experimentação, no seu sentido mais lato…
Lamentavelmente, essa visão encontra-se absolutamente deturpada, sobretudo por não corresponder à realidade. E a realidade é esta: o ambiente que se vive actualmente, na maioria das escolas, é castrador e oposto ao conceito de liberdade individual…
A partir da publicação do Decreto-Lei nº 75/2008 de 22 de Abril, a ditadura foi instaurada nas escolas públicas. Depois desse Decreto, as escolas regrediram “às trevas” e mergulharam na opressão e no obscurantismo, de onde nunca mais conseguiram sair…
No geral, as escolas foram transformadas numa espécie de “feudos senhoriais”, como se fossem propriedade privada; o Poder foi centralizado, as decisões são, muitas vezes, tomadas de forma unipessoal, inflexível e arrogante; a doutrinação e o culto à personalidade do “líder supremo” são frequentes, podendo chegar-se ao ridículo da existência de rituais a lembrar o “Beija-Mão” de outras épocas…
Os privilégios concedidos aos detentores do Poder permitem-lhes exercê-lo de forma absoluta, abusiva e discricionária, se for essa a sua vontade…
A contestação costuma ser barrada; oficiosa e cinicamente, a oposição é proibida; existe censura, concomitante com represálias e castigos, previstos para quem ouse levantar-se…
Muitas vezes existe assédio moral e psicológico, repressão, controlo e intimidação… Existe “vigilância política” e existe, enfim, um hediondo “terrorismo de Estado”, através do qual se mantém a ordem e a hierarquia e se desincentivam eventuais insurreições…
Na prática, órgãos como o Conselho Geral, o Conselho Pedagógico ou o Conselho Administrativo, resumem-se todos apenas ao Poder de uma só figura: o Director, ou aqueles em quem o próprio delegue determinados Poderes…
Nessas circunstâncias, a escola tornou-se estéril de discussão saudável, esvaziada de democracia participativa, minada pela farsa diária, pelos sorrisos forçados e pela hipocrisia do “faz de conta”…
No contexto anterior, considerar que “as escolas devem ser laboratórios de democracia e oficinas de paz”, não pode deixar de ser qualificado ou como uma piada de mau gosto, eivada por um certo sadismo; ou como a recusa de aceitar e assumir a realidade, substituindo-a pela imaginação, pela fantasia e pelo pensamento mágico…
Em parte significativa das escolas, não existe democracia, nem paz… Ditadura encapotada de democracia talvez haja e muita “paz podre” também…
Não reconhecer isso é deixar-se enredar por uma espiral de dogmatismo e de hipocrisia…
O Ministério da Educação não pode deixar de ser apontado como o principal responsável pelo défice democrático que grassa nas escolas, sobretudo desde 2008… Fatalmente, em Educação, o (bom) exemplo raramente vem de cima…
E o presente Ministro, que também desempenhou funções governativas na área da Educação nos últimos seis anos, enquanto Secretário de Estado, não poderá demitir-se ou desvincular-se dessa responsabilidade, nem desse ónus…
Não parece legítimo que o Ministério da Educação exija às escolas aquilo que o próprio não tem conseguido ou querido fazer: devolver a democracia às escolas, permitindo o efectivo exercício da liberdade individual e colectiva…
Como podem as escolas, em consciência e com plena convicção, dar aquilo que elas próprias não têm?
O tamanho da hipocrisia costuma medir-se pela distância entre o que é dito e o que é feito…
No caso presente, parece que a hipocrisia terá uma dimensão assinalável, uma vez que não se vislumbra qualquer vontade política para revogar o Dec. Lei Nº 75/2008 de 22 de Abril, prevalecendo o aforismo: “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”…
E a primeira causa para não se proscrever o referido Decreto parece ser esta: os principais executores locais das medidas de política educativa são os Directores, a quem é conferida a autoridade necessária para implementar tais políticas, conforme consta nos próprios fundamentos da criação desse cargo (Preâmbulo do Dec. Lei Nº 75/2008 de 22 de Abril)…
Por outras palavras, o Ministério da Educação precisa dos Directores para executar as suas políticas educativas, custe o que custar, e os Directores precisam da desmesurada autoridade que lhes é conferida por esse Ministério para exercerem o Poder da forma que mais lhes convier…
Enquanto assim for, essa interdependência entre Ministério da Educação e Directores não deixará de assumir um carácter perverso e vicioso, com uma estratégia clara: procurar o benefício de ambas as partes, por via do mutualismo…
No meio desses “Jogos de Poder” encontram-se milhares de alunos e de profissionais de Educação que, cada vez mais, parecem ser instrumentalizados como meros “peões”, postos ao serviço ora de uns, ora de outros…
No final, perde a Educação, cada vez mais despojada dos principais Valores da cidadania, apesar de até existir uma componente de currículo denominada Cidadania e Desenvolvimento, supostamente muito grata ao Ministro da Educação e à qual atribuirá muita importância…
“Os professores têm como missão preparar os alunos para a vida, para serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas” (DGE, Aprendizagens Essenciais/Cidadania e Desenvolvimento)…
E os profissionais de Educação, que também são cidadãos, verão respeitados, na escola onde trabalham, o seu igual direito à democracia, à participação e ao humanismo?
Ou estaremos perante mais uma evidência de flagrante hipocrisia?
(Matilde)
15 comentários
Passar directamente para o formulário dos comentários,
concordo absolutamente com tudo.
O sistema de gestão escolar está para a cidadania como o poder legislativo, executivo e judicial centrados numa só pessoa estão para a democracia!
Nem sempre tenho concordado na íntegra com os artigos escritos pela colega, mas desta vez concordo totalmente.Já passei por vários agrupamentos, e o que tenho encontrado, é ditaduras disfarçadas ou mascaradas de aparências, descriminações e favoritismos. Sendo assim, como se pode educar para a democracia, para a ética, e fomentar o pensamento crítico nas crianças?
“ o ambiente que se vive actualmente, na maioria das escolas, é castrador e oposto ao conceito de liberdade individual…”
Tal e qual…
Por experiência própria, quando a falta de espaço para a minha liberdade de pensamento é insuportável e a coexistência com os pares me deixa mais fatigado do que a dinâmica de sala de aula, quando deixo de me sentir considerado enquanto profissional intelectual que pensa na educação, que reflete nas práticas e procura a tal desejada gramática da escola democrática, cooperativa e participativa, quando o desgaste, com a recusa sistemática dos colegas em compreenderem que deve haver lugar também para a minha voz e se iniciam os confrontos porque leio o Projeto Educativo, com eixos e metas de melhoria explicitadas e no departamento se levantam obstáculos precisamente quando pretendo levar à prática ações coordenadas com o que lá está previsto, quando a burocracia canibaliza o meu tempo pessoal e me sufoca porque a lógica do ME é o 2 em 1 e levo mais tempo a resolver problemas de ordem administrativa do que a dedicar-me à organização do processo aprendizagem-ensino, quando escuto que Portugal é o 7.o país mais pobre da UE e essa triste circunstância está plasmada nos alunos que tenho à minha frente, quando tudo isto acontece a minha saúde mental fica no fio da navalha e os alunos perdem um professor com grandes capacidades de trabalho e gosto pela atividade docente. Não é o tempo para “heróis edificantes”!
Ó Calves, ou Calvete, ou o que sejas:
E se escrevesses com mais pontuação não era melhor?
Subscrevo, absolutamente tudo.
Acrescento evidências:
https://capasjornais.pt/Capa-Jornal-Publico-dia-12-Agosto-2018-9909.html
A narrativa do ministro costa, está para as escolas, como a da propaganda russa para a invasão da Ucrânia.
Um insulto às vítimas.
Concordo! Mas muita culpa dos diretores líderes supremos, são os próprios professores e a personalidade destes. Não têm estrutura, pouca personalidade, não são isentos, e caem facilmente no amiguismo! Depois, há o individualismo que grassa na classe porque a estrutura e organização de seu horário de trabalho favorece isso! Isto é, se eu tiver um bom horário, um bom «tacho» resigno-me às ordens absurdas do diretor e os outros que lutem e que se lixem!
Absolutamente na mouche!!!
Só há diretores tiranos se os professores permitirem!
Só a luta liberta!
Aprendam a liberdade e exerçam com democracia. A Escola tornou-se a cobaia de todas as “ucranias” a várias cores .
Quantos(as) “putins” já fizeram cair o machado da sua arrogância ea belo prazer? Falta contabilizar todas as agressões e demoninar estes “utins” pelos verdadeiros nomes para que se faça justiça.
Qual luta?
A dos sindicalistas do sistema?
Outra luta?
Explica aí como se faz… com os 99% de professores EUNUCOS que estão nas escolas!
A componente não letiva livre para pesquisar, estudar e pensar seria o tubo de ensaio mais importantes de um laboratório de democracia, criativa e inovadora.
Conselhos diretivos democraticamente eleitos seriam os aceleradores de partículas desses laboratórios.
O exemplo está patente – Ucrânia invadida
Quem não quer lutar pela sua vida fica …dida
O tipo é um estalinista… tal como Estaline dizia do seu governo…Contudo tal como o governo de Estaline as escolas são ditaduras das direções e dos acólitos que lhes obedecem cegamente em troco de avaliações de mérito… Portugal pela mão do PS tornou-se numa republica de terceiro mundo governada por políticos hipócritas, incompetentes, falsificadores da realidade, agarrados ao poder…
Parabéns Matilde
Como sempre excelente reflexão!
De facto “a escola tornou-se estéril de discussão saudável, esvaziada de democracia participativa, minada pela farsa diária, pelos sorrisos forçados e pela hipocrisia do “faz de conta”…
No meu agrupamento no tempo do presidente do executivo, havia a presidente da assembleia, que agora é a presidente do conselho geral. Isto é mais complexo do que apenas as questões dos diretores.
Calves
A motivação dos professores tem vindo a piorar estrondosamente, por isso nem querem saber dos documentos estruturantes dos agrupamentos, nem da legislação, fazem muito bem em preservar o que lhes resta para poderem sobreviver.
Por mim falo, não se deixe afetar por isso, desligue, quanto antes. A seguir ao risco de interferir na saúde mental, vem a saúde física influenciada pela anterior, acredite, pois estou a passar por isso.
Quanto ao Ministro ele já era ministro antes e nunca fez nada, pois tivemos um não ministro que fica para a história como o que mais tempo esteve com a pasta sem pasta ( desde o 25 de abril).